Rio Grande do Sul

OPINIÃO

Artigo | Pandemia, desindustrialização e 1ª variável capaz de transformar a situação

A partir dos anos 90, a política cambial neoliberal fez o Brasil retornar à condição de exportador de commodities

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Brasil nem chegou a desenvolver plenamente sua indústria e já sinaliza retorno ao papel de exportador de bens primários e de commodities baseadas na extração de recursos naturais - Créditos da Foto: Reprodução

Entre as décadas de 1930 e 1970, o Brasil passou por um processo acelerado de industrialização comandado pela política de substituição de importações. Naquele período, o papel central do Estado também se manifestou através de um controle cambial quando diversas taxas de câmbio eram administradas de modo a estimular a produção interna e evitar que os produtos importados entrassem no país com um preço muito mais baixo, o que poderia vir a prejudicar os rumos da industrialização nascente.

Nas duas décadas seguintes, as teorias liberais retornaram com toda força no cenário mundial. Em grande medida, o Consenso de Washington dos anos 1990 estabeleceu um conjunto de regras e reformas estruturais visando obter a estabilidade macroeconômica, sendo que uma dessas regras específicas dizia respeito à manutenção de uma taxa de câmbio de mercado. A taxa de câmbio, que até então atuava em um sentido mais protecionista no âmbito das políticas econômicas, passou a ter um caráter de liberar o mercado doméstico à concorrência internacional, tendo como objetivo estimular a competitividade dos produtores industriais internos que deixaram de ser protegidos.

Uma década depois da implementação desta política cambial, se observou que a estrutura industrial brasileira havia sido duramente afetada, uma vez que, na prática, ocorreu um processo inverso. Ou seja, em vez de desenvolver uma indústria mais competitiva, o que aconteceu foi um retorno à exportação de commodities de base primária. Se observa que durante os anos em que se estabeleceu a livre flutuação cambial, a trajetória da taxa de câmbio esteve mais atrelada aos mecanismos de regulação do mercado do que a uma estratégia de desenvolvimento econômico do país.

Além disso, observou-se entre 2007 e 2012 uma apreciação do Real, fato que colocou em evidência uma preocupação já presente desde meados dos anos 1990: a perda de competitividade da indústria brasileira. A partir de 2011, com o fim do afrouxamento monetário norte-americano e a consequente depreciação do Real, a indústria de baixa e média-baixa tecnologia volta a aumentar sua participação e os produtos não industriais mudam de trajetória, com tendência de redução de sua participação.

Em seu trabalho sobre a taxa de câmbio no centro da teoria do desenvolvimento, Bresser-Pereira afirma que nos países em desenvolvimento a taxa de câmbio é, normalmente, um preço macroeconômico sobreapreciado, o que torna não competitivas as empresas do país. Para o autor, a taxa de câmbio deve situar-se no patamar de "equilíbrio industrial" para garantir que as empresas de países em desenvolvimento possam concorrer em igualdade de condições com as empresas dos demais países.

Em função da taxa de câmbio que não permite a competitividade da indústria, a mudança estrutural que caracteriza o desenvolvimento econômico: ou fica impedida de acontecer, para países que não são relativamente industrializados; ou deteriora a diversificação industrial do país por causa da falta de competitividade dos bens produzidos internamente.

Vemos que o processo de desaceleração do crescimento econômico em curso revelou a existência de uma crise no setor industrial que está se generalizando, sobretudo nos ramos tradicionais (setores mais intensivos em tecnologia), os quais vêm enfrentando dificuldades para competir, tanto no mercado interno como no externo, devido ao baixo grau de incorporação tecnológica. Este processo sinaliza uma desindustrialização precoce do país, pois o Brasil nem chegou a desenvolver plenamente a sua indústria e já sinaliza um potencial retorno ao papel de exportador de bens primários e de commodities baseadas na extração de recursos naturais.

Uma taxa de câmbio competitiva estimula os investimentos orientados para a exportação e aumenta correspondentemente a poupança interna. Essa visão faz um contraponto com o modelo de crescimento adotado por diversos países em desenvolvimento, que se baseia na poupança externa. Esse tipo de crescimento não gera desenvolvimento, uma vez que, substituindo a poupança interna pela externa, o que ocorre é um aumento do consumo, deixando o investimento em segundo plano, pois se vale, em grande parte, de uma política econômica de juros altos, o que atrai o fluxo de capitais para países em desenvolvimento, mas que nem sempre resultam em investimentos produtivos direcionados ao desenvolvimento econômico.

A literatura recente é taxativa com respeito à relevância da taxa de câmbio real na sustentação do processo de desenvolvimento econômico de um país que objetive promover a convergência (catching up) de seu nível de renda per capita e padrão de vida para os níveis médios dos países desenvolvidos. Para isso, é preciso que os policy-makers manejem o regime cambial prevalecente com o objetivo de não apenas evitar que a taxa de câmbio real da moeda doméstica em relação ao dólar entre em trajetória de apreciação no longo prazo, mas também de mantê-la ligeiramente elevada - isto é, manter a moeda doméstica apenas um pouco, mas não necessariamente, subvalorizada - ao longo do processo de catching up.

Se durante todo o século XX o caminho para o desenvolvimento foi proteger a indústria através da substituição de importações, o caminho atual para continuar o desenvolvimento seria seguir o exemplo dos países asiáticos. Cujos bancos centrais, por munirem-se de um arranjo mais diversificado de instrumentos de intervenção que tornam seus regimes de câmbio mais próximos aos de flutuação administrada, têm sido mais eficientes para manterem suas taxas de câmbio competitivas. De maneira que seja capaz estimular as exportações de bens de média-baixa intensidade tecnológica, gerando empregos e abrindo um possível caminho para a especialização tecnológica.

* Wilson Machado Júnior é acadêmico de Ciência Econômica na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e membro da equipe do ObservaBr, iniciativa da Fundação Perseu Abramo.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.


:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato RS no seu Whatsapp ::

SEJA UM AMIGO DO BRASIL DE FATO RS

Você já percebeu que o Brasil de Fato RS disponibiliza todas as notícias gratuitamente? Não cobramos nenhum tipo de assinatura de nossos leitores, pois compreendemos que a democratização dos meios de comunicação é fundamental para uma sociedade mais justa.

Precisamos do seu apoio para seguir adiante com o debate de ideias, clique aqui e contribua.

Edição: Marcelo Ferreira