Contra a ciência

Atendimento x tratamento precoce: entenda a confusão entre governo e influenciadores

Executivo pagou R$ 23 mil por publicidade; "atendimento" e "tratamento precoce" se confundem em materiais institucionais

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
cloroquina
O "tratamento precoce" envolve a ingestão de um coquetel de remédios comprovadamente ineficazes pela ciência contra a covid-19, como cloroquina e ivermectina - Créditos: Min. da Saúde

Os influenciadores digitais que aceitaram o contrato do governo federal para veicular propaganda a favor de "atendimento precoce" afirmaram não apoiar o "tratamento precoce", que envolve a ingestão de um coquetel de remédios comprovadamente ineficazes pela ciência contra a covid-19, como cloroquina e ivermectina, antes mesmo de contrair a doença. 

Afirmam que apenas recomendaram que pessoas com covid-19 ou com suspeita de infecção busquem atendimento médico antes da piora dos sintomas.

Uma das influenciadoras, Pam Puertas, declarou, por meio de uma nota de esclarecimento nas redes sociais, que “jamais” foi a favor de “tratamento precoce". 

“Não tenho conhecimento suficiente para indicar medicação para qualquer pessoa e por isso não acredito em medicação milagrosa, porém entendo como atendimento a pessoa ter acesso a um médico, que de fato possa acompanhar e dar toda a assistência necessária, de como a pessoa deve proceder ao ser diagnosticada com covid-19”. 

Na mesma linha, a assessora do influenciador João Zoli afirmou que o objetivo das postagens do ator “era de divulgação dos cuidados de prevenção como distanciamento social, uso de máscara, uso de álcool em gel e, em caso de sintomas, a busca por um atendimento médico imediato”.

A assessoria da influenciadora Flávia Viana também afirmou que a propaganda "nada tem a ver com tratamento precoce", mas com "cuidados precoces". Tratou-se de "um alerta para as pessoas se cuidarem, usarem máscaras e, caso sintam algum sintoma, procurarem atendimento o quanto antes".


Influenciadora Flávia Viana recebeu cerca de R$ 11 mil para divulgar o atendimento precoce / Reprodução/Instagram

Segundo a Agência Pública, que divulgou as contratações em primeira mão, o briefing da propaganda enviado pelo governo federal aos influenciadores de fato não fazia menção ao tratamento precoce, com uso de medicamentos. No entanto, o próprio governo federal, seja por meio de declarações públicas ou documentos, utiliza “atendimento” e “tratamento” de forma semelhante.

No dia 16 de janeiro, uma publicação do Ministério da Saúde no Twitter recomendando o tratamento precoce aos cidadãos com sintomas da doença foi marcada como “publicação de informações enganosas e potencialmente prejudiciais relacionadas à COVID-19”. 

Dois dias depois, o ex-ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, afirmou que nunca recomendou o tratamento precoce à população, mas o atendimento precoce, o que não condiz com a realidade. Ainda em maio de 2020, logo após assumir a pasta, Pazuello assinou um protocolo sobre o uso de hidroxicloroquina desde o aparecimento dos primeiros sintomas.

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"Não confundam atendimento precoce com que remédio tomar. Nós incentivamos e orientamos que a pessoa doente procure imediatamente um médico. Esse é o atendimento precoce. Que remédios vai prescrever, isso é foro íntimo do médico com seu paciente. O ministério não tem protocolos com isso, não é missão do Ministério definir protocolo", mentiu Pazuello durante coletiva de imprensa.

Quatro propagandas por R$ 23 mil

Pam Puertas, Jessika Taynara, João Zoli e Flávia Viana receberam, juntos, cerca de R$ 23 mil para propagandear o atendimento precoce para 151 mil, 309 mil, 743 mil e 2,5 milhões de seguidores, respectivamente. Somente à influenciadora Flávia Viana, o governo federal estabeleceu um orçamento de R$11,5 mil, de acordo com os documentos obtidos pela Pública.

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Nas redes sociais, Viana afirmou que ainda não recebeu o valor e, assim que receber, irá doá-lo às pessoas impactadas pela pandemia no Brasil. "Sobre o dinheiro, apesar de já fazer meses, ainda não recebi. Assim que for recebido, o dinheiro será doado para ajudar as pessoas afetadas pela Covid-19", afirmou a ex-BBB. Pam Puertas, que recebeu R$ 2,5 mil, irá doar o dinheiro para a Campanha Band Contra a Fome.

João Zoli e Jessika Taynara não responderam às perguntas do Brasil de Fato de quanto receberam do governo federal e o que pretendem fazer com a quantia.

Edição: Poliana Dallabrida