Rio Grande do Sul

DESENVOLVIMENTO

Live “Soberania, Emprego e Desenvolvimento” debate o caso Ford

Conversa propôs debater temas como desenvolvimento nacional, emprego e justiça fiscal tendo a Ford como exemplo

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Foram convidados o auditor fiscal Dão Real e os professores Rosa Chieza (UFRGS) e Gilberto Maringoni (UFABC) - Reprodução

Na terça feira (19), a live “Soberania, Emprego e Desenvolvimento” propôs articular os três temas, tendo como foco o recente exemplo do caso Ford. A live foi uma realização conjunta do Democracia e Direitos Fundamentais, Instituto Novos Paradigmas (INP), Instituto Justiça Fiscal (IJF), Democracia e Mundo do Trabalho, e transmitido em parceria com a Rede Soberania e Brasil de Fato RS.

O debate foi mediado pelo sociólogo Jorge Branco, tendo como convidados Dão Real Pereira dos Santos (auditor fiscal da Fazenda Pública e vice-presidente do IJF), Rosa Chieza (professora de Economia na UFRGS) e Gilberto Maringoni (jornalista e professor de Relações Internacionais da UFABC).

Confira a live completa:

Confira um resumo dos principais pontos debatidos:

Segundo Jorge Branco, ao iniciar a conversa, o objetivo da live foi fazer o debate sobre o tema proposta, em torno do fato da saída da Ford do Brasil, mas principalmente colocar em discussão o desenvolvimento nacional e as consequências da política de austeridade nesse país.

A professora Rosa iniciou a conversa. Na sua exposição, trouxe um breve panorama de um processo que ela nomeou “da industrialização até a desindustrialização”. Na sua opinião, o Brasil optou por um processo de industrialização que foi interrompido nos anos 1990. Naquele período, disse, a literatura econômica da época apontava a necessidade de um plano de inovação para dar continuidade ao processo de desenvolvimento econômico, o que não aconteceu. Diversas políticas adotadas nesse período influenciaram o rumo tomado pelo país de perder as suas indústrias. A professora citou duas, o Plano Collor e o Plano Real.

“Muitas vezes eu dou aula para meus alunos sobre a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), que foi criada em 1948. E quando olhamos para o Brasil de hoje, com a nossa pauta de exportações, por exemplo, parece que estamos olhando novamente para aquele Brasil, dos anos 1930 e 1940”, disse a professora, para exemplificar seu ponto de vista sobre o estágio de desenvolvimento atual e ressaltando a importância de revisitar as decisões tomadas pelo Brasil naquele período, quando as políticas privilegiaram um caminho de desenvolvimento industrial.

“Na América Latina como um todo, os processos de industrialização foram muito tardios. Nos Estados Unidos, por exemplo, se optou pelo caminho de desenvolver a agricultura em conjunto com a indústria desde a sua independência. Já no Brasil, estamos em 2021, e continuamente vemos na mídia a propaganda de que o ‘Agro é Pop’. Será que isso é desenvolvimento ou é um atraso? São escolhas políticas que os países tomam”, completou a professora. Em sua fala, ela fez uma retomada desse processo de desenvolvimento industrial que começa fortemente nos anos 1930 e 1940 e que é fortemente interrompido nos anos 1980 e 1990, culminando no cenário de desindustrialização atual.

Após, Dão Real começou sua fala ressaltando que a exposição da professora deixa evidente o processo de desindustrialização do Brasil, lembrando que a Lei Kandir foi início da aceleração do processo. Ao ser provocado pelo mediador, que lembrou o fato das entidades industriais pedirem mais e mais isenções fiscais, Dão afirmou que certos setores industriais sempre irão atribuir a quebra ou saída de uma empresa do país à falta de apoio do Estado, mesmo que elas defendam a diminuição do Estado e a privatização das empresas e serviços públicos.

“O processo de desindustrialização do país começa em torno dos anos 1990, com as políticas neoliberais e com o Consenso de Washington, com políticas e reformas que visavam esvaziar o papel do Estado. O setor produtivo, que já chegou a representar 20% das riquezas do país, hoje representa menos de 12%, sendo que a maior parte dessa queda aconteceu nos últimos 6 anos, de 2014 até aqui”, afirmou. Dão ressalta que este período de maior queda coincide com a implementação das políticas de austeridade, com cortes de gastos públicos, políticas públicas escassas e, principalmente, a reforma trabalhista e previdenciária.

Dão ressalta ainda a incoerência do discurso da austeridade fiscal e das reformas neoliberais. “É interessante perceber que a Ford foi embora do Brasil, montando uma fábrica na Argentina, país que aprovou a taxação das grandes fortunas e proibiu demissões em massa durante a pandemia. Muitos justificam que as empresas saem do país justamente pela falta de políticas de austeridade ou pela existência de um Estado de bem-estar, o caso da Ford nos mostrou justamente o contrário.”

Dão trouxe como referência o economista Celso Furtado, para quem a manutenção do subdesenvolvimento e desigualdades nas periferias do capitalismo não são consequências inesperadas, e sim o objetivo do modelo econômico.

“Eu posso pensar que o subdesenvolvimento e a desindustrialização são objetivos dos setores dominantes do Brasil. Eles se contentam com o acesso ao consumo, com padrão do primeiro mundo, enquanto concentram nas suas mãos a riqueza e a renda do país”, completou a ideia, conectando o tema da injustiça fiscal do país, com a desigualdade social, o subdesenvolvimento e a desindustrialização.

O professor Gilberto Maringoni também foi provocado pelo mediador para iniciar sua fala, ao ser lembrado que a Ford foi embora para um país que aplicou medidas de proteção social, lembrando que o tema da industrialização também tem influências externas.

Para Maringoni, concordando com as duas falas anteriores, a saída da Ford do Brasil é o episódio mais visível, de um processo muito maior que está em curso no país, de recuo da economia brasileira à um patamar de 80 anos atrás.

“Acontece que não é uma regressão pura e simples, pois nós alcançamos determinado degrau no desenvolvimento econômico. Essa regressão se dá a partir desse ponto, tendo condicionantes internas da economia brasileira. No caso específico da Ford, essas condicionantes se combinam com decisões internas dessa empresa que é uma corporação transnacional.”

Para exemplificar seu ponto de vista, Maringoni começou sua fala trazendo uma entrevista dada por um economista, para um jornal de economia das Organizações Globo. “Foi uma entrevista surreal. O economista foi chamado por sua proximidade com Paulo Guedes, apesar de não ser tão tosco quanto o ministro da Economia, ao contrário, ele tem trabalhos relevantes. Mas, a entrevista dele foi surreal, pois ele defendeu que o Brasil não tem características nem competências para ter indústrias de transformação. Segundo este economista, o Brasil tem que se especializar na agricultura.”

Para o professor de Relações Internacionais, o economista citado se utilizou de uma teoria chamada de “vantagens comparativas”, que, em 2019, completou 200 anos. Continuando, o fato deste tipo de ideia estar sendo divulgadas por economistas nos meios de grande audiência do país é o retrato do atraso que se encontram as ideias econômicas do país. Para ele, é uma ideia já ultrapassada, que já foi refutada totalmente por pensadores do século passado, principalmente por economistas latino-americanos da CEPAL, citados pela professora Rosa na sua fala inicial.

Ou seja, segundo o professor, é totalmente possível um país desenvolver sua agricultura, em consonância com a indústria.

“Não existe nenhum tipo de ‘maldição’ que prenda um país a essa ou aquela atividade econômica. Os países podem transformar suas economias, agregando conhecimentos e desenvolvendo tecnologias e inovação para poderem romper as barreiras dessas vantagens comparativas.” Segundo Maringoni, o próprio desenvolvimento de diversos países no século 20 contesta essa teoria. Portanto, a ideia de que o Brasil está preso e fadado a viver da sua agricultura, já foi refutada na teoria e na prática. Inclusive, para o professor, esse tipo de teoria faz com que o público se conforme com saída da Ford do país, acreditando que o Brasil não tem capacidade para se desenvolver.


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Edição: Katia Marko