Pernambuco

ENTREVISTA

Economista explica como programa de Renda Básica Permanente seria viável no Recife

Segundo Pedro Lapa, a Prefeitura do Recife gasta quase 10x mais em propaganda do que se propõe em novo programa

Brasil de Fato | Recife (PE) |

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Programa de auxílio emergencial do Recife pretende alcançar 30 mil pessoas - Divulgação/PCR

Na última semana, o prefeito do Recife, João Campos (PSB) anunciou a criação de um programa de auxílio emergencial municipal, batizado de Auxílio Municipal Emergencial do Recife (AME Recife). O programa deve atender 29.627 famílias (cerca de 105 mil pessoas) com pagamentos de duas parcelas de R$50 ou R$150 nos meses de abril e maio, totalizando R$6,4 milhões utilizados através dos cofres municipais. Porém, os valores da proposta têm gerado descontentamento entre os recifenses. Para discutir essa e outras questões, o Brasil de Fato Pernambuco entrevistou o economista e cientista político Pedro Lapa, sobre a Campanha Renda Básica Recife e qual a viabilidade do projeto.

Confira os principais trechos:

Brasil de Fato Pernambuco: Pedro, se de 2020 para 2021 o desemprego e a pobreza aumentaram, porque o auxílio emergencial pago pelo Governo Federal diminuiu?

Pedro Lapa: No primeiro trimestre de 2020, o Brasil tinha 13 milhões de desempregados e 15 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, ou seja, com fome. Uma situação que já recomendava uma intervenção, um auxílio emergencial e uma renda básica permanente. Com a pandemia, essa situação piorou. Mas devemos considerar os dois elementos: a política econômica do governo e a política sanitária do governo. As duas juntas criaram no Brasil o que a gente pode chamar de uma crise humanitária. Apesar disso, o que nós observamos é a resistência tanto para cuidar dos efeitos da crise econômica, como para dos efeitos da crise sanitária. 

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BdF PE: Pedro, esse parece ser um tema em que o governo entra em uma espécie de contradição. Desde o início do mandato do presidente Jair Bolsonaro, ele tem adotado uma postura no sentido de sinalizar que o Estado brasileiro não é responsável pelos seus cidadãos. Um auxílio emergencial, ou uma possível renda básica permanente, é uma forma de o poder público assumir publicamente que é papel dele cuidar da população, algo que vai na contramão do que tem sido o governo Bolsonaro, mas não só o dele, o governo Temer também cortou muitas Bolsas Família. É mais ou menos isso? Ou essa é uma impressão equivocada? 

Lapa: Está completamente correto. Existe uma matriz de pensamento, que chamo de conservadora liberal, que recomenda uma série de iniciativas que, se adotadas, provoca dois resultados: desmonta o Estado e leva uma parcela muito grande da população a precisar de proteção social. Então, a origem do problema é da orientação política, de uma teoria econômica que coloca que o Estado deve ser pequeno e que o Estado não deve assegurar a proteção social. Essa é uma razão. A outra razão é esse governo, que se inspira nessa orientação. Em resumo, cabe ao Estado garantir a proteção social, mas o estado é desmontado. Cabe aos trabalhadores receber a proteção social, mas eles são abandonados. Essa é a realidade desse ciclo político que começa em 2016 com o golpe e se aprofunda com a eleição de 2018, e que a gente espera que seja interrompido o mais breve possível.


Pedro Lapa (à direita) é Doutor em Ciência Política, Mestre em Economia e foi professor de Economia do Nordeste na UFPE / Reprodução

BdF PE: Alguns políticos defendem que, ao se pagar um benefício à população, o governo deixaria de ter a obrigação de garantir saúde pública e educação pública, por exemplo. Na sua avaliação, isso daria liberdade para o cidadão decidir o que fazer com esse dinheiro público? Com esse dinheiro daria para o cidadão ter acesso a saúde, educação e outros direitos?

Lapa: De 2020 em diante, cerca de 70 milhões de pessoas precisavam do auxílio emergencial, dada essa situação que descrevi anteriormente. Qual foi a primeira reação do governo? Não conceder o auxílio; pressionado, ele concedeu. Em um primeiro momento, o benefício era R$ 600,00, no segundo momento, caiu para R$ 300,00. E agora para 2021, na média, vai cair para R$ 200,00. Ou seja, a posição programática do governo é contra o auxílio. Ele só concede quando a pressão é muito grande. Ou ele nega, ou ele faz, mas sempre que possível vai diminuindo até eliminar. Em 2020, o auxílio emergencial foi muito significativo no valor, o Governo Federal alocou R$ 300 bilhões para isso. Para 2021, ele está alocando apenas 40 bilhões. Então, há um recuo, põe um alerta para os trabalhadores. A constituição assegura o direito à proteção social. Então, o auxílio emergencial não substitui esses direitos. É preferível assegurar a Constituição, do que acompanhar e aceitar essa posição do governo.

