Rio Grande do Sul

Coluna

Em que se baseia a terapia reichiana? (parte 2)

Imagem de perfil do Colunistaesd
Wilhelm Reich identificou que os segmentos corporais possuem conteúdos emocionais, experienciais, simbólicos, narrativos e de memória associados a eles - Reprodução Wilhelm Reich Museum
O conhecimento das estruturas de caráter e de sua formação ajudam a orientar o trabalho terapêutico

Reich descobriu que a couraça corporal se dispõe em anéis horizontais no corpo, e dividiu o corpo em sete zonas principais que ele chamou de “segmentos corporais”:

“Ao examinar cuidadosamente casos típicos de várias doenças, à procura de uma lei que governe esses bloqueios, descobri que a couraça muscular está disposta em segmentos.

Biologicamente, essa disposição segmentar é uma forma muito mais primitiva de funcionamento dos seres vivos do que aquela encontrada em animais altamente desenvolvidos. Um exemplo claro do funcionamento segmentar são os anelídeos e os sistemas biológicos correspondentes. Nos vertebrados superiores, apenas a estrutura segmentar da espinha dorsal, as terminações nervosas correspondentes aos segmentos da medula espinhal e o arranjo segmentar dos gânglios do sistema nervoso autônomo indicam que os vertebrados descendem de organismos estruturados segmentarmente. (…)

Assim, um segmento de couraça compreende aqueles órgãos e grupos de músculos que tem um contato funcional entre si e que podem induzir-se mutuamente a participar no movimento expressivo emocional. Em termos biofísicos, um segmento termina e outro começa quando um deixa de afetar o outro em suas ações emocionais.” (A Linguagem Expressiva da Vida, Wilhelm Reich).

Estudiosos e terapeutas que foram alunos de Reich continuaram aprofundando suas descobertas concluíram que a maturação bioenergética do organismo humano ocorre na ordem do primeiro ao sétimo segmentos, começando no desenvolvimento intra uterino e culminando com a puberdade.

Em linhas gerais, o primeiro segmento é o ocular, que compreende o tampo da cabeça, os olhos, cérebro, sistema nervoso, pele, testa, nariz e ouvidos. O segundo segmento é a boca, os maxilares, língua, dente, gengiva. O terceiro segmento compreende o pescoço, garganta, faringe, laringe, tireoide. O quarto segmento compreende o tórax e os braços, incluindo pulmões, coração, o timo e as costelas, bem como peitoral, trapézio e escápulas. O quinto segmento é o diafragmático, do qual fazem parte o músculo diafragma, as costelas e os músculos das costas que o circundam. No sexto segmento, abdominal, está contido o músculo abdome e a região lombar, e todo o conteúdo visceral da barriga, com especial atenção para os intestinos e para o umbigo. O sétimo segmento abarca os genitais, glúteos, reto, ânus, pernas e pés.

Cada segmento corporal, como vimos, possui conteúdos emocionais, experienciais, simbólicos, narrativos e de memória associados a eles. Utilizemos como exemplo o segmento oral:

A boca fica hipercarregada energeticamente no primeiro ano de vida – no mínimo – de um indivíduo. A criança está em fase de amamentação, ela sente e percebe, se relaciona com o mundo por meio, principalmente, de sua boca. Das experiências com a boca, principalmente da amamentação, a criança obtém prazer e estabilidade. É importante observar, entretanto, que a amamentação não é um processo que ocorre apenas na boca. Ele envolve todo o corpo do bebê, que é amamentado no colo, recebendo o suporte dos braços de sua mãe, com o peito colado ao seu corpo, com as costas respaldadas, com a base da nuca segura. Ou seja: a relação entre os segmentos é relativamente fluida, e cada fase do desenvolvimento, apesar de ser “governada” por um segmento em especial, envolve os demais de formas que variam quantitativa e qualitativamente entre as pessoas.

A amamentação é uma relação entre o bebê e sua mãe e ela gera uma experiência para aqueles organismos. No caso do bebê em desenvolvimento, a qualidade do suporte, a qualidade do toque da mãe, a forma como ele será olhado por ela e a quantidade de atenção que recebe, por exemplo, determinarão grande parte das sensações do bebê. Com o organismo absolutamente vulnerável que é, sem ter ainda quaisquer recursos para sustentar a si mesmo, o bebê experimenta contatos superficiais e de pouca entrega afetiva e intenção genuína de cuidado por parte de sua mãe como falta de suporte, desamparo, insegurança e hostilidade. Isso gera reações de medo e estresse, e posteriormente, de raiva pela frustração do afeto.

A raiva pode ser sentida mais para frente, quando nascem os dentes, um dos primeiros recursos defensivo e geradores de autonomia que aparecem no corpo humano. Essas experiências corporais primárias, quando perpetuadas no tempo, irão ser as primeiras geradoras de couraças, de memórias celulares e corporais, que serão posteriormente, na medida em que um animal humano se desenvolva, traduzidas em conteúdos, em enredos, preferências e ideologias.

Assim, os bloqueios orais, os bloqueios gerados no período de amamentação, possuem conteúdos relacionados a suporte, a amparo, a estruturação, ao calor, ao preenchimento, ao acolhimento, à satisfação, saciedade.

Dependendo da idade em que houve mais bloqueios, ou do tipo de conflito gerador do bloqueio, seriam formados alguns traços de caráter ou mesmo estruturas de caráter.

O conhecimento acerca das estruturas de caráter e de sua formação ajudam a orientar o trabalho terapêutico. Nos permite identificar atitudes e relacioná-las aos caráteres e portanto a uma fase do desenvolvimento e a algum conflito familiar em especial. Isso nos ajuda a eleger intervenções corporais e a entender e interpretar que problema estamos trabalhando.

Ao mesmo tempo, as estruturas de caráter observadas e descritas pela caracterologia reúnem manifestações específicas de comportamento, energéticas e corporais, sintomas e problemáticas que são típicas de cada estrutura, e que se relacionam a determinados segmentos corporais.

As técnicas terapêuticas que vieram do conhecimento reichiano atuam para mobilizar o organismo, flexibilizando as atitudes de caráter, ampliando a capacidade de contato consigo e com o mundo, aumentando a motilidade do corpo por meio da ampliação da respiração e do potencial de circulação de bioenergia no organismo. Ao mesmo tempo organizam a percepção do paciente sobre seu próprio caráter e funcionamento orgânico, promovendo uma integração de toda a experiência tanto biofísica quanto psíquica na consciência.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira