O cercamento do Parque Farroupilha, conhecido como Redenção, é uma ideia que de tempos em tempos volta a ser objeto de discussão em Porto Alegre. Com a cidade passando pelo seu pior momento em relação à pandemia do novo coronavírus, a Câmara de Vereadores volta a debater a proposta. Isso porque, na semana passada, o vereador Felipe Camozzato (Novo) requereu o desarquivamento do PLC 008/19, que prevê a retirada de obrigatoriedade de plebiscito para o cercamento de parques e praças da Capital.
De forma crítica, um coletivo de mais de 90 entidades, articulações, redes e movimentos sociais divulgou uma carta aberta endereçada aos vereadores porto-alegrenses, neste final de semana, contra o projeto. O grupo destaca o que vem por trás do projeto, que é facilitar a privatização dos parques da cidade.
“Estamos em meio a uma pandemia e a crise sanitária já matou quase 300.000 brasileiros/as. Aqui no RS, em uma semana, morreram mais de 2000 pessoas. Qual a urgência de debater esse tema num período como esse?? O cheiro de “boiada urbanística”, aproveitando a pandemia, é fortíssimo. É uma espécie de oportunismo da desgraça”, diz trecho da carta.
O coletivo se posiciona pela defesa “do espaço público aberto, acessível, seguro e com qualidade ambiental” e destaca que a “proposta de cercamento é rechaçada pela maior parte das entidades que trabalham com os temas urbanos em Porto Alegre”. Afirma ser uma falácia a ideia de que o cercamento de parques torna esses espaços mais seguros e que "apenas elitiza o uso do parque, afasta a cidadania, promove uma política higienista de controle dos corpos que por ali circulam".
Faz duras críticas à tentativa de passar por cima do direito de participação da população. “Beira ao golpe, contra a sociedade civil organizada, querer retirar o direito da população debater e votar sobre esse tema em um plebiscito, justo em um momento que recomenda o isolamento social. A crise sanitária impede essas entidades de ocuparem o espaço do parque para se posicionarem publicamente contra essa sandice ou ainda para sensibilizar a população para a gravidade de uma medida como essa.”
Destaca ainda que o Parque da Redenção “é patrimônio histórico, cultural, natural e paisagístico de Porto Alegre e tal proposta coloca em risco a possibilidade de a população se manifestar visando proteger essa ambiência que envolve a feira de alimentos orgânicos, o brique da Redenção, os artistas de rua e outras atividades”.
Confira a carta na íntegra:
Cercamento da Redenção? Hein? Carta aberta aos vereadores e vereadoras de Porto Alegre
Eis que, com o país beirando 300.000 mortos, a Câmara de Vereadores de Porto Alegre volta a debater o cercamento da Redenção.
Senhores e senhoras vereadores/as: por favor, honrem os votos que receberam e o subsídio que recebem mensalmente. Estamos em meio a uma pandemia e a crise sanitária já matou quase 300.000 brasileiros/as. Aqui no RS, em uma semana, morreram mais de 2000 pessoas. Qual a urgência de debater esse tema num período como esse?? O cheiro de “boiada urbanística”, aproveitando a pandemia, é fortíssimo. É uma espécie de oportunismo da desgraça. Enquanto os porto-alegrenses choram seus mortos, a Câmara se dedica a desarquivar um projeto altamente polêmico, que não tem consenso algum na cidade, e, na surdina, às pressas, quer pautar e resolver a questão sem debate público.
A defesa do espaço público aberto, acessível, seguro e com qualidade ambiental é um componente do direito à cidade do qual não abrimos mão. O uso tradicional do parque como local de encontro, de festa, de parada livre, de manifestação política, de recreação e livre manifestação é inconteste e assim a população quer mantê-lo. A proposta de cercamento é rechaçada pela maior parte das entidades que trabalham com os temas urbanos em Porto Alegre.
Também a participação da população nessa tomada de decisão integra o direito à gestão democrática, um componente central do direito à cidade. Beira ao golpe, contra a sociedade civil organizada, querer retirar o direito da população debater e votar sobre esse tema em um plebiscito, justo em um momento que recomenda o isolamento social. A crise sanitária impede essas entidades de ocuparem o espaço do parque para se posicionarem publicamente contra essa sandice ou ainda para sensibilizar a população para a gravidade de uma medida como essa. O Parque da Redenção é patrimônio histórico, cultural, natural e paisagístico de Porto Alegre e tal proposta coloca em risco a possibilidade de a população se manifestar visando proteger essa ambiência que envolve a feira de alimentos orgânicos, o brique da Redenção, os artistas de rua e outras atividades.
A ideia de que o cercamento dos parques torna esses espaços mais seguros é uma falácia que não se sustenta. O cercamento apenas elitiza o uso do parque, afasta a cidadania, promove uma política higienista de controle dos corpos que por ali circulam. Para evitar cenas de violência, como assaltos, lesões corporais e estupros, quanto mais permeável e acessível for o parque, melhor. É impressionante que tenhamos que voltar a debater o bê-a-bá do urbanismo para lembrar que é a presença de pessoas, a diversidade de usos e a circulação que garantem a vitalidade e a segurança das ambiências urbanas.
Há uma aberração jurídica, também, na questão objetiva, no mérito desse debate. O cercamento de um parque repugna à natureza jurídica de um bem público como esse, que é, por definição, DE USO COMUM DO POVO. Os bens públicos dessa categoria, como o nome sugere, são de titularidade difusa, de acesso universal, uso comum gratuito e independente de autorização.
