Rio Grande do Sul

LINHA DE FRENTE

“Estar em um ambiente covid é como estar dentro de uma bomba relógio”

Há oito anos trabalhando no setor de higienização do HCPA, Cinara aponta que cada vez mais jovens chegam ao hospital 

Brasil de Fato | Porto Alegre |
“Dentro do hospital, eu vejo muito sofrimento, tanto dos pacientes e familiares, quanto dos funcionários que se encontram extremamente exaustos e com um enorme sentimento de insuficiência" - Arquivo Pessoal

Juntamente com médicos, médicas, enfermeiros, enfermeiras e técnicos, profissionais da higienização do sistema de saúde estão na linha de frente de combate à covid-19. Eles são responsáveis por dar cabo a um inimigo invisível que já vitimou, somente em solo gaúcho, mais de 15 mil pessoas e infectou mais de 744 mil. Em um ambiente que vivencia o seu pior momento, com registros diários de superlotação, esses trabalhadores sentem os impactos desse cenário em sua rotina diária. 

Casada, mãe de três filhas, Cinara de Oliveira Mariano é uma dessas profissionais. Há oito anos ela trabalha no setor de higienização do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Funcionária concursada, há um ano está trabalhando na CTI e emergência covid. Ela conta que antes da pandemia as atividades na rotina de trabalho eram melhor distribuídas, sendo, no início, de um a dois funcionários por setor. Atualmente, o número de funcionários diminui significativamente por conta dos afastamentos relacionados à contaminação pela covid-19, acarretando sobrecarga à demanda de trabalho.

Cinara acredita que 60% dos funcionários tiveram afastamento por conta da pandemia, com alguns até mesmo vindo a falecer. “De todo o tempo em que trabalho no HCPA, este está sendo o pior momento. Pois ter que lidar diariamente com a perda de muitos pacientes e colegas é extremamente triste e desgastante emocionalmente. Porque vemos de perto todo o sofrimento dos pacientes e seus familiares, que assim como nós, profissionais, se sentem impotentes, por não poder fazer nada. Nem ao menos uma visita para confortar seus entes queridos”, relata.
 
A profissional afirma amar trabalhar na área da saúde, mas que existem dias em que pensa em desistir: “O que ainda me dá forças para continuar é saber que com o meu trabalho posso contribuir de alguma forma para a saúde das pessoas que se encontram nesta triste realidade”.

Mudanças na rotina 

Entre as mudanças que a pandemia trouxe, uma foi a mudança de horário no trabalho. Antes da pandemia Cinara fazia o horário diurno, e devido a pandemia está trabalhando no turno da noite, em escala 12x36, inclusive fazendo alguns plantões extras para suprir a alta demanda. Tal mudança, conta, interferiu em sua rotina pessoal, uma vez que, por exemplo, fica menos tempo com a família. “Me sinto cada vez mais exausta, por não dormir o suficiente”, diz.

Mãe de três filhas, de 23, 20 e de 8 anos, Cinara pontua que a sua vida ficou mais “corrida”. “O tempo que estou em casa preciso me dividir entre organizar a casa, dar atenção pra pequena, ajudar ela nos deveres, tirar um tempinho pro marido e para as outras duas filhas, e tentar dormir o que conseguir. É assim minha rotina, tento fazer o máximo para aproveitar com minha família o pouco tempo que tenho livre. Às vezes tenho um sentimento de culpa por talvez não estar dando atenção suficiente pra eles, por estar sempre cansada. É então que bate uma ansiedade, uma angustia, que as vezes quase não consigo controlar, os sentimentos se misturam e acabo desabando, sozinha é claro, porque sei que preciso ser forte por eles também”, desabafa. 

Ainda sobre a rotina, ela explica que fazer a desinfecção em um ambiente covid requer muito mais cuidados. A começar pela paramentação com os EPI’s adequados: avental descartável, máscara N95, protetor facial face shield, toucas descartáveis e dois pares de luvas de procedimento.  

