Pernambuco

Eleições 2020

Alvo de pedido de cassação, prefeito de Águas Belas diz que acusação “não é verídica”

Ele nega que gestão ou sua campanha tenham participação em suposta distribuição de notas para abastecimento de veículos

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Luiz Aroldo (PT) e Eniale Bezerra (PSD) tentam evitar cassação de seus diplomas; pedido é feito pelo Ministério Público Eleitoral - Comunicação PT Águas Belas

Em novembro de 2020 o município de Águas Belas e os mais de 45 mil habitantes elegeram, pelo quarto pleito consecutivo, o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) para comandar a prefeitura. O prefeito Luiz Aroldo foi reeleito com 37% dos votos, mas no início de maio o juiz da 64ª vara eleitoral deu seguimento a processo de cassação de diploma do petista e de sua vice por suposto abuso de poder econômico na eleição. A dupla continua no cargo, a menos que sejam condenados no TSE.

O processo foi aberto pelo MPE ainda em 2020. O órgão afirma ter sido notificado pela Polícia Militar de que no dia 15 de novembro, dia da eleição (1º turno), no posto de gasolina conhecido como “Posto Oásis” (nome fantasia Auto Posto Filadélfia), na entrada do município, a PM teria flagrado “diversas pessoas abastecendo seus veículos através de notas de abastecimento em quantitativo incomum”. A polícia levou algumas pessoas para prestarem depoimentos, posteriormente acessados pelo MPE.

O órgão afirma que o Posto Oásis possui contrato de prestação de serviço com a Prefeitura de Águas Belas desde 2017 e que, na véspera do pleito, o posto emitiu dezenas de notas fiscais para abastecimentos futuros. As notas teriam sido distribuídas na cidade no dia do pleito em troca de votos. De 2017 a 2020 a prefeitura teria pago R$13 milhões no contrato com o Posto Oásis. O MPE conclui que “o Posto Oásis foi utilizado para distribuição massiva e indiscriminada de notas de abastecimento às vésperas da eleição, em ligação intrincada com a máquina pública e o partido político no poder”.

Em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco, o prefeito Luiz Aroldo (PT) diz que as informações do processo não passam de especulação. “Em nenhum momento aconteceu isso. Houve denúncia de parte da oposição, mas sem qualquer consistência”, garante o prefeito reeleito. “Discordamos frontalmente da posição do MPE. “Toda a vida lutei contra o uso da máquina pública. Em momento algum explorei isso para estar onde estou. Nunca dei combustível para ninguém e me orgulho de nunca ter utilizado do patrimônio público. Espero que a justiça seja feita e ela será feita com a absolvição minha e da minha vice”, pontua Aroldo.

Questionado se soube de alguma distribuição de notas no referido posto, ele se afirma que, caso tenha ocorrido, não teve responsabilidade de sua gestão ou da campanha. “Não é verídico. Não usamos pessoas para abastecer os carros. Se havia gente lá fazendo isso eu não sei, nem passei pelo posto. Mas não houve distribuição por parte de funcionários da Prefeitura”, reafirma o petista. “Provamos ao MPE que nenhuma das pessoas que estavam lá eram funcionárias da Prefeitura. Jamais autorizaríamos isso”, diz ele. “Por isso nossos advogados recorreram e estamos pedindo a anulação desse processo. Não há provas contra mim, contra a vice-prefeita ou contra alguém do governo”, conclui.


Foto tirada em fevereiro de 2021, na inauguração de um posto de gasolina; “estamos atraindo empreendimentos”, comemorou o prefeito / Comunicação PT Águas Belas

Apesar disso, no último dia 5 de maio o juiz eleitoral Rômulo Macedo Bastos (64ª zona) considerou procedente o pedido do MPE e sentenciou pela cassação dos diplomas por ambas as acusações: “abuso de poder político e econômico” e “captação ilícita de sufrágios”, a popular compra de votos. Além da cassação, a sentença aplica multa de R$30 mil a Luiz Aroldo e R$10 mil a Eniale Bezerra. “Entramos com um embargo de declaração na semana passada pedindo a anulação do processo. Ele segue na comarca local, ainda não está no TRE”, informa Luiz Aroldo.

Caso o processo seja mantido – junto à cassação do diploma – o caso será encaminhado ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-PE). Se o TRE mantiver a cassação, prefeito e vice ainda podem recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ainda que o TRE considere a acusação improcedente, o MPE também pode recorrer ao TSE. Luiz Aroldo e Eniale Bezerra seguem no cargo, gerindo o município, a menos que o TSE os afaste. Caso aconteça, quem assume a prefeitura é o presidente da Câmara Municipal (Josué Ferreira Barboza, do PSD) e é convocada nova eleição para um mandato-tampão até dezembro de 2024. Se condenados no TSE, ambos ficam inelegíveis até 2028, só podendo se candidatar em 2030.

O Diretório Estadual do PT afirma, em nota, ter recebido “com surpresa” a notícia da cassação dos diplomas do prefeito e da vice, “legitimamente conquistados nas urnas”. A nota do partido classifica Luiz Aroldo como “gestor exemplar”, “vítima de uma injustiça” e afirma a inocência do prefeito, se comprometendo a lutar pelo respeito à escolha do povo de Águas Belas. A nota é assinada pelo presidente do PT em Pernambuco, o deputado estadual Doriel Barros, que é natural de Águas Belas.


O deputado estadual Doriel Barros, presidente do PT Pernambuco, é natural de Águas Belas / Comunicação PT Águas Belas

Em 2020 o Partido dos Trabalhadores (PT) caiu de 7 para 5 prefeituras em Pernambuco e hoje governa para apenas 165 mil pernambucanos. Águas Belas representa quase 30% desse quantitativo populacional e é a segunda maior prefeitura do PT no estado, atrás apenas de Serra Talhada. Além destes dois, o PT governa ainda Orocó (15 mil) e Granito (7,5 mil), no Sertão; e Tacaimbó (12,9 mil), no Agreste. Águas Belas fica na região Agreste do estado e a uma distância de 300 km do Recife, tem clima semiárido e tem 10% de sua população formada por indígenas da etina Fulni-ô.

Tensão política em Águas Belas

Ainda na entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco, o prefeito diz acreditar que as denúncias teriam sido articuladas pelos “poderosos” do município. “Por defendermos bandeiras como da reforma agrária, dos quilombolas, sou negro, defendo a bandeira dos indígenas. São bandeiras muito fortes que incomodam os poderosos, principalmente nesse momento do país”, avalia o petista.

Ele também acredita que há uma rejeição ao que ele representa. “Sou um agricultor familiar. Não sou comerciante ou industrial, não tenho patrimônio. Sou e serei por toda a minha vida da luta social, defendo os Direitos Humanos. Hoje o deputado e presidente estadual do PT é daqui da nossa cidade. Então temos que ter cuidado com o que representamos”, completa ele, que compara a situação à do ex-presidente Lula da Silva, “que chegou a ser preso, mas a sentença foi anulada”.

Ainda em relação aos adversários e possíveis ameaças, Luiz Aroldo (PT) diz rejeitar a presença de seguranças armados em torno de si, mas só se sente seguro para circular na cidade nos eventos da gestão municipal. “Só ando no carro que a prefeitura loca, com o motorista. Então só vou para onde a gestão está. Me recolho cedo e às 18h ou 19h estou em casa. Só saio para atividades sociais se for da Prefeitura. Praticamente só faço o trabalho da política”, diz ele. “Por questões de segurança eu ando pouco nos lugares. Sou o único prefeito da história de Águas Belas que nunca fiz uso de armas, capangas, pistoleiros e nem chamei a polícia para andar comigo. Ando sozinho”, completa.

Ele considera que sua gestão também tem gerado incômodo em setores da sociedade água-belense. “Estamos passando uma situação difícil com a pandemia. Não temos dinheiro para ir além das obrigações básicas. Eu e minha equipe trabalhamos todos os dias para cumprir a missão básica, que é cuidar da saúde e da educação”, diz Luiz Aroldo. “Somos vistos com desconfiança inclusive por pessoas que querem ver a Prefeitura na gastança”, completa o petista, que considera esse um dos pontos fortes de sua gestão. “A grande marca é comprar e pagar, manter as coisas funcionando no nosso município”. Outro ponto, segundo ele, é evitar a violência. “É o respeito às pessoas, o diálogo. Nunca usamos da violência”, garante.

Perfis

Luiz Aroldo (PT) é agricultor, casado e tem 50 anos de idade. Foi superintendente do Incra em Pernambuco e secretário do Ministério do Desenvolvimento Agrário durante o governo Dilma. Eleito já em sua primeira candidatura à prefeitura (2016) com quase 12 mil votos (53,9%). Em 2020 foi reeleito, mas perdeu votos: obteve 8.348 (37%), apenas 771 votos a frente do adversário Dr. Roland (PCdoB), que conquistou 33,6%. A queda na votação não pode ser resumida a uma possível rejeição a sua gestão. Em 2016 disputaram apenas dois candidatos, enquanto em 2020 foram sete. Além de Luiz Aroldo e Dr. Roland, os demais cinco candidatos somaram 6.641 votos (29,4%). O PT elegeu quatro vereadores em 2016, assim como em 2020, mas elevou a votação em quase mil votos.

Nos dois pleitos anteriores o povo água-belense elegeu o também agricultor Genivaldo Menezes (PT) para a prefeitura. Numa disputa acirrada em 2008 o petista foi eleito com 10.267 votos (50,5%), apenas 214 a mais que o seu concorrente. Com um ambiente de tensão no município, Genivaldo admitiu publicamente que temia não sobreviver ao período entre outubro de 2008 e janeiro de 2009, mês em que assumiria a gestão. Durante a gestão, em 2011, houve uma série de ataques a ele e a seus assessores. Coquetéis molotovs foram jogados em um carro e uma casa de assessores seus, além de colocarem gasolina e fogo na casa do próprio prefeito. Em 2012 foi reeleito com 12,7 mil votos (56,7%) numa disputa um pouco mais tranquila e fez seu sucessor Luiz Aroldo em 2016.


Luiz Aroldo é agricultor familiar e atuou por anos junto aos sindicatos rurais (STRs) / Comunicação PT Águas Belas

A coligação que elegeu Luiz Aroldo em 2020 é formada por PT, PSD e PDT. A vice-prefeita é Eniale Bezerra, conhecida como Eniale de Codinho (PSD). Ela foi vereadora por um mandato (2016-2020) e foi escolhida para vice da chapa da reeleição de Luiz Aroldo. Eniale tentou eleger sua mãe Elaine de Codinho para a Câmara, mas ela não ficou entre as três vagas conquistadas pelo PSD. Codinho, pai de Eniale e esposo de Elaine, é Clodoaldo Bezerra Jonatas, um latifundiário da região que foi prefeito de Águas Belas de 1997 a 2000, sempre filiado a partidos como  PTB, PFL e PSL.

Entre 2005 e 2010 Codinho se envolveu pessoalmente em conflitos com trabalhadores sem terra que acampavam em terras de sua propriedade. O ex-prefeito contratou pistoleiros para ameaçar os sem terra e participou pessoalmente de espancamentos contra esses agricultores. A polícia apreendeu em flagrante as armas dos agressores e o caso foi denunciado ao Ministério Público (MPPE). Numa das tentativas de remoções por parte do latifundiário, uma criança de 9 anos, filha de agricultores, precisou ser hospitalizada com ferimento na cabeça após agressão da Polícia Militar.

Doações

Apesar de não ser mencionado no processo, também chama atenção a disparidade de arrecadação e doações individuais recebidas pela chapa de Luiz Aroldo (PT) em comparação às demais chapas. As candidaturas à prefeitura tinham limite de gastos de R$514,7 mil. A chapa de Luiz Aroldo recebeu R$474 mil, sendo R$264,9 mil (58,6%) repassados pelos diretórios nacional, estadual e municipal do PT. O que chama atenção é que a coligação “Confiança e Trabalho” ainda arrecadou R$ 209 mil em doações individuais.

A título de comparação, o candidato Roland Carvalho, o “Dr. Roland” (PCdoB), arrecadou R$174,4 mil no total, sendo R$ 146 mil (84%) repassados pelo seu PCdoB e menos de R$30 mil oriundos de doações individuais. O terceiro colocado, José Elton Martins, o “Dr. Elton” (MDB), arrecadou R$61,8 mil, dos quais R$50 mil (81%) vieram do seu partido e cerca de R$12 mil foram doações individuais.

Nas doações individuais há R$26,7 mil repassados pelo próprio Luiz Aroldo através de sua conta pessoal. Mas R$183 mil vieram de outras pessoas. Há indivíduos cujos repasses (em uma, duas ou três parcelas) somam mais de R$10 mil. Mas no total foram 28 pessoas realizando doações entre R$1 mil e R$13 mil. Há cinco indivíduos que realizaram, cada um, seis doações diferentes de valores de R$1 mil e R$2 mil. Mas nada disso foi considerado suspeito pela Justiça Eleitoral.

Sobre os gastos de campanha, Luiz Aroldo (PT) garante normalidade. “O que gastamos é dinheiro que veio do partido e da ajuda de companheiros e companheiras que viram capacidade para seguirmos fazendo um grande governo em Águas Belas”. Sobre os repasses da Prefeitura ao Posto Oásis, ele também afirma não haver nada fora do normal. “Fizemos uma gestão de muita austeridade e zelo com o patrimônio público. Quando assumi a prefeitura havia cinco meses de salários atrasados de parte dos servidores e R$38 milhões de dívidas. Hoje a folha está em dia e sanamos parte dessa dívida. As contas sempre foram aprovadas”, diz o prefeito reeleito.

Edição: Vanessa Gonzaga