A coleção de argumentos para barrar essa iniciativa é grande e esperamos que a Câmara de Vereadores/as de Porto Alegre tenha a sensibilidade de respeitar a cidadania e não aproveitar o caos sanitário em que nos encontramos para votar em Plenário a retirada do direito da população de Porto Alegre de se manifestar em relação a um dos parques mais queridos da cidade pela via do plebiscito. Esperamos mais: que, consultada, a população de Porto Alegre diga não a essa proposta sorrateira, inoportuna e inadequada para aquela ambiência urbana.
Firmam este documento as seguintes articulações, redes, entidades e movimentos sociais:
1. ATUAPOA todxs nós pelo direito à cidade
2. Coletivo Cidade Que Queremos
3. Conselho de Usuários do Parque Farroupilha
4. UAMPA – União das associações de moradores de Porto Alegre
5. Ong Resistência Participativa/Despertar Coletivo
6. IBDU – Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico
7. Nuances – grupo pela livre expressão sexual
8. Fórum de Gestão Planejamento da RP1
9. Movimento Nacional de Luta pela Moradia
10. Cooperativa de Trabalho e Habitação 20 de Novembro
11. Movimento dos Atingidos por Barragens
12. ACESSO – cidadania e direitos humanos
13. Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares
14. Frente Quilombola do RS
15. Socecon RS
16. Sindecon RS
17. Movimento Nacional de População em Situação de Rua /RS
18. Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro/Rio Grande do Sul
19. Guayí ‐ Democracia, participação e solidariedade
20. Central de Movimentos Populares – CMP
21. Movimento Chega de Demolir Porto Alegre
22. Centro Comunitário de Desenvolvimento da Tristeza, Pedra Redonda, Vilas Conceição e Assunção (CCD)
23. CDES – Direitos Humanos
24. CONAM
25. SAERGS – Sindicato dos arquitetos no estado do RS
26. Instituto trocando ideia de tecnologia social integrada
27. Observatório das Metrópoles
28. Biblioteca Comunitária Visão Periférica
29. Coletivo ProsperArte
30. Marcha Mundial das Mulheres / RS
31. Br Cidades – Núcleo Porto Alegre
32. GEACB – Grupo de estudos americanista Cipriano barata
33. CRMP – Conselho Regional pela Moradia Popular
34. UNICAB – União Nacional dos Camelôs Ambulantes e Feirantes do Brasil
35. ASFERAP – Associação Feira Rua da Praia
36. Escola de Capoeira Angola Raízes do Sul
37. Coletivo Mães da Periferia
38. FEGAMEC – Federação Gaúcha Uniões Assoc. de Moradores e Entidades Comunitárias
39. LAPPUS – Laboratório de Políticas Públicas e Sociais
40. Grupo ie da volta ao mundo Capoeira Angola
41. Instituto InGá
42. AVESOL – Associação do Voluntariado e da Solidariedade
43. ASSUFRGS – Sindicato dos técnico-administrativos em educação da UFRGS, UFCSPA e IFRS
44. Coletivo de Capoeira Angola Gira Ginga
45. Resistência Popular Comunitária
46. MNCR – Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis
47. Movimento Nacional da População de Rua do RS
48. Amigos da Terra Brasil
49. MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
50. Coletivo Catarse
51. UGEIRM Sindicato – Sindicato dos Escrivães, Inspetores e Investigadores da Polícia Civil do Rio Grande do Sul
52. Sindicato dos bancários de Porto Alegre e Região
53. Associação de Mães e Pais pela Democracia
54. Rede Emancipa movimento social de educação popular
55. Preserva Zona Sul
56. Agapan – Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural
57. Instituto econsciência
58. MPA – Movimento dos pequenos agricultores
59. Levante Popular da Juventude
60. Mulheres em Ação
61. Reciclagem Ksarosa
62. Gente de Palavra – Coletivo de Poetas
63. AMOVIPA – Associação dos Moradores da Vila Protásio Alves
64. Coletivo Cidade Mais Humana
65. Preserva Belém Novo
66. Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento RS (IAB RS)
67. Grupo de Capoeira Angola Sabedoria Popular
68. Camp – Escola de Cidadania
69. IDhES – Instituto de Direitos Humanos, Econômicos e Sociais
70. Nucleo Trabalhismo21 – Porto Alegre
71. Coletivo TransLAB.URB
72. MOMUV Movimento Mulheres Unidas pela Vida
73. Coletivo Planta Sonhos
74. Associação Software Livre
75. Sítio Verde Viver
76. MJDH – Movimento de Justiça e Direitos Humanos
77. Movimento Coletivo
78. AMA – Associação Amigos do Meio Ambiente
79. CIMI – Conselho Indigenista Missionário
80. Vive Praça Mafalda
81. Colegiado Setorial de Memória e Patrimônio/RS
82. Grupo De Pernas Pro Ar
83. Clã de Gaia
84. Associação dos Amigos do Cais do Porto – AMACAIS
85. Oigalê Cooperativas de Artistas Teatrais
86. Fórum de Ação Permanente pela Cultura
87. Comitê em defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito
88. Akanni – Instituto de Pesquisa e assessoramento
89. Petrópolis VIVE
90. MLB -Movimento de luta nos bairros, vilas e favelas
91. Banana Verde
92. Conselho Escolar do Instituto de Educação Gen. Flores da Cunha
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Edição: Marcelo Ferreira