Rio Grande do Sul

ARTE E CULTURA

Músico nativista gaúcho viraliza com videoclipe contra postura de Bolsonaro

Single “A Miséria Adquirida (Até Quando)” de Leonardo Sarturi critica o negacionismo e o boicote a vacinas

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"É uma chacina, não se ouve a medicina, só se aumenta a gasolina e compra mansão na surdina", diz trecho da música - Reprodução / trecho do videoclipe

Nos momentos mais difíceis das últimas décadas no Brasil e na América Latina, muitos foram os artistas que não se calaram frente às injustiças. Não seria diferente no atual momento brasileiro, em que a crise política coloca o país em um retrocesso de conquistas sociais, agravada pela crise sanitária e o descontrole no combate à pandemia no novo coronavírus – muito em função também dos rumos políticos.

Cantor e compositor nativista, Leonardo Sarturi é um dos músicos que têm usado sua arte para promover a reflexão junto a seu público sobre a grave situação do país, que a cada dia tem mais e mais mortes por covid-19, mas segue sem ações efetivas para controlar a pandemia. Há uma semana, no dia 25 de março, ele lançou um videoeclipe de seu novo single, “A Miséria Adquirida (Até Quando)”, com duras críticas às autoridades nacionais que pregam o negacionismo e boicotam as vacinas.

O videoclipe estreou seu canal no Youtube e rapidamente viralizou. Em menos de uma semana, já contava com mais de 13 mil visualizações. “Até Quando? [Que você vai passar pano] Até Quando? [Defendendo Miliciano] Até Quando?”, diz o refrão da música, que de uma forma direta fala sobre fascismo, genocídio, rachadinha e crava: “Afinal ninguém duvida que é um plano: A Miséria Adquirida”.

“O plano é o que sempre foi em todos os governos não alinhados com o povo: manter o pobre correndo atrás da máquina, com preços altos e salários baixos, sem tempo de protestar, sem tempo de estudar, de parar pra pensar no porquê daquela situação”, comenta Leonardo a respeito da letra da música. “A pessoa com fome não para pra protestar sobre a compra de uma mansão de R$ 6 milhões por um político que está sendo investigado por peculato. Essa é a Miséria Adquirida”, afirma.

Ao avaliar que os brasileiros adquiriram esta miséria a comparando com votos errados em 2018, questiona referindo-se à composição: “Até Quando? Até quando o cidadão brasileiro vai seguir rumo ao matadouro aplaudindo o executor?”.

Natural de Santiago, Leonardo é filho de Nenito Sarturi, um dos mais premiados cantores e compositores gaúchos. Com três CDs lançados, Leonardo iniciou sua trajetória na música como letrista, em 1999, aos 14 anos de idade. Como bem lembra, seus versos pela metade, corrigidos e completados pelo seu pai, foram musicados por Zulmar Benitez e foram ao palco do Festival Gruta em Canto, em Nova Esperança do Sul (RS).

Nos palcos, estreou como violonista em Rosário do Sul, em 2001, durante a 19ª Gauderiada da Canção Gaúcha, com a música “Quanto Tempo Viverás?”, já como compositor da melodia. “Fui começar a cantar com o primeiro CD, em 2008. Depois vieram outros dois álbuns, sendo o mais recente ‘Em Família’, que gravei com meu pai, além do single”, recorda.

O meio musical tradicionalista, que muita vezes é associado ao conservadorismo, não lhe impõe receio em lançar uma música que traz a estética nativista com uma expressão moderna e de tom político. “Me sinto com a tranquilidade de quem fala a verdade. Eu sigo falando o que penso como sempre fiz, principalmente agora que o tal de Felipe Neto vai ajeitar defesa jurídica caso precise (risos)”, afirma.

Para ele, inclusive, “é um equívoco pensar que o nativismo pende para o conservadorismo”. Ele comenta que muita gente o vem parabenizando pela música, desde o técnico de som e o diretor de palco, até colegas músicos. “Acontece que grande parte tem medo de represália por parte de contratantes, patrocinadores, grandes gravadoras, e acabam não se manifestando”, explica.

