Rio Grande do Sul

Coluna

Os donos da própria voz

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Leonel Brizola faria 99 anos nesta sexta-feira (22). Com certeza, ele não imaginaria que em tão poucos anos de sua ausência, voltaríamos à condição de colônia subalterna - https://blognaopassarao.blogspot.com/
Como dizia Dom Tomas Balduíno, o acesso a direitos não se pede de joelhos, exige-se de pé

Nesta semana, onde começa a contar o centenário de Leonel Brizola, nosso tema trata de necessidade de estímulo ao protagonismo social em defesa dos direitos humanos e contra todo retrocesso em conquistas já alcançadas, que ele defendia.

Brizola com certeza não imaginaria que em tão poucos anos de sua ausência, voltaríamos à condição de colônia subalterna, com tão abusiva alienação e entrega de patrimônios nacionais que o desemprego e o desespero já alcançam milhões de famílias. Menos ainda, poderia supor que chegaríamos a isto com o apoio de partidos golpistas, entreguistas, que usam sua imagem e que ele, em sua luta nacionalista, ajudou a criar.

Brizola sabia que a apatia da sociedade decorre de fragilização dos cidadãos e suas agremiações. Fazendo-os sentirem-se impotentes, achatando-os em termos de autorespeito, autoestima e dignidade, políticos oportunistas podem se valer disso em benefício próprio.

De outro lado o acesso à educação, à possibilidades de expressão das angústias coletivas e, principalmente, a meios que permitam sua superação, fortalecem os povos, as nações e o internacionalismo. Brizola sabia que Politicas Públicas que expressem conquistas sociais deste tipo exigirão esforços e devem ser defendidas em luta consciente, pois nisso reside o caráter dos povos, das sociedades e dos governos. Como dizia Dom Tomas Balduíno, o acesso a direitos não se pede de joelhos, exige-se de pé.

A compreensão desta realidade também se expressou nos governos Lula e Dilma, quando alcançamos lugar de sexta economia planetária, com pleno emprego e avanços inéditos em campo até então pouco valorizados no Brasil, como o reconhecimento e o respeito a grupos identitários, o apoio e os investimentos na agricultura familiar, na ciência, na cultura e em nosso protagonismo internacional.  

Como disse Darci Frigo, no Programa Arte, Ciência e Ética num Brasil de Fato, a saúde das democracias se revela nas possibilidades de expressão das reivindicações de grupos sociais desfavorecidos, desprezados em seus direitos. Neste sentido, os momentos e espaços onde ecoam as vozes dos povos, suas lutas e manifestações, por terra, comida, moradia, saúde, expressariam avanços da democracia participativa, que precisariam ser reconhecidos e apoiados. Longe de traduzirem balburdias, e ensejar perseguições e criminalizações, tais manifestações indicariam a maturidade da nação brasileira, seriam a voz da consciência nacional, em busca de rearranjos do contrato social, para garantia de avanços no acesso a direitos.

Leonel Brizola sabia disso e se empenhou neste sentido. Seu papel foi essencial na luta pela Legalidade, quando Jânio Quadros renunciou e na lenta redemocratização, pós golpe de 1964. Foi o melhor governador da história do Rio de Janeiro, e apoiou Lula no segundo turno das eleições de 2002, enfrentando Roberto Jefferson (PTB) e Roberto Freire (PPS), que eram seus aliados, mas preferiam Ciro Gomes, na época filiado ao PPS, e que, se concorresse, seria derrotado por José Serra (PSDB).

Brizola também deixou um legado de retidão que orgulhará todos que lerem sobre sua vida. Ele encarnou o espírito de retidão e coragem que faz parte da imagem dos gaúchos de um passado quase esquecido. Ele lutou contra impérios, reuniu milhões e inclusive dobrou, sozinho, a poderosa Rede Globo, voz oficial dos grandes senhores, em favor do capital internacional, e contra os propósitos internacionalistas defendidos nos Fóruns Sociais Mundiais.

Bom, dado o reconhecimento ao aniversário de Leonel Brizola, em respeito aos seus 99 anos e lamentando os caminhos assumidos pelo PDT, estabelecido nexo entre sua voz e a necessidade de articulação e protagonismo em defesa dos direitos comuns, retomamos a exposição adotada na coluna da semana anterior, sobre atividades do 14º Fórum Social Mundial.

Resumidamente, trata-se de convidar interessados no tema a acompanharem atividade que ocorrerá dia 28 de janeiro, às 18 horas, com transmissão ao vivo pelo Facebook da Rede Soberania e do Brasil de Fato RS, bem como do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana – FONSANPOTMA.

Proposta pelo Coletivo a Cidade Que Queremos CCCQ/Porto Alegre e Brasil de Fato/RS, a atividade se intitula "O Negacionismo, suas implicações e alternativas para o enfrentamento". Assume-se que o negacionismo decorre da apatia e da alienação de sociedades desorientadas por meios de comunicação de massa que veiculam mitologias que objetivam contribuir para sua exploração e controle.

O fundamento da atividade em questão está na percepção de uma necessidade comum, que diz respeito ao controle (e qualificação) de nossa própria voz, bem como dos conteúdos em que ela se apoia, quando no trato de temas que nos são fundamentais.

Pretende-se conhecer interpretações de realidades que alimentam a alienação, bem como examinar alternativas adotadas para resistência e seu enfrentamento, em alguns ambientes da América Latina.

Entende-se que a expressão “negacionismo” se aplica porque se tornou fenômeno internacional. Ela tem sido associada ao caso da pandemia, ou sindemia como apontam membros da Rede Irerê e da Naturaleza de Derechos, mas também se ajusta ao que ocorre tanto em âmbitos locais, como na luta contra o lixão de Viamão, contra as mineradoras nas montanhas do Equador, ou mesmo a eventos setoriais, a exemplo de conflitos de interesse em publicações científicas. Aponta-se aqui tanto situações onde  “cientistas de aluguel” publicam trabalhos científicos orientados por interesses das indústrias de fármacos e agrotóxicos, como demonstra o Dr. Santiago Mirande da Universidad da República do Uruguay, e membros do Gwata, ou mesmo globais, a exemplo do extermínio das abelhas (Exposição da Apis Bio) e o avanço do extrativismo e dos monocultivos com tecnologias de alto risco e novas zoonoses, entre outros.

Esta convergência de problemas locais, regionais e internacionais parece exigir superação de personalismos e sectarismos, evidenciando suas raízes comuns. Trata-se de enfrentar e evitar a adoção acrítica de discursos e narrativas veiculados por canais de comunicação de massa, que nos isolam e dividem, e criar/apoiar canais alternativos, que ampliem as possibilidades de conscientização e protagonismo social.

Pois bem, na atividade proposta pelo CCQQ/Poa e BDF/RS, dia 28, das 18 às 21 horas, teremos oportunidade de escutar sugestões de grupos relevantes envolvidos com estes tipos de desafios comuns, levando em conta as particularidades de algumas de suas realidades, no Equador, no Uruguai, Argentina e Brasil. Entende-se que isto evidenciará que seus dramas aparentemente pontuais são em verdade coletivos, que devem se articular para prosperar, dada a desigualdade do embate contra as forças do império e seus agentes locais.

No caso do Brasil teremos a participação da Associação Brasileira de Agroecologia, do Gwata, da Apis Bio, da Rede Irerê, do Fórum Nacional de Segurança Alimentar dos Povos Tradicionais de Matriz Africana - FONSANPOTMA, bem como da coordenadoria do Núcleo de Políticas de Ciência, Tecnologia e Sociedade, da Universidade de Brasília, do Movimento Não ao Lixão de Viamão e da editoria do Jornal Brasil de Fato, que juntamente com o CCQQ PoA, promove a atividade.

Objetiva-se apoiar agendas articuladas de enfrentamento ao problema da alienação e de diferentes formas de negacionismo, pelo controle de nossa própria voz, contribuindo assim, também, para as próximas edições do FSM.

Áudio sobre este tema disponível em http://coletivocatarse.com.br/category/coletivo-catarse/coluna/um-outro-fim-de-mundo-e-possivel/

Como música, para reflexão... a voz do dono e o dono da voz, segundo Chico Buarque de Holanda:

OBS: Amigues leitores. Os links são opções de acesso, para eventuais interessados nas fontes citadas. Recomendo, enfaticamente, tão somente que não deixem de escutar a música. Que ela nos inspire.

Edição: Katia Marko