Paraná

Solidariedade

Famílias camponesas do PR doam 52,8 toneladas de alimentos em Guarapuava e Pinhão

Bispo da Diocese de Guarapuava, Dom Amilton Manoel da Silva, fez a benção dos alimentos, no sábado (29)

Curitiba (PR) |
Alimentos chegaram a mais de 3.400 famílias de bairros periféricos - Foto: Valmir Fernandes/MST-PR

Mais de 3.400 famílias de bairros periféricos de Guarapuava e Pinhão receberam, no sábado (29), alimentos frescos partilhados por 45 comunidades rurais de sete cidades da região centro-sul do Paraná. Os alimentos vieram de camponeses e camponesas acampados, assentados, posseiros e faxinalenses, que reuniram 52,8 toneladas de comida, a maior parte produzida sem uso de agrotóxicos.

O Bispo da Diocese de Guarapuava, Dom Amilton Manoel da Silva, fez a benção dos alimentos em frente à Paróquia São Pedro e São Paulo, no bairro Xarquinho, ao lado do padre Altair Fernandes Correa. O líder religioso enfatizou a urgência dos atos de solidariedade para socorrer quem enfrenta a fome.

“Partilhando o pouco que temos, nós vamos fazer o muito acontecer na vida das pessoas [...]. Que esse gesto bonito que está acontecendo aqui possa ser a expressão no dia a dia de tantas partilhas de dons, dos bens e do tempo que podemos fazer em prol de um mundo novo, e de nossos irmãos mais curados, seja da Covid-19, e de tantos outros vírus que impedem os filhos e filhas de Deus de viver o amor, a paz e a fraternidade entre si”, disse o Bispo. 


Dom Amilton Manoel da Silva fez a benção dos alimentos antes da doação / Leonardo Henrique/MST-PR

Com diversidade de 62 tipos de produtos, entre eles feijão, arroz, mandioca, abóbora, pinhão, frutas, legumes, hortaliças e 1200 pães caseiros, cada sacola entregue às famílias urbanas pesou pelo menos 15 quilos de alimentos diversos. Em Guarapuava, as doações chegaram aos bairros Paz e Bem, Xarquinho, Residencial 2000, Jardim das Américas e Colibri. Já em Pinhão as entregas foram nos bairros Colina Verde, Ouro Verde e Invernadinha.

A iniciativa faz parte da campanha nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para doar alimentos a quem enfrenta a fome neste período de pandemia. José Damasceno, integrante da direção estadual do MST, relaciona as ações solidárias aos objetivos do movimento: “Tudo isso que nós estamos vendo aqui expressa um projeto de sociedade. E a grande maioria do povo brasileiro almeja, que é uma sociedade que se alimenta bem, com diversidade e qualidade, sem veneno e sem agredir o meio ambiente, que é fundamental”, afirma. 


Alimentos chegaram a mais de 3.400 famílias / Leonardo Henrique/MST-PR

“Esse gesto de plantar, cultivar e colher para doar é de uma dignidade e de uma elevação muito grande do ser humano. Pra nós, tem uma simbologia muito forte, que é plantar, produzir comida, alimento saudável, e dividir com aqueles que mais precisam que estão sofrendo com essa pandemia”, completa Damasceno.

Nelson Preto, assentado na comunidade Nova Geração, de Guarapuava, e integrante da coordenação do MST na região, conta que cada família contribuiu com pelo menos 100 quilos de alimentos, por isso foi possível atingir a meta inicial da ação. “O método de participação com nossos acampados nós construímos juntos, debatendo em assembleia, que cada acampado, na época de seu plantio, já vai se planejando”, explica.

A ação também se somou à mobilização nacional pelo aumento do auxílio emergencial para 600 reais e ampliação do público que recebe; por vacina para toda a população brasileira já, e pela saída de Jair Bolsonaro da presidência da república. 