BdF PE: Aqui no Recife foi aprovado pela Câmara dos Vereadores o programa Auxílio Municipal Emergencial (AME Recife). Como você avalia o impacto real de um programa desses, tanto na vida dessas famílias, como na economia do município?

Pedro Lapa: É bom a gente chamar atenção para o fato de que não é possível comparar o auxílio emergencial concedido pelo Governo Federal com esse auxílio emergencial concedido pela Prefeitura do Recife. Eu chamaria atenção de que o gesto da prefeitura é um gesto louvável, e que o programa tem uma importância, porque pretende alcançar 30 mil pessoas, mas os aspectos positivos, ao meu ver, param aí. O valor do benefício não é expressivo, isso significa que o programa tem muito mais um significado simbólico do que um significado concreto. É preciso que a dedicação ao tema se resista a uma atitude mais robusta, tanto em termos do valor, como em termos do período, e eu defendo que um programa de transferência de renda seja permanente. 

BdF PE: Que impactos um programa de Renda Básica Permanente traria?

Lapa: O Brasil tem a experiência de ter adotado um programa de transferência de renda permanente, que é o Bolsa Família. E esse programa nos ensina que quando o governo faz um investimento na proteção social, esse investimento repercute na estrutura produtiva. O benefício continuado, desde que ele seja relevante, leva o beneficiário a organizar a sua vida, a vida organizada leva a um padrão de gasto, e um padrão de gasto leva à organização da produção. Há uma linha de causa e efeito que começa com a proteção social, mas é também um favorecimento à estrutura produtiva, que se fortalece. Isso é gasto público com qualidade. 

Essa análise que acabei de fazer pode ser perfeitamente entendida e explicada por um economista que é referência até hoje, Keynes. Ele fala que o gasto público através de um mecanismo que se chama multiplicador da renda é orientador do crescimento econômico e da estabilidade da economia. Esses são escritos que foram formulados na década de 1930 para que o mundo saísse da crise de 1929. E essa orientação foi adotada de maneira dominante até a década de 1970, quando passou a ser dominante essa outra, que é a orientação conservadora liberal. Então, o que temos é um conflito de orientações teóricas, que se manifesta, na prática, quando nós elegemos um governante comprometido com uma ou com outra orientação. Precisamos ter a clareza de escolher quem defende os interesses da classe trabalhadora. 

BdF PE: Fazendo um cálculo, se 30 mil famílias daqui do Recife recebessem parcelas de R$ 300,00 por mês, ao longo de um ano isso custaria algo entre 100 e 120 milhões para os cofres da prefeitura. Você considera isso viável? 

Lapa: Considero. O que é que um economista conservador liberal diria para uma pergunta como essa? “A prefeitura não pode promover um programa desse, porque só recebe 6% da arrecadação de tributos do país”. Essa é uma informação verdadeira, mas as receitas da prefeitura incluem também transferências dos estados para os municípios e do Governo Federal para os municípios, então as fontes de recursos da prefeituras são significativas. Além disso, podemos pensar que as prefeituras apoiem uma reforma tributária que inclua, por exemplo, a taxação dos super ricos. Existem propostas formalizadas no sentido de promover essa taxação. Se este projeto caminhar, as prefeituras receberiam um adicional de 60 milhões anuais. Já existe dinheiro, e essa disponibilidade de recurso pode aumentar. 

Além disso, precisamos olhar para a estrutura de gastos da prefeitura e identificar as suas prioridades. Por exemplo, a Prefeitura do Recife gasta R$ 50 milhões com propaganda, e toma a iniciativa de um programa de auxílio emergencial que totaliza R$ 6 milhões. Ou seja, gasta com propaganda quase 10x mais do que está se propondo a gastar com a proteção social. Então, qual é a proposta bem objetiva? Menos propaganda e mais auxílio emergencial. E por essa via, outros itens de despesas podem ser reduzidos para assegurar esse milhões que você sugeriu. Esses cem milhões existem, agora é preciso vontade política, é preciso compromisso com os interesses dos trabalhadores para poder reservar 100 milhões para proteção social. 

 

Edição: Vanessa Gonzaga