Paraná

Entrevista

Fracasso de escolas cívico-militares será evidente daqui alguns anos, afirma deputado

Para Tadeu Veneri (PT), Assembleia do PR aprovou ampliação da militarização seguindo interesses políticos de Ratinho Jr.

Curitiba (PR) |
"Pelas regras aprovadas agora pela Assembleia Legislativa, mesmo o Colégio Estadual do Paraná poderia ser militarizado", diz Veneri - Orlando Kissner/Alep

Nesta quinta (14), foi votado em sessão extraordinária um projeto que altera a lei de militarização do ensino público no Paraná, ampliando o Programa Colégio Cívico-Militar. A convocação extraordinária foi pedida pelo governador Ratinho Júnior (PSD) e o projeto foi aprovado com 45 votos favoráveis e seis contrários. Apenas as bancadas do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) votaram de forma contrária.

Em entrevista ao Brasil de Fato Paraná, o deputado estadual Tadeu Veneri (PT) elencou pontos do projeto enviado pelo governador Ratinho Jr., e aprovado na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). Segundo o deputado, o novo texto piora ainda mais um projeto já ruim sancionado no ano passado. Veneri diz que a maioria dos deputados votou de maneira submissa aos interesses do governador e que o fracasso dessas políticas será sentido em 10, 15 anos, após Ratinho Jr. atingir seus objetivos de concorrer à reeleição ou até mesmo à presidência da República.

Brasil de Fato Paraná – O senhor diz que o projeto aprovado nesta semana das escolas cívico-militares piora o projeto de 2020, por quê?

Tadeu Veneri – O projeto anterior já era muito ruim, previa que se fizesse uma consulta às escolas sem um período prévio de aviso às pessoas. Abria o processo na segunda-feira e fazia a consulta na terça, e enquanto não atingisse o quórum ficava em aberto. Tivemos casos de listas de votação abertas quatro, cinco dias... Os votos também eram abertos na frente dos organizadores. Eles sabiam quem tinha votado e o que tinham votado. Tentamos modificar isso, mas não foi possível.

E no que o projeto de agora é pior? É porque ele diverge até do projeto de escola militarizada do Bolsonaro, vai além nos critérios. Pela lei de antes, poderia implantar essas escolas militarizadas em áreas vulnerabilizadas do ponto de vista social, com índice de evasão significativo, com baixo Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e que estivessem em municípios com mais de 10 mil habitantes e nos quais não houvesse ensino noturno, EJA, ensino profissionalizante, que não fosse quilombola ou ensino rural. Pois bem, todos esses critérios foram retirados. Só ficou que não pode instaurar a cívico-militar quando for a única escola do município. Pelas regras aprovadas agora pela Assembleia Legislativa, mesmo o Colégio Estadual do Paraná poderia ser militarizado.

Com um detalhe, a escola que tiver o EJA ou o ensino técnico, se for militarizada, ela perde o EJA, perde o ensino técnico, perde a condição de quilombola, perde a condição de indígena. O projeto piora ainda mais porque, antes, a pessoa deveria estar no cadastro de militares voluntários até 2017. Como não tiveram adesão, eles ampliaram o espaço para quem entrou na reserva até 2019, 2020. O que é um absurdo, a pessoa vai para a reserva num dia e no outro dia pode virar diretor de uma escola cívico-militar. Com um detalhe, eles mantêm a dispensa da necessidade de qualquer qualificação técnica. O diretor cívico-militar não precisa ter nenhuma qualificação técnica. São indicados, sem eleição. Em alguns casos, transformam um colégio em quartel, sem que as regras sejam conhecidas.

Por que tanta pressa do governador Ratinho Júnior em aprovar essa nova lei? É para contentar o eleitorado bolsonarista?

Não, até porque não acredito que no eleitorado do Paraná, aqueles que escolheram as escolas sejam maioria. As escolas foram escolhidas pela minoria. Se você pegar uma escola que tem mil eleitores, entre pais, professores e funcionários, a maioria das escolas teve entre 52% e 60% de participação. Isso com muitos diretores indo buscar os pais em casa, o que já é um absurdo. O quórum exigido era de 50%, e assim que fosse atingido eles encerravam a consulta. Desses que votaram, de 50% a 60% eram favoráveis. Com uma coisa muito absurda, o pai de 5 alunos teve direito a 5 votos, valia o mesmo que o voto de cinco professores. Fazendo a conta daqueles mil eleitores, se 510 votassem se atingia o quórum. Desses, se 260 dissessem sim, a escola era militarizada. Ela poderia ser militarizada com 26% dos votos possíveis, mesmo com 74% contrários ou ausentes.

