Rio Grande do Sul

Coluna

25 de abril, a revolução resiliente

Imagem de perfil do Colunistaesd
"A Revolução de Cravos nasceu como uma quartelada, tomou as ruas como uma revolução popular, insinuou e tentou fazer uma sociedade sem classes, mas acabou rendida à força do capitalismo" - Reprodução
A Revolução de Abril é uma revolução resiliente, pois continua viva na solidez democrática atual

Grândola Vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti ó cidade

Grândola, Vila Morena, música e letra de Zeca Afonso.


Na borda atlântica da Europa Ocidental, em 25 de abril de 1974, em pleno período conhecido como a “Guerra Fria”, uma tensão política, militar e ideológica se espalhava para o próprio campo dos modos de produção que, sob a chefia dos Estados Unidos e União Soviética, parecia se encarcerar no debate entre os alinhamentos a essas duas potências.

Uma movimentação insurrecional de grande parcela dos militares portugueses abriu as portas para um conjunto impressionante de acontecimentos que marcaram a história do próprio Portugal, mas também da Europa, Brasil e África. O mais antigo “Império Colonial”, o país que saiu ao mar e inventou o mundo globalizado em pleno século XV, estava às portas de uma nova transformação.

A insurreição militar, cuja vanguarda estava organizada no Movimento das Forças Armadas (MFA), ao impor a capitulação de Marcelo Caetano e de seu governo no final daquele 25 de abril, pôs fim a mais antiga das ditaduras de então. Ruiu o que se passou a chamar de Salazarismo, um regime nacionalista, de fortes contornos e dimensões fascistas, iniciada em 1926, mas que chega à feição conhecida e definitiva em 1932, com a assunção de Oliveira Salazar à liderança do regime.

O salazarismo se consolidou em um mundo de forte crise econômica capitalista e uma violenta polarização entre as alternativas socialistas, liberais e fascistas. Ao não envolver Portugal militarmente no conflito, o regime sobreviveu à Segunda Guerra Mundial. Mas chega aos anos de 1970 enfraquecido, com a economia atrasada e envolvido em uma insustentável guerra colonial na África, para manter o anacrônico sonho do “Império Português” e, é claro, as riquezas espoliadas pelo colonialismo.

Já ao raiar do sol do mesmo dia, a insurreição militar da madrugada do dia 25 se transforma em uma grande revolução democrática, dando início a um dos períodos mais fecundos das utopias revolucionárias. De imediato, as prisões da ditadura são abertas e postas abaixo com a libertação de milhares de opositores do regime salazarista, é extinta a PIDE – a polícia da repressão que agia tanto nas colônias quanto na metrópole, os aeroportos são abertos para o retorno de centenas de exilados, empregos são restaurados, terra e habitação são distribuídas.

A libertação dos presos políticos e o retorno dos exilados, como também todas as medidas emergenciais, impactaram profundamente as forças políticas que passaram a atuar em um período de amplas possibilidades políticas, com um sentido de “um futuro por armar” que marcaria, definitivamente, a democracia portuguesa atual.

Em seus primeiros dois anos se abriu o que foi chamado de Processo Revolucionário em Curso (PREC), com setores do próprio governo falando abertamente em “caminho para o socialismo”. E de fato muitos setores dos trabalhadores se organizaram diretamente neste sentido. Havia uma onda de auto-organização popular, com a criação de conselhos de fábrica, ocupação de grandes fazendas e imóveis urbanos que, progressivamente, foram ampliando a tensão com setores empresariais, com a direita vinculada ao antigo regime e com setores do próprio MFA, reflexo da sociedade de classes.

Havia uma profusão de organizações de esquerda, de todas as orientações, assim como houve a reação da direita, dura, disposta a tudo e com apoio dos EUA. Entre marchas e contramarchas, se desenvolve uma intensa luta pelos rumos da revolução e com a aproximação da década de 1980 se iniciou um complexo processo de integração à ordem capitalista democrática, da qual não se afastaria mais até os dias de hoje.

A herança de Abril é inestimável. A revolução democrática radical interrompeu a guerra colonial na África e, depois de década e meia de luta por sua independência, levantou o último obstáculo para que os povos de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde, liderados por frentes populares armadas de esquerda, conquistassem sua independência. O mesmo acontece em Timor-Leste na Ásia.

Para o Brasil, a derrota da ditadura salazarista e suas consequências, o retorno dos exilados, o fim da censura e a reforma agrária e urbana, deram um sopro de esperança aos sonhos socialistas e embalaram a luta pela redemocratização, tão emotivamente descritos em “Fado Tropical” de Chico Buarque. De imediato e de concreto, o Portugal de Abril se transformou em porto seguro para centenas de brasileiras e brasileiros que para lá foram para escapar da tortura e da morte.

Para derrotar a possibilidade máxima da revolução de Abril, a direita portuguesa, os estados europeus e o governo dos Estados Unidos tiveram que aceitar o programa básico dos ideais de Abril. A Revolução de Cravos nasceu como uma quartelada, tomou as ruas como uma revolução popular, insinuou e tentou fazer uma sociedade sem classes, mas acabou rendida à força do capitalismo.

Mas, em Portugal, antes de mais nada, a Revolução de Abril é uma revolução resiliente, pois continua viva na solidez democrática da atualidade, na improbabilidade do renascimento do fascismo, no fim da pobreza, na extensão do Estado protetivo e suas políticas sociais e na altivez e soberania de seu povo e de seu Estado. Não somente foi, como continua sendo bonita a festa pá!

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko