Rio Grande do Sul

Povos Indígenas

Povo Xokleng luta para retomar terra na Floresta Nacional de São Franscisco de Paula

Comunidade indígena foi novamente expulsa de terra que já foi sua. Acampados em situação precária, vivem sob vigilância

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Apoiadores estiveram no acampamento dos indígenas Xokleng, após a comunidade ser obrigada a deixar a área da Floresta Nacional - Foto: Alass Derivas

Desde dezembro do ano passado o povo indígena Xokleng tenta retomar uma pequena porção de terra dentro da Floresta Nacional (FLONA) São Franscisco de Paula. Ainda em dezembro, a Justiça Federal emitiu um mandato de reintegração de posse, para que as famílias saiam do território, com autorização do uso da força.

Os Xokleng reivindicam o reconhecimento do território como parte da sua cultura tradicional. De fato, os Xokleng viveram durante séculos neste território, sendo expulsos gradativamente, conforme nota técnica que defende a permanência do povo no território.

Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB):

"A retomada das famílias Xokleng integra um importante movimento de retomada das terras indígenas invadidas na região Sul do país, que foi iniciada na década de 1970. Por séculos os Xokleng foram vítimas de um brutal processo de colonização que quase levou ao completo desaparecimento do povo, que tradicionalmente ocupavam os territórios que estavam localizados no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Devido às inúmeras invasões e violências os Xokleng foram expulsos dos seus territórios fazendo com que hoje estejam mais concentrados no estado de Santa Catarina."

Temendo o uso da força, a comunidade indígena abandonou a área da FLONA e acampou na estrada. Mesmo com a comunidade indígena cumprindo a ordem judicial e deixando a área, no dia 2 de janeiro a Polícia Federal esteve na área, com grande efetivo policial, como foi registrado pelo fotógrafo Alass Derivas, que ainda observou: "Atenção a essa situação. Teoricamente os indígenas já cumpriram a determinação judicial, mas é preciso estar atento a como vai ser o contato com a Polícia Federal".


Polícia Federal esteve na FLONA São Francisco de Paula, para cumprir reintegração de posse, mesmo com os indígenas tendo deixado voluntariamente a área / Foto: Alass Derivas

Ainda segundo a APIB, a decisão que pede a saída das famílias contraria o Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu quaisquer ações de reintegração de posse enquanto durar a pandemia e está em vigor desde o dia 6 de maio. Informa ainda que o pedido para retirada das famílias foi feito pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) e atendido pela juíza plantonista da Justiça Federal do Rio Grande do Sul, Fernanda Cusin Pertile.

Os Xokleng exigem a devolução da terra que já foi sua e afirmam que não irão abandonar o local. Atualmente, eles requisitam uma audiência com o Ministério Público Federal e com o ICMBio.

Mais informações sobre a retomada e formas de ajudar esta comunidade, podem ser conferidas no perfil do Instagram da Retomada Xokleng.

"Este território é Xokleng"

Entrevistado pelo Brasil de Fato RS, o Cacique Woie Kriri afirmou que povo Xokleng pertence ao território da Floresta Nacional São Francisco de Paula:

"Há muitos anos os Xokleng foram expulsos das terras dos campos de cima da Serra do Rio Grande do Sul, por um tal chamado progresso. Progresso não foi, foi um retrocesso genocida. Os "bugreiros" e "tropeiros" mataram os Xokleng e desbravaram nossas terras, para sobreviver tivemos que fugir para outros lugares mais seguros, fomos parar em Santa Catarina, onde também fomos perseguidos."

O Cacique, liderança do povo Xokleng na região, relembra que o povo entrou com um processo no Ministério Público Federal de Caxias do Sul, pedindo o reconhecimento e devolução do território Xokleng, em 2011. Anos se passaram sem nenhuma movimentação, até que em 2015 a Funai fez um estudo preliminar da FLONA de São Francisco de Paula, que confirmou a reivindicação dos Xokleng.

"Precisava que a Funai abrisse um grupo de trabalho pra iniciar o processo de demarcação do território Xokleng, mas isso nunca aconteceu, a justiça não atendeu nossa parte e até então está pra privatizar a FLONA sem nos ouvir. Vimos que não tinha mais como esperar, iniciamos a retomada dia 12 de dezembro de 2020 pra ocupar e fazer a demarcação por nossa conta", afirma o Cacique.

Desde então, as dificuldades se acumulam. Segundo Woie, a coordenadora da FLONA, Edenice Souza, foi algumas vezes até o acampamento para intimidar os indígenas, além de negar acesso à água e energia, isso em plena pandemia de covid-19, havendo vários idosos entre a comunidade indígena:

"Dia 24 de dezembro recebemos a reintegração de posse, pedido pelo ICMBio, falando que estávamos colocando em risco a vida dos funcionários do parque, isso não é verdade, tivemos uma audiência com MPF e com ICMBio falando sobre nossa presença na FLONA, que não íamos fazer nada com os funcionários, não queremos nada com deles, só queremos nossa terra de volta, que a justiça seja feita."

Além disso, drones sobrevoam constantemente as barracas de lona da comunidade, além de carros e camionetes suspeitas que circulam nas proximidades do acampamento, muitas vezes indo e voltando sem motivo aparente.

"O nosso pedido para a justiça é que reconheça o nosso território e devolva a nós Xokleng, queremos garantir nosso direito, não vamos nos deslocar pra outro local. Depois da reintegração de posse estamos em frente à FLONA pedindo uma audiência com MPF e ICMBio", ressalta o Cacique Woie.


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Edição: Katia Marko