Voltando ao Ratinho Jr., por que tanta pressa?

Acho que a finalidade do governo é servir de balão de ensaio e de grande laboratório. Porque em outras unidades da Federação houve esse protótipo com 10, 15 escolas. A exceção é Goiás, que tem 50 escolas, mas ao longo de 5 a 6 anos. Nenhum Estado da Federação fez a loucura de colocar 10% de suas escolas de uma única vez nesse sistema. Quando o Ratinho Jr. faz isso, óbvio que é candidato à reeleição ou à presidência da República, usando a propaganda de ter o melhor Ideb do Brasil. E por que ela vai ter esse melhor Ideb? Primeiro, porque no período de pandemia eles deram presença a todos os alunos, mesmo a aqueles ausentes. Segundo, porque mesmo os alunos que não obtiveram nota foram aprovados em Matemática e Português, o que é comprovado por depoimentos de professores, mas o Ministério Público também deve fazer a denúncia. Terceiro, quando colocam os colégios cívicos militares, nesses colégios é possível ter um Ideb melhor porque vão colocar mais recursos, e os alunos que não puderem estudar nesses colégios “sairão”. E quais são esses alunos? Não haverá espaço para aluno cadeirante, para aluno surdo, para aluno com Síndrome de Down nem criança cega. Tirando essas crianças, que têm necessidade de um acompanhamento maior, você melhora o Ideb. Tirando o EJA, você exclui outras pessoas que, por suas dificuldades, não tinham alto índice. Tirando todos esses ficam uma vitrine para o Ratinho Jr. dizer que a educação “deu certo”. Na realidade, será um fracasso, mas daqui 10 a 15 anos, com prejuízo a toda a educação no Paraná.

O que mais o senhor gostaria de destacar sobre esse processo?

A submissão da Assembleia Legislativa. A forma como ocorreu a votação foi muito deprimente, porque a convocação extraordinária é prevista no regimento e na Constituição para casos de urgência e emergência. Não há urgência nem emergência em fazer reparos num projeto que já foi votado com erros, a não ser a emergência de fazer a vontade do governador. A submissão do Legislativo faz com que a população desacredite cada vez mais da política e dos políticos. O projeto foi aprovado em três, quatro dias. Chegou na Assembleia na segunda-feira e na quinta estava aprovado.

Mas há outra coisa que quero acrescentar. Apesar de ter sido tudo rápido, houve uma mobilização muito positiva. Porque foi exposta claramente a questão ideológica do governo Ratinho, de militarizar a educação e a sociedade. Foram expostas as forças que de fato controlam o governo, os espaços empresariais e militares que controlam o governo. O estamento que controla o governo mostrou claramente que pretende fazer a militarização da sociedade por meio da educação. Mas além dessa exposição, há o posicionamento contrário muito importante de entidades como a OAB, da igreja, das entidades de classe, na educação e em outras áreas, das entidades estudantis. Estamos só no início de um processo em que o governo ganhou um remendo num projeto ruim, porque não está conseguindo a adesão dos militares para os cargos. Ainda vamos ter na sequência o questionamento no Supremo Tribunal Federal contra esse processo que, a meu ver, é totalmente irregular e inconstitucional.

Para finalizar, no processo de votação do projeto fui acusado por deputados da bancada governista de ter preconceito contra os militares. Nada disso. Qualquer militar que faça um curso de pedagogia ou estude qualquer outra área pode dar aula ou dirigir escolas. O que não dá é uma pessoa sair de um quartel sem ter dado uma única aula na vida, sem nunca ter entrado numa escola, a não ser para fazer repressão, e virar o diretor da repressão. Numa escola você tem dois mil alunos e 30 traficantes na rua. Não consegue prender os traficantes e põe o militar para dirigir dois mil alunos. Não tem lógica.

Edição: Lia Bianchini