Ação se somou à mobilização nacional por auxílio emergencial de R$600, vacina já e pelo impeachment de Bolsonaro / Leonardo Henrique/MST-PR

Tempo de Covid em alta e falta do "feijão pra pôr na mesa"

A ação solidária ocorre no momento em que Guarapuava, maior cidade da região centro-sul do estado, enfrenta a pior onda da Covid-19 desde o início da pandemia. Com o aumento do número de casos, a necessidade de ampliação das medidas de isolamento e políticas de auxílio insuficientes, a fome também cresce na cidade. Pelo menos 15 mil famílias vivem em situação de baixa renda, pobreza ou extrema pobreza na cidade, conforme dados da prefeitura. A situação é reflexo do que ocorre em todo o país.

Marilene Terezinha Silva Lima era a primeira pessoa na fila para receber o kit de alimentos, na comunidade Xarquinho. “O emprego está difícil. Eu achei muito bonito o gesto de vocês, de virem repartir com nós aqui. Deus abençoe muito vocês. Pra mim esse alimento significa muito, porque conforme as coisas a gente não pode mais comprar, tudo caro. Carne a gente não come direto, está muito caro. Vai com 100 reais no mercado e não dá nada mais”, disse.   


Marilene era a primeira da fila em um dos bairros de Guarapuava / Leonardo Henrique/MST-PR

As dificuldades se repetem na casa de Orivaldo Rodrigues Lima, que vive com a esposa e a filha, todos desempregados e sem vacina. “Estou catando reciclado pra poder sobreviver”. “Na  verdade, você vai no mercado e o salário não dá pra comprar mais. [...] Essa comida vai dar pra uma porção de dias. Tem quantos que às vezes não tem nem um pouco de feijão pra pôr na mesa”. A família do seu Orivaldo já recebeu os alimentos doados por camponeses do MST. “A gente agradece muito o produtor que produziu esses alimentos, que dê saúde para eles e produzam cada vez mais”.

Comunidades querem regularização fundiária

Se na cidade o desafio da população empobrecida é garantir renda, moradia, direito de não precisarem se expor à Covid-19, no campo a luta do povo camponês é pelo direito de permanecerem em cima da terra onde vivem há anos. A maior parte das 45 comunidades que se uniram para a doação está em territórios onde havia latifúndios improdutivos ou grilados, explorados por madeireiras ou latifundiários. Hoje são territórios de fartura e vida digna para milhares de famílias camponesas, que lutam por regularização fundiária.

É o caso da comunidade onde vive Ivete Sartori Fernandes, moradora do acampamento Encontro das Águas, em Guarapuava. Enquanto segurava alguns dos feijões produzidos no local, Ivete contou que cada família do acampamento se organizou para colher e reunir os alimentos da Reforma Agrária. Um dos inúmeros atos transformadores de união da classe trabalhadora é a partilha de comida, por isso se diz que comer é político.

"É um prazer poder doar o que a gente plantou e está colhendo”, resume a camponesa, integrante da coordenação da comunidade. "Por mais que sejamos pobres, o pouco que temos dá para dividir com quem está passando necessidade; enche nossos corações de alegria”, garante a agricultora. 


Agricultora Ivete Sartori Fernandes / Leonardo Henrique/MST-PR

Já a família de Sueli da Silva e Pedro Brassi é exemplo do resultado da luta pelo direito à terra. Há 38 anos eles vivem no assentamento Ilhéus, com vista para o rio Cavernoso, em Candói (PR). Antes de viverem na região, o casal foi despejado das ilhas do rio Paraná devido às enchentes do Itaipu. Em 1983, chegaram a Candói com mais 79 famílias.

"Tinha agricultura, veículos, galpões; perdemos tudo, inclusive as casas", contam. Mas, agora em Ilhéus, o casal planta diversos alimentos como arroz, feijão, milho e laranja. Os alimentos são para consumo próprio e sustento, além de doações à classe trabalhadora da região. "A pessoa ser solidária enaltece o assentamento, o trabalho da reforma agrária. Produzir alimentos e todo mundo se ajudando é muito bom", diz a família.


Camponeses Sueli da Silva e Pedro Brassi / Leonardo Henrique/MST-PR

Esta é a terceira vez que as comunidades da região se unem para doar parte de suas produções a quem mais enfrenta as consequências da crise econômica durante a pandemia. Na primeira ação, realizada no dia 30 de maio de 2020, foram doadas 51 toneladas de alimentos.

Edição: Lia Bianchini