O artista e os símbolos

Leonardo Sarturi entende que “a via artística tem o dever de, no mínimo, viabilizar o debate. Dar voz a quem não tem. Esta é a missão do artista, enquanto pessoa pública”. Como exemplo, cita artistas de diversas épocas e estilos musicais: “de Chico Buarque a Cenair Maicá, de Atahualpa Yupanqui a Legião Urbana”. Porém lamenta que “muitos que cantam esses sons maravilhosos de resistência ainda não entenderam o que as letras dizem”.

Com críticas diretas ao governo Bolsonaro, repleto de ironias e de cenas reais mostrando a miséria do povo brasileiro, o videoclipe traz Leonardo ora com nariz da palhaço e ora vestindo a camiseta da seleção brasileira. Segundo ele, a escolha da camiseta pretende passar duas mensagens. “A primeira é que os símbolos nacionais, seja um time de futebol, seja a bandeira do Brasil, não são monopólio de alguns.”

Ele destaca que, ultimamente, alguns símbolos têm sido utilizados como propriedade de poucos. “Mas eu também quero ostentar com orgulho a camisa e a bandeira do meu país. O próprio termo ‘patriotismo’ tem sido utilizado por pessoas que sequer têm noção do que é a soberania nacional, vendilhões que apoiam o desmonte do Brasil em prol de rentistas”, critica.

“Não há problema em mudar de opinião”

Ao mesmo tempo, afirma se colocar no lugar de diversos amigos, “pessoas boas que foram vítimas de um estelionato eleitoral”, e que não são poucos. “Para esses quero dizer que não há problema em mudar de opinião. Quero dizer que não se pode ignorar o abominável para sempre apenas para não admitir que foram enganados por esse charlatão que está no poder.”

Ele convida quem ainda apoia as ações do governo Bolsonaro a fazer a si mesmo algumas perguntas. “O mundo inteiro está errado, todas as mídias não financiadas pelo governo miliciano estão mentindo? Será que defenderiam as atitudes desse senhor caso fosse qualquer outra pessoa?”

Participação do Coletivo Sobre Elas

Além de Leonardo, o videoclipe tem a participação de algumas mulheres, que fazem parte do Coletivo Sobre Elas. “Eu queria a força da representação feminina, bem como a imagem caricata do uso errado das máscaras por outras pessoas além de mim”, explica, destacando que elas fizeram um excelente trabalho.

A escolha do Coletivo Sobre Elas destaca ainda mais as posições adotadas pelo músico, já que é um coletivo feminista da cidade de Santiago que se originou do movimento #EleNão em 2018 e atua sob a forma de sociedade civil organizada sem fins lucrativos. Segundo Leonardo, o coletivo “trabalha com a perspectiva de colaborar para promoção dos direitos das mulheres e para o fortalecimento de sua autonomia, visando a construção de uma sociedade justa e igualitária e o fortalecimento da cidadania na perspectiva dos direitos humanos, da saúde integral, dos direitos sexuais e reprodutivos sob a orientação da igualdade étnicorracial e de gênero, da justiça social e da democracia”.

Desafios da pandemia para quem vive de cultura

Como músico, Leonardo destaca os desafios da classe artística em um cenário de restrição de trabalho por conta do isolamento social. “A pandemia forçou a maioria de nós que trabalhava apenas com eventos a trocar de profissão. E não falo só dos músicos. Tem toda uma engrenagem, o pessoal da ‘graxa’, técnicos de som, roadies, motoristas de bandas, que tiveram seu ganha-pão cerceado”, recorda.

Ele afirma que, como todos no país, os trabalhadores da cultura não enxergam uma saída. “Se sobrevive de um edital aqui, uma Lei Aldir Blanc ali, mas a normalização ainda está muito distante”. Foi esse o motivo, inclusive, que o levou a apostar na internet para divulgar seu trabalho. “Por isso acabei cedendo à tecnologia e criando esse canal no YouTube, que para minha satisfação está sendo bem aceito por conta do single novo”.

Assista ao videoclipe


:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato RS no seu Whatsapp ::

SEJA UM AMIGO DO BRASIL DE FATO RS

Você já percebeu que o Brasil de Fato RS disponibiliza todas as notícias gratuitamente? Não cobramos nenhum tipo de assinatura de nossos leitores, pois compreendemos que a democratização dos meios de comunicação é fundamental para uma sociedade mais justa.

Precisamos do seu apoio para seguir adiante com o debate de ideias, clique aqui e contribua.

Edição: Katia Marko