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Quando pensar no futuro, não esqueça o passado

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"Dois anos após o golpe de 2016, em 2018, retornamos ao Mapa da Fome, situação que agora se agrava com esta associação entre governos irresponsáveis, pandemia, corrupção e dilapidação de bens públicos" - Reprodução
Se nada fizermos para alterar este quadro, não adianta esperar deste ou de qualquer outro governo

Esta semana a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN) apresentou resultados de seu Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19. O estudo identificou que no final de 2020 aproximadamente 116,8 milhões brasileiros/as conviviam com algum grau de insegurança alimentar. Isto corresponde a 55,2% dos lares brasileiros. Cerca de 19 milhões de brasileiros estavam, literalmente, passando fome. Havíamos retornado ao drama nacional de 2004, quando iniciava a operar o programa Fome Zero, que em dez anos nos tirou do Mapa da Fome. Dois anos após o golpe de 2016, em 2018, retornamos ao Mapa da Fome, situação que agora se agrava com esta associação entre governos irresponsáveis, pandemia, corrupção e dilapidação de bens públicos.

Vejam que o informe da rede PENSSAN se baseou em informações coletadas no final de 2020, quando o auxilio emergencial, hoje em R$ 150 e destinado a 45,6 milhões de pessoas se reduzia de R$ 600 para R$ 300, mas ainda beneficiava 68,2 milhões de brasileiros.

O extinto CONSEA nacional, que vive no CONSEA/RS e similares distribuídos pelo Brasil, com atuação marcante na luta contra a fome e a pandemia, já anunciava a necessidade de apoio à agricultura familiar e à reforma agrária, como fundamentais para garantia de acesso populacional ao Direito Humano à Alimentação Adequada. Avançamos no rumo oposto com a franca desestruturação das políticas de apoio à agricultura familiar.

Vejam que no plano Safra 2021 “os agricultores familiares que produzem alimentos de consumo interno, que abastecem a mesa dos brasileiros com os alimentos básicos, entre eles o feijão, feijão caupi, mandioca, tomate, cebola, batata-doce, frutas, olerícolas e os produtos da exploração extrativista ecologicamente sustentável, terão que pagar, pela primeira vez na história do Pronaf, taxas de juros 22,2% maiores que a taxa Selic”. Isto inviabilizará atividades produtivas, quebrará pequenas cooperativas, reduzirá a oferta e aumentará o preço dos alimentos.

O abandono do Programa Nacional de Reforma Agrária, do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da garantia de compras por parte do PNAE, para alimentação escolar sadia, sugerem que, se há racionalidade neste governo, ela se destina a provocar convulsões sociais. Numa prática que lembra a canalhice o governo ainda trata de ocultar evidências de suas maldades, cortando 96% dos recursos necessários à realização do CENSO 2021.

Resulta óbvio que o abandono da agricultura produtora de alimentos, deve ser enfrentado pela organização social, com um máximo de urgência. Vejam que temos exemplos a seguir. O CONSEA, o MPA, o MST e outras formas de organização social ligadas à agricultura familiar e penalizadas pelo governo, mesmo em situação de difícil manutenção, se destacam na partilha do pouco que têm, distribuindo alimentos aos necessitados, enquanto o agro pop, como que alheio aos dramas nacionais, se expande.

Avançando no rastro das queimadas, o agronegócio predatório se ilude ao pensar que os ecocidios em andamento trarão benefícios. As comemorações de super safras são enganosas e isto se revelará em breve, pois não há vantagem que possa compensar riscos de convulsão social em fermentação. Vejam que em 2021 devemos colher 264,8 milhões de toneladas, expandindo a renda agrícola brasileira em 10%, “de forma a alcançar algo em torno de R$ 1 trilhão". Que destino terão estes recursos?

O Orçamento do governo revela suas intenções. Ao mesmo tempo em que a agricultura familiar é abandonada, a previsão orçamentária de 2021 reserva R$ 26 bilhões para emendas parlamentares (no “clima de “festa das emendas”” que alimenta o Centrão, que sustenta o governo), e R$ 8 bilhões para o Ministério da Defesa (garantindo novas aeronaves de caça e submarinos inúteis contra a fome e a covid), restando R$ 2 bilhões para o Ministério da Saúde enfrentar a pandemia.

O que isso indica?

Quer saber a verdade oculta sob o tapete? “Siga o rastro do dinheiro”, diziam os jornalistas que desvendaram casos de corrupção no governo Nixon. Aqui, onde segundo Fernanda Melchionna, a previsão orçamentária  “é de uma austeridade fiscal seletiva, de massacre para os pobres e benesses para a cúpula”, está tudo na cara.

Se nada fizermos para alterar este quadro, não adianta esperar deste ou de qualquer outro governo.

Como garantir possibilidades de acesso a alimentos, com garantias de acesso ao sistema público de saúde? Queremos também ocupações produtivas, empregos, garantia de acesso às escolas e universidades para nossos filhos. Queremos esperança e confiança no futuro. Queremos, enfim, o que tínhamos antes do golpe de 2016. E não basta esperar 2022, precisamos começar já. Explicitar insatisfações e desejos, reforçar formas de solidariedade, contribuir para a desalienação e a politização dos omissos.

Pensar no futuro que se desenha, e fazer por ele, sem esquecer o passado.

 

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko