Rio Grande do Sul

Direitos do Trabalho

Trabalhadores de TI de Porto Alegre entram em greve por valorização da Procempa

Empresa que realiza todos os serviços de TI na Capital não reajusta salários há 5 anos, resultado é fuga de mão de obra

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Segundo sindicato, empresa teria condições de repor perdas da inflação nos salários dos funcionários - Marco Quintana / JC

Os trabalhadores da Empresa de Tecnologia da Informação (TI) do Município de Porto Alegre (Procempa) decidiram entrar em greve por valorização dos salários e da empresa como um todo. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados (Sindppd/RS), os trabalhadores da Procempa já perderam quase um quarto de seu poder de compra nos últimos 5 anos. Além disso, a empresa deixou de gastar em torno de 4 milhões de reais por ano com o plano de saúde de seus funcionários, valores esses que passaram a ser pagos pelos próprios trabalhadores.

Outro problema grave apontado pelo sindicato é que a empresa vem pagando altos valores relativos à Imposto de Renda (IRPJ), algo que é proibido pelo estatuto da empresa, segundo o qual a Procempa não deve auferir lucros, e sim utilizar valores que sobram para reinvestir na empresa e em seus trabalhadores. Segundo informa o Sindppd, a empresa repassou para a Receita Federal algo em torno de 3 milhões de reais em forma de imposto de renda, conforme publicações no Portal Transparência. Isso, ao mesmo tempo que informa não ter dinheiro para pagar seus funcionários.

Greve foi a ultima opção da categoria

Segundo Cristiano Ribeiro, trabalhador da Procempa e diretor do Sindppd/RS, o movimento de deflagração de greve se deu após uma série de tentativas de negociação com a direção da empresa e com a prefeitura.

"Estamos no momento de greve, desde ontem (27), devido a falta de negociação com a empresa e com a prefeitura. A empresa alega que depende da prefeitura para negociar, mas nós entregamos uma pauta de reivindicação, como todo ano fazemos, lá no inicio de março [de 2021], pedindo a manutenção do acordo coletivo e também o pagamento dos índices de inflação dos últimos 5 anos", afirma Cristiano.

Segundo ele, desde de março, foram seis reuniões de mediação, no Ministério Público do Trabalho (MPT), sendo que até agora houve apenas uma única resposta, afirmando que a Procempa não pode pagar os reajustes, justificado que esse impedimento viria da prefeitura, e que a empresa está inclusa nas legislações federais que impedem reajustes salariais.

Porém, segundo lembra o dirigente e o próprio sindicato, esses argumentos não condizem com a verdade. O próprio MPT confirmou nas mediações que esse entendimento não se aplica à Procempa, pois a empresa faz parte da administração pública indireta, sendo uma sociedade de economia mista, com seus salários não fixados por lei, e sim em acordo coletivo.

:: Confira aqui reportagem sobre o lançamento da Frente Parlamentar em Defesa da Procempa ::

Empresa tem condição de se sustentar e pagar melhor os funcionários

Cristiano salienta que além da questão jurídica, o argumento da empresa não poder pagar os reajustes não se justifica, pois ela possui faturamento próprio, não sendo dependente financeiramente da prefeitura.

"O MPT concorda com o nosso posicionamento que a prefeitura poderia sim conceder o reajuste dos salários ou de benefícios. Importante mencionar que a Procempa nos últimos três anos teve lucro. No último ano, foram mais de 7 milhões de reais (em 2020)", afirma Cristiano.

Ele lembra que foi proposto que a empresa pagasse somente os valores que já estavam definidos em acordos coletivos anteriores, algo que, segundo ele, foi feito com os trabalhadores da EPTC. "A EPTC, integrante da administração municipal, obteve acordo com os seus trabalhadores de ajuizar dissídio coletivo somente da sua pauta econômica, isto é, a reposição da inflação nos salários e benefícios. Nos propomos fazer a mesma mediação, mas a resposta da empresa foi não", explica.

Ressalta também que a empresa paga imposto de renda sobre os valores que restam além daquilo que é gasto, e que, na sua posição, a empresa não deveria contabilizar esse valor como "lucro", devendo esse valor ser totalmente reinvestido dentro da empresa, para melhorar seus serviços, exigência que está no seu estatuto.

"A empresa fica pagando imposto de renda sobre lucro, enquanto os trabalhadores já perderam em torno de 23% de seu poder de compra, com vários colegas técnicos abandonando a empresa. Está insustentável, a empresa precisando de mais trabalhadores para entregar os serviços nos prazos, ao mesmo tempo que nos deixa com 5 anos seguidos sem repor as perdas da inflação", reclama.

Ele repete que a Procempa tem condições financeiras para pagar, pelo menos, parte do reajuste, pois tem contratos em andamento de prestação de serviços. "O que estamos pedindo não chega nem perto de um aumento salarial, e sim de reposição de perdas nos salários."

Atual gestão da prefeitura está fragilizando a empresa que presta serviço indispensável

Essa situação levou os trabalhadores a optar pela realização de greve para pressionar a prefeitura. O dirigente sindical questiona ainda, dadas as devidas atitudes do governo municipal, quais seriam as intenções da atual gestão do prefeito Sebastião Melo (MDB) para com a empresa.

"A Procempa é alvo de um projeto de lei (PLE 003/21), que foi aprovado na Câmara Municipal, que tirou da empresa a função de supervisão dos serviços de TI e de aquisição de equipamentos. A Procempa tinha garantida por lei a sua função de realizar esse tipo de trabalho, sendo que as contratações de empresas privadas só aconteciam por intermédio da empresa, pois somos nós quem temos o conhecimento necessário para realizar ou demandar os serviços."

A alegação é de que, após 40 anos de existência e serviços prestados à administração pública municipal, seria a Procempa a maior conhecedora das necessidades e formas de realizar os serviços de TI. Ao serem passados esses serviços para empresas privadas, a prefeitura estaria pagando (por um serviço essencial e supervalorizado) para empresas privadas fazerem algo que a Procempa já faz com excelência.

Dessa forma, a companhia sai fragilizada, o que seria o objetivo da prefeitura, segundo o Sindppd, ao mesmo tempo em que não repõe as perdas salarias dos seus trabalhadores. Segundo Cristiano, com o atual quadro de perda de colegas, faltariam em torno de 70 pessoas para poder entregar os serviços contratados da empresa. Outra reivindicação da categoria é a realização de concurso público para repor essas saídas.

A afirmação de Cristiano Ribeiro vai no mesmo sentido da fala de Ormar Rosa, trabalhador da Procergs, no momento em que os trabalhadores de TI do estado também entraram em greve por motivos semelhantes. O drama vivido nas duas empresas é semelhante, e faz parte de um mesmo movimento: em um momento que o mercado de TI está aquecido, em que há cada vez mais exigências para a implementação de serviços relacionados à área, a falta de remuneração para os trabalhadores do serviço publico, os faz buscar postos de trabalho na iniciativa privada.

O fato se torna ainda mais grave em um momento de pandemia, onde se exige rapidamente a transição de diversos serviços públicos para o meio digital. Estando as empresas públicas estranguladas por leis que limitam os gastos, o serviço prestado à população perde gradativamente seus trabalhadores mais qualificados. Segundo Ormar Rosa, cada competência e habilidade que se perde com uma trabalhador que vai embora é como se "abrisse uma ferida no serviço público".


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Edição: Katia Marko