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POR JUSTIÇA

Marcas do racismo: os traumas que ficam

“Sempre que vejo situações envolvendo racismo me volta tudo o que passei em 2005”

Curitiba (PR) |
“Sempre que vejo situações envolvendo racismo me volta tudo o que passei em 2005" - Giorgia Prates

Willian Cezar Martins Cardoso é um trabalhador negro, de 34 anos, dedicado ao trabalho social na associação de moradores e amigos da Vila Maria e Uberlândia, no bairro Novo Mundo, periferia de Curitiba. A ajuda ao próximo é um alívio para quem, durante 14 anos, encarou - com apoio de várias pessoas -, um processo arrastado, doloroso e de finalização ainda incompleta.

Era 2005. Willian tinha só 18 anos. O curitibano deixava, no começo da manhã, uma balada na praça Osório, sozinho, quando subitamente ouviu gritos homofóbicos e racistas vindos de um grupo de oito skinheads: “Gays e negros devem morrer”, avançaram contra ele, que teve o intestino perfurado por uma espécie de punhal, conseguindo ainda reagir e correr por alguns metros até a guarida policial na praça.

O agrupamento agressor dos dois jovens espalhava cartazes pelas ruas e possuía textos, panfletos, discos e bandeiras com apologia ao racismo e ao neonazismo. “A ideologia que seguiam era a de Hitler, pregavam a raça branca. Ainda foram vistos agredindo pessoas na rua ao lado”, conta. Outro jovem homossexual também foi agredido pelo grupo na mesma madrugada, duas horas antes. Esse mesmo rapaz foi assassinado um ano depois. Infelizmente, casos se somam, de violências contra negros e negras, ao lado de LGBTfobia. Há um ano, Thaylanne foi atacada por três homens munidos de pedaço de pau, barra de concreto e facão. A Liga Brasileira de Lésbicas do Paraná organiza campanha de solidariedade devido às consequências e impunidade até hoje das agressões.

Traumas

Para ele, é importante falar sobre o tema e fazer um balanço daquele período, para que agrupamentos, ações e ideologias racistas não se repitam: “Em 2006, fiquei internado em hospital psiquiátrico por 45 dias, abalou mesmo, foi o trauma, na época fiquei tão surtado que queria vingança. Em conversas com a família, percebi o quadro depressivo que eu estava, optamos pelo internamento. Tomo medicação controlada até hoje”, descreve.

Júri tardio

O júri tardou quatorze anos. Ocorreu apenas em 2019. A denúncia foi oferecida pelo Ministério Público, por meio da Promotoria de Crimes Dolosos Contra a Vida de Curitiba. Enquanto os réus, por sua vez, contavam com advogados e recursos de vulto. A condenação saiu por crimes de racismo, associação criminosa e lesão corporal. As penas variam de um a oito anos de prisão. Ainda assim, o trabalhador acredita que não houve reparação completa. “A tentativa de homicídio caiu para lesão corporal grave (caso do agressor acusado de dupla tentativa de homicídio, associação criminosa, racismo e difusão de material ideológico nazista)”, afirma. Agora, tanto os réus como o jovem recorrem da decisão.

Racismo ainda hoje

Hoje, as redes sociais de Willian têm a palavra de ordem “Vidas Negras Importam”. O episódio recente de agressão e morte de uma pessoa negra no Carrefour, por dois seguranças brancos da transnacional, faz Willian reencontrar a própria vivência. “Sempre que vejo situações envolvendo racismo me volta tudo o que passei em 2005. Revoltante, não interessa a ficha do cara, quem nunca errou? O procedimento do supermercado deveria ter sido diferente”, analisa.

Em 2019, Cardoso concluiu os estudos pelo Ensino de Jovens e Adultos (EJA). Pretende agora fazer faculdade de comunicação social. E seguir apoiando a população da vila Maria e Uberlândia. Prudente, antes do fim da tarde, ao fim do trabalho, o jovem sempre chama o Uber:

- "Desde aquela época não saio mais à noite".

Aumento de homicídios entre pessoas negras

De 2008 a 2018, o número de homicídios de pessoas negras no país aumentou 11,5%, já entre pessoas não negras caiu 12,9%. O risco de um homem negro ser assassinado é 74% maior e para as mulheres negras a taxa é de 64,4%.

FONTE: Atlas da Violência, Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)

Edição: Frédi Vasconcelos