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13 de Maio e a queima de arquivos

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"Como poderemos respeitar a memória de nossos avós, se vivemos sob o controle de pessoas que tratam de ocultar a verdade de nossos netos?" - Reprodução
A ocultação da verdade histórica em nosso país determina a existência dos milhares de “não cidadãos”

Semana de 13 de maio. A data é simbólica, dramática, difícil de ser comentada ou esquecida.

A data é emblemática até porque ilumina o poder das tentativas de ocultar a verdade, e sua influência sobre o futuro dos povos, ao longo da história.

Como crianças, que batem e escondem a mão, os beneficiados pelos crimes tratam de validar narrativas que mais lhes convém. No 13 de maio isto se verifica pela garantia de vantagens aos descendentes daqueles que festejaram, no passado,- e ainda hoje tentam justificar - a queima dos registros da escravidão. Ruy Barbosa, o “águia de Haia”, com aquela atitude se revelou muito útil ao discurso da meritocracia e à consolidação da ideia falsa, de que este é um pais de iguais, com oportunidades para todos.

As maldades para com os povos escravizados só cresceram, desde a ocultação dos registros daquele genocídio, refletindo-se ainda hoje na contagem dos mortos de Jacarezinho, dos desempregados e dos que passam fome. Em todos os casos as vitimas são, em maioria, descendentes de grupos historicamente empurrados pela desumanidade dos poderosos e pela apatia ou covardia dos "isentões", aos cantos insalubres da periferia ou à margem do que se entende por direitos humanos.  

Talvez Ruy Barbosa não avaliasse a progressividade de suas ações, ou mesmo de sua responsabilidade pessoal em relação ao que se consolidou a partir delas. Mas há nas atitudes infantis daqueles que não assumem suas responsabilidades para com a história, uma lógica perversa que alimenta a repetição de grandes tragédias.

Em 1933, anos antes de inaugurar sua fase genocida, os nazistas alemães queimaram nas ruas livros de Freud, Goethe, Thomas Mann, Shakespeare, Einstein, Marx, Brecht e outros judeus geniais. Sete anos depois, inauguravam os fornos de Auschwitz.

Anos antes de assumir a presidência, Bolsonaro elogiava a tortura, dizia preferir filhos mortos, a filhos gays. Na semana passada um professor jovem foi morto a bala, e teve seu corpo queimado com gasolina, por ser gay. Há meses, assessores próximos ao presidente negam o golpe de 1964, a existência de torturas, a corrupção e outras características do regime ditatorial. Hoje, ameaçam o STF, desprezam a Constituição federal, desmontam o Estado de Direito e sugerem que o golpe de 2016 deva avançar em seu retrocesso, rumo a nova fase de domínio feudal.

E de fato, parece que estamos seguindo para lá.

Esta semana, com a aprovação do PL 3729/2004, pela Câmara Federal, a legislação ambiental foi mais uma vez sacrificada. É a boiada passando, enquanto o povo está distraído pela covid-19, como havia anunciado o ministro Salles.

A necessidade óbvia de avaliação prévia dos impactos ambientais, para implantação de empreendimentos que os autores considerarem de baixo impacto, deixou de existir. Agora, se o Senado validar a decisão da Câmara, bastará uma declaração de compromisso (LAC - Licenciamento por Adesão de Compromisso), emitida pelo interessado em causar o dano ambiental, para que ele possa tocar as obras adiante.

Deixa de haver necessidade de avaliações prévias, independentes e sob escrutínio público, dos locais a serem afetados em vários tipos de atividades de risco. O projeto também inclui explicitamente a liberação plena ao “cultivo de espécies de interesse agrícola”, em clara ofensa à necessidade de zoneamentos climático, agroeconômicos e agroecológicos. Diga-se, estes estudos, que fundamentariam a ocupação racional do território, são essenciais para a proteção de bens comuns e para a contenção de ecocídios que estão na raiz do aquecimento global e das crises epidemiológicas.

A situação é tão alarmante que mereceu manifestação contrária de parte de nove ex-ministros do meio ambiente, além de carta da SBPC, em repúdio ao PL 3729/2004, “por ser incompatível com a Constituição federal e com a sustentabilidade ambiental presentes na legislação brasileira sobre licenciamento ambiental”. É de se esperar, para os próximos dias, fortes reações da sociedade civil.

Reforçando a percepção internacional de descaso brasileiro com relação ao tema ambiental, a mensuração prévia dos danos possíveis, bem como o cálculo, por parte da sociedade, da necessidade de recuperação, deixam de existir em nosso pais. É algo como o fim da história possível, em um país soberano, tropical e rico por natureza.

Estamos em uma nova era, onde, após desmonte dos órgãos ambientais, anuncia-se confiança no trabalho de seus agentes de fiscalização. Além disso, com a transferência de responsabilidades federais para estados e municípios, garante-se que disputas pela atração de investimentos implicarão em vantagens aos empreendedores, seja em renúncias fiscais, concessões ou vista grossa a impactos ambientais.

A destruição do Estado, o desmonte da economia, o direcionamento de recursos públicos para satisfazer coligação de partidos de aluguel que protege a família real, a falta de vacinas, o avanço da fome, do desemprego e o medo da morte, alimentam este estado de coisas. Estamos escrevendo uma história oficial que decididamente não corresponde aos fatos.

E chegamos a 13 de maio.

Como poderemos respeitar a memória de nossos avós, se vivemos sob o controle de pessoas que tratam de ocultar a verdade de nossos netos? Como festejar o passado se o presidente mente na ONU, elogia torturadores, oculta crimes dos filhos, parentes e amigos? Está clara a ligação entre a família, o bando real, e a presença, nas praças públicas e livros escolares, de monumentos e frases que enaltecem ações de coronéis, bandeirantes e capitães de mato que, em bandos, com cães e armas, caçavam quem só queria, para si e para todos, o direito de ser livre?

A ocultação da verdade histórica, assim como a destruição de avanços civilizatórios em andamento neste país, são determinantes para a existência dos milhares de condenados à condição de “não cidadãos”.

A visão de mundo, a engenhosidade e a arte dos brasileiros excluídos da modernidade, daqueles que constroem soluções improváveis que fazem suportável a vida, nos espaços e sob as regras a que estão confinados, estão a merecer governantes que, como Lula, neles percebam a fonte das soluções e não dos problemas nacionais.

É isto que está em disputa. A história. Ela será escrita por aqueles que lutam contra a colonização das mentes e os mecanismos de opressão ou por aqueles outros, os golpistas que se julgam sem passado, que se orgulham de ser sem vergonha?

Obrigado, Carlos Hahn.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko