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Coluna

Dia Mundial do Meio Ambiente: “Não há o que comemorar”

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Ato do Dia Mundial do Meio Ambiente em Brasília em 5 de junho de 2021 - Foto: Tiago Rodrigues
Queremos reconhecer a fortaleza da resistência e da organização popular por Justiça Ambiental

“Não há o que comemorar”. É o que nós ambientalistas reafirmamos a cada 5 de junho. Se considerarmos os motivos que levaram à criação do Dia Mundial do Meio Ambiente, em 1974, desmatamento, desertificação, utilização de químicos tóxicos, mudanças climáticas, não há avanços que possamos considerar significativos, seja em termos de governança global ou de políticas públicas em níveis locais.

Um exemplo é o Acordo de Paris que, como Amigos da Terra Internacional, denunciamos como um acordo limitado incapaz de abordar as causas estruturais das mudanças climáticas.

Não há, ou há pouco o que comemorar nesse sentido. Mas, como todas as datas estabelecidas internacionalmente pelos movimentos populares ou ressignificadas pelos mesmos, o Dia Mundial do Meio Ambiente deve ser um dia de conscientização e de disputa política.

Se algo devemos celebrar é o avanço das nossas lutas e articulações por Justiça Ambiental nos níveis local, nacional e global. A aposta nesta longa luta é o que nos permitirá ter, em relação às nossas pautas, conquistas cada vez maiores no futuro. 

A evolução da luta por justiça ambiental

Este ano, a Amigos da Terra Internacional (ATI) completa 50 anos. A federação presente em 73 países nasceu alguns anos antes da Organização das Nações Unidas (ONU) estabelecer a data de  5 de junho.

De lá pra cá, tanto nas organizações e movimentos do Sul Global como de todo o mundo, só tem crescido a compreensão de que o capitalismo, em sua fase neoliberal que se radicalizou nas últimas décadas, se encontra nas raízes dos problemas socioecológicos.

Para a ATI, “é fundamental entender e enfrentar as causas estruturais das crises socioecológicas sistêmicas, como a crise climática, da biodiversidade, alimentar, da água, dos cuidados, da desigualdade e a atual crise sanitária", ressalta Karin Nansen, presidenta da federação.

"Isso significa lutar contra um sistema que prioriza a acumulação de capital em detrimento dos direitos dos povos e dos sistemas ecológicos que sustentam a vida. O sistema capitalista, patriarcal e racista é baseado na exploração da natureza, da classe trabalhadora e do corpo e trabalho das mulheres, e em sistemas de opressão”.

A evolução dessa elaboração no ambientalismo mundial também tem a ver com seu desenvolvimento a partir das comunidades e populações mais atingidas pelo modelo predatório.

Nas últimas décadas, o crescimento das vozes e da organização das comunidades atingidas pelo avanço de megaprojetos energéticos, de mineração e do agronegócio, tem sido enorme, e um eixo fundamental das lutas.

Enfrentando a expulsão e perda de territórios, e a contaminação por agrotóxicos e metais pesados na água, ar e terra, organizações locais se fortalecem e passam a integrar redes nacionais e regionais. Das lutas nos territórios surgem lideranças que também se tornam pensadores e pensadoras das lutas populares por Justiça Ambiental.

São vozes tão importantes que se erguem e desafiam com força grandes projetos usurpadores, que o sistema entende que precisam ser silenciadas. De Chico Mendes e os dezenove trabalhadores sem-terra de Eldorado do Carajás a Berta Cáceres e Nilce de Souza Magalhães, as empresas transnacionais no Sul Global, e especialmente na América Latina, continuam fazendo uso da violência extrema contra os e as maiores defensoras dos bens comuns em nossos territórios.

E continuam fazendo uso, porque a violência é parte intrínseca do modelo. Sem ela, megaprojetos e agronegócio não avançam. É o capital contra a vida, como nos ensina a economia feminista. 

As perdas são irreparáveis, mas o silêncio não é imposto. Diante das atrocidades em muitos de nossos países, uma frase se tornou comum e ecoa em cada luta na América Latina: tentaram nos enterrar, mas não sabiam que éramos sementes.

A crise política que estamos enfrentando, explica Karin, “é resultado da ofensiva da direita que fortalece os sistemas de opressão e promove o desmonte dos direitos conquistados através das lutas".

"As corporações transnacionais que exercem cada vez mais controle sobre a política e a tomada de decisões também são responsáveis ​​pela deterioração da democracia”, ressalta.

Com todas essas dores, as lutas, resistências e construções se reproduzem e se consolidam na região. Organizações, redes e articulações camponesas, indígenas, quilombolas, de mulheres rurais e urbanas têm se tornado referências, não só em lutas locais como nas lutas contra retrocessos ou por grandes mudanças em nível nacional, como aconteceu recentemente com nossos irmãos e irmãs chilenas, que vão rumo a criar uma nova constituição que deve incorporar bandeiras da Justiça Ambiental, e bolivianas, que conseguiram reverter um duro golpe contra sua soberania e seu processo de mudanças históricas. 

No Brasil, é esperançador o crescimento e a relevância que cada vez mais vêm adquirindo organizações indígenas e quilombolas locais, assim como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) enquanto articulações nacionais.

Durante o primeiro ano do nefasto governo atual, as organizações indígenas realizaram a primeira Marcha das Mulheres Indígenas no Brasil, numa demonstração de força indígena histórica no país, junto com as trabalhadoras rurais da Marcha das Margaridas.

A Conaq é uma das entidades que vem lutando contra o enorme desmonte promovido na área ambiental e contra os povos tradicionais. Do lado mais urbano, nossos aliados do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) têm se consolidado como organização popular nacional de luta pelo direito à moradia e, durante a pandemia, sua luta por direitos básicos só tem se fortalecido, a exemplo das Cozinhas Solidárias.

Com relação às denúncias das renovadas armadilhas da Economia Verde, o Grupo Carta de Belém, do qual fazemos parte como Amigos da Terra Brasil, tem sido uma referência importante, denunciando todo o avanço dos mecanismos de financeirização da natureza e as falsas soluções que empresas transnacionais promovem para fazer negócios com a crise climática, sem resolvê-la e criando ainda mais problemas.

Já o maior movimento popular da América Latina e um dos maiores do mundo, o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem se tornado um exemplo para o mundo dos resultados da luta pela Reforma Agrária Popular e a Soