Rio Grande do Sul

IMPRENSA

“Desafio será defender a legitimidade do pleito de 2022”, diz Patricia Campos Mello

Para a autora de "A Maquina do Ódio", o grupo que está no poder, caso seja derrotado, atacará a lisura das eleições  

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Patricia Campos Mello conversou com jornalistas gaúchos em live da ARI em homenagem às mulheres - Divulgação - ARI

Defender a legitimidade do pleito de 2022 será o grande desafio do jornalismo brasileiro nos próximos tempos. A opinião é da repórter Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo e autora do livro “A Máquina do Ódio: notas de uma repórter sobre fake news e violência digital”. Foi o que observou durante entrevista virtual com jornalistas gaúchos promovida neste sábado (6) pela Associação Riograndense de Imprensa (ARI). Previu que, caso o grupo no poder seja derrotado, atacará a lisura do voto eletrônico há décadas implantado e com resultados seguros no país.

“Se eu perder, deslegitimo a eleição”, resumiu Patrícia, reproduzindo o que acredita ser o raciocínio do bolsonarismo. O roteiro foi dado pelo ex-presidente Donald Trump que, batido eleitoralmente, alegou fraude, contestando e desacreditando a vitória de Joe Biden de todas as maneiras, inclusive incitando seus seguidores a invadirem o edifício do congresso norte-americano para travar a proclamação do adversário. “É preciso mostrar para as pessoas que o nosso sistema eleitoral funciona”, sugeriu.

Disparos de notícias falsas

Ao lado da guerra virtual prevista para o ano que vem, existe o temor de que, com ela, venha algo pior, nutrido pela facilitação do acesso da população às armas de fogo. “É muito assustador”, reconheceu. 

Para muitos observadores, atrás do deliberado afrouxamento do controle de revólveres, pistolas e fuzis, estaria a intenção de Jair Bolsonaro equipar seus seguidores, já bastante presentes nas polícias militares, empresas de segurança privada e clubes de tiro. 

Patrícia apurou e escreveu a grande matéria sobre o uso ilegal do WhatsApp por empresários no submundo da disputa presidencial de 2018 para financiar a campanha eleitoral de Bolsonaro. A reportagem “Fraude com CPF viabilizou disparo de mensagens de WhatsApp na eleição” escancarou o ardil dos disparos em massa de notícias falsas, a maior parte delas promovendo o candidato da ultradireita. 

Seu levantamento abriu o caminho para a CPI das Fake News. A partir daí, a repórter passou a ser perseguida sem trégua pelas milícias digitais do bolsonarismo. Sofreu ataques misóginos inclusive do presidente e de seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, que viralizaram. 

Assédio judicial 

Abordando a situação mais vulnerável das mulheres jornalistas, disse que, embora os jornalistas homens, também sejam atacados de forma baixa, as mulheres são ainda mais agredidas por conta de sua etnia, de sua origem, de características físicas. “E é pior ainda com as mulheres negras”, reparou. 

Atentou que, atualmente, outro serviço de envio de mensagens tornou-se a opção dos grupos que semeiam desinformação. É o Telegram, que classificou como um meio “brutal” de disseminação de fake news.

Ao lado da violência virtual ou mesmo presencial, Patrícia mencionou uma nova frente de ataques aos jornalistas e ao jornalismo no Brasil. “É o assédio judicial”, algo que surgiu com força em países como Polônia, Hungria e Turquia, os três sob o comando de forças conservadoras e autoritárias.  

“Não conseguimos furar a bolha”

Sobre a epidemia de desinformação durante a pandemia, a autora de “A Máquina do Ódio” acentuou que o Brasil é o único país do mundo ainda com grande circulação de notícias falsas sobre as propriedades curativas da cloroquina e da ivermectina. As duas drogas, desacreditadas pela comunidade médica mundial, foram intensamente promovidas pelo bolsonarismo nas redes sociais e pelo próprio governo federal.   

“Não conseguimos furar essa bolha”, admitiu. O jornalismo, que apura e confere a informação, não consegue penetrar naquilo que chamou de “realidade paralela” vivida por 30% da população. “A internet teve um início muito positivo, mas depois as redes foram instrumentalizadas com desinformação”, resumiu. “Os maiores desinformadores são figuras públicas com milhões de seguidores”, notou, o que agrava o problema.

Edição: Ayrton Centeno