Rio Grande do Sul

LEGISLATIVO

Após cobrar repúdio a apologia ao nazismo, vereador é alvo de processo

Vereador de Porto Alegre Leonel Radde (PT) é alvo de um processo por suposta quebra de decoro parlamentar

Sul 21 |
Vereador Leonel Radde na tribuna da Câmara - Divulgação/Câmara

No dia 10 de março, o repórter Paulo Egídio, de GaúchaZH, publicou um vídeo em que a mulher identificada como Doris Denise Neumann aparece dizendo a frase em alemão “Arbeit macht frei”, que pode ser traduzida como “o trabalho liberta” e é conhecida por ter sido colocada na entrada de campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Após o caso vir à torna, Leonel Radde registrou um boletim de ocorrência na polícia e divulgou um vídeo em suas redes sociais em que denuncia que vereadores da Capital participavam de um grupo de WhatsApp junto com Doris em que o ato foi organizado.

A representação por quebra de decoro parlamentar contra o vereador Radde foi assinada pelos vereadores Fernanda Barth (PRTB), Comandante Nádia (DEM) e Pablo Melo (MDB) no dia 17 de março. O texto da representação, ao qual a reportagem teve acesso, afirma que Radde expôs os vereadores “de forma vil e covarde” ao dizer que eles seriam “cúmplices e omissos” em relação ao “suposto ato naizista” por estarem em um grupo com Doris Neumann em que teriam sido feitos comentários contra judeus e de caráter “supremacista”.

“Não há qualquer nexo causal entra e ilação do requerido para o fato de que números telefônicos pertencentes aos requerentes, ao fazer parte de aludido grupo, teria o condão de demonstrar cabalmente que os requerentes concordam com manifestações de outros membros e que, portanto, seriam omissos e coniventes com os dizeres de pessoas que não possuem nenhuma relação, tomando conhecimento de sua existência tão somente quando da publicação do requerido”, diz a representação.

Os vereadores ainda acusam Radde de incitar a violência e promover discurso de ódio pelo fato de que seus seguidores teriam feito ameaças em comentários nas redes sociais contra eles e que, segundo a representação, “destoam de qualquer divergência política-partidária (sic), extrapolando todos os limites da liberdade de expressão, partindo para ameaças e risco de linchamentos”. O documento traz a imagem de uma série de comentários feitos nas redes sociais.

Para justificar a posição de que fazer parte de um grupo não significa cumplicidade, os vereadores argumentam ainda, na representação, que fazem parte de grupos de WhatsApp com o próprio Leonel Radde e que tem visões políticas “diametralmente opostas” às dele.

O documento diz ainda que ficou claro que Radde cometeu crime contra a honra, incitou a prática de crimes, teve atitude incompatível com o decoro parlamentar e atentou contra a dignidade do Parlamento. A representação pede então que a Mesa Diretora da Câmara instaure um Processo Disciplinar para apurar a prática de conduta atentatória contra o decoro parlamentar do vereador e que a Comissão de Ética da Casa apure a denúncia.

Em conversa com o Sul21, Radde afirma a representação é “sem pé, nem cabeça”, pois argumenta que o que ele fez foi fazer um pedido de posicionamento aos políticos que participavam do grupo com Doris Neumann.

“Teve uma manifestação, eu comecei a monitorar esse grupo que ia fazer a manifestação. Denunciei o grupo antes da manifestação, demonstrando que eles eram negacionistas, que queriam um golpe militar, que queriam tirar o [governador] Eduardo Leite com uma intervenção militar. Eu fiz várias denúncias sobre esse grupo. A Fernanda Barth era uma que articulava muito e a Nádia também, os outros não falavam muito. O que acontece, houve o ato na frente do Palácio e, uns dois dias depois, veio o vídeo [da Doris] com a fala nazista. Chegou para mim, eu fui para a delegacia fiz o B.O e gravei o vídeo em que eu falo: ‘O que me causa mais desconforto é que tem vereadores, fulana e cicrana, que estavam nesse grupo e não se pronunciaram absolutamente sobre nada’. E essa mulher é líder do grupo. Estavam no grupo, viram o que tava acontecendo, não se pronunciaram publicamente em relação a isso e estavam apoiando o ato em frente ao Piratini. Foi essa a minha fala. Não há crime nenhum. Aí querem dizer que eu induzi que eles são nazistas, é entortar demais a lei. Estão querendo dar a entender com uma ficção jurídica que fiz isso, mas não tem nada disso”, afirma Radde.

Para o petista, o objetivo da ação é “silenciar” a manifestação de vereadores da oposição. “O objetivo é silenciar. Eles já têm avisado isso dentro da Câmara, já não é a primeira vez. Eles estão numa lógica de silenciamento, de impossibilitar o debate ou posicionamentos mais contundentes. Chamou de genocida, em relação ao Bolsonaro, por exemplo, tem uma interpelação dentro da Câmara. Então, eles estão numa tentativa de silenciar as divergências dentro de um espaço em que são a maioria absoluta”, diz o vereador.

Radde ainda chama a atenção para o fato de que a representação foi protocolada no dia 31 de março, data em que os apoiadores da ditadura militar celebram o golpe de 1964. “Então, eu vejo muito ligado a esse simbolismo de esquerda versus direita e de que ‘temos que derrotar de todas as formas o campo progressista'”.

Por meio de sua assessoria, a vereadora Fernanda Barth disse que os vereadores estão aguardando os próximos passos da tramitação do processo e que devem se manifestar oficialmente nos próximos dias. Contudo, diz que não se trata de um processo de cassação. “Rechaçamos calúnia, difamação e toda tentativa de destruição de reputação e propagação de ódio. Cabe salientar que não é um processo de cassação, mas representação por Quebra de Decoro Parlamentar por falsas acusações contra 3 colegas vereadores”.

O vereador Pablo Melo, também por meio de sua assessoria, emitiu um posicionamento semelhante ao da colega. “Cabe salientar que não é um processo de cassação. Talvez por falta de conhecimento do regimento interno, o vereador Leonel Radde esteja propagando isso pelas redes. É uma representação por quebra de decoro parlamentar por falsas acusações contra 3 colegas vereadores. Quem instaura o processo disciplinar é a mesa diretora, que designa por sorteio uma vereadora ou vereador para apurar a representação. O vereador Pablo Melo inclusive falou na última sessão legislativa que, se o vereador Radde fizesse retratação pública em todas as suas redes que desferiram os ataques, de pronto também declinaria da representação. No mais, os dois vereadores sempre mantiveram relação amistosa na Câmara. Por isso, o vereador Melo foi surpreendido e está exercendo o direito de se defender sem fazer circo midiático desta situação”, diz nota da assessoria do vereador.

No entanto, a própria representação destaca que o art.222 do Regimento Interno da Câmara prevê que um vereador pode perder o seu mandato caso seja considerado que agiu de forma incompatível com o decoro parlamentar.

Edição: Sul 21