Para fazer a limpeza, é usado o produto quaternário de amônia em todas as superfícies, inclusive nas camas. E depois de todo o processo feito, o supervisor testa com o swab (cotonete) e, dependendo da porcentagem que der, o processo tem que ser refeito em todas as superfícies novamente. Segundo a profissional, todo o processo acaba sendo mais tenso que o comum, justamente por ser um vírus que não se pode enxergar.

“Estar em um ambiente covid é como estar dentro de uma bomba relógio, pois nunca sabemos quando pode piorar. São ambulâncias chegando a todo momento, pessoas em busca de socorro e confesso que o medo é constante. Porque a todo momento corro o risco de contrair a doença e acabar acontecendo o meu maior medo: contaminar a minha família. Pois tenho uma mãe idosa e minhas filhas e meu marido estão no grupo de risco por possuírem problemas respiratórios”, conta.

A importância de um trabalho invisível 

Assim como os demais profissionais na linha de frente, o trabalho de higienização é fundamental, ainda mais em um contexto de pandemia, de um vírus que apesar de uma letalidade de 2%, não deixa de ser mortal. E Cinara reconhece a importância do que faz.

“Sem ele, seria impossível estes profissionais (médicos, enfermeiros, técnicos) realizarem o seu trabalho, sem que os leitos e outros ambientes estivessem devidamente higienizados. Por isso, vejo que somos parte de uma grande equipe, onde cada um depende do serviço do outro para assim zelarmos pela saúde do paciente (cliente), que é sempre a prioridade de todos os serviços envolvido”, afirma.

Ela destaca que, infelizmente, nem todos enxergam desta maneira. Muitos inferiorizam "a nossa profissão, nos enxergando apenas como 'faxineIros', quando, na verdade, somos profissionais de higienização. Serviço este, essencial", complementa. 

Um ano tenso e exaustivo 

Para Cinara, 2020 foi um ano extremamente tenso e exaustivo, ao mesmo tempo com muitas expectativas e incertezas. Com a chegada de vacina, ela diz que havia uma crença de que tudo ia melhorar. Contudo, como ela mesmo expressa, todos foram “nocauteados” com uma grande piora e descontrole de toda a situação. Daí o esgotamento, tanto físico como emocional.

“Por mais fé que eu tenha em uma melhora do quadro, os índices me dizem o contrário, tornando a doença ainda mais próxima das pessoas que amo. Logo, é impossível conter as lágrimas, ao lembrar de todo o sofrimento que vivencio no dia a dia. É um sentimento de impotência misturado com indignação, por toda a negligência da parte das nossas autoridades e das pessoas que não se conscientizam da real proporção e perigo que a doença significa para a humanidade”, afirma. 

Ela sentiu na pele esta realidade quando sua filha e nora contraíram a covid-19. “Sem poder estar junto com elas, a angústia era constante, por não saber o que iria acontecer”, expõe. 

Por favor, fique em casa

“Dentro do hospital, eu vejo muito sofrimento, tanto dos pacientes e familiares, quanto dos funcionários que se encontram extremamente exaustos e com um enorme sentimento de insuficiência, por não conseguirem dar conta da alta demanda de pacientes que chegam a todo momento em estado muito grave, tendo, muitas vezes, que fazer escolhas muito difíceis entre a vida de um paciente e outro”, relata. 

Cinara diz que cada vez mais jovens chegam ao hospital. “É visível que esta piora se dá por conta da irresponsabilidade e falta de consciência de tamanha gravidade, pelas pessoas que fazem aglomerações e não tomam os devidos cuidados, como por exemplo fazer o uso devido e correto da máscara, lavar as mãos com frequência e todos os outros cuidados necessários para o controle deste vírus. Por isso, eu e todos os outros profissionais da saúde clamamos para que todos respeitem o distanciamento, usem máscara e, principalmente, não aglomerem. Pois, a sua apatia e irresponsabilidade custam milhares de vidas”, finaliza.


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Edição: Marcelo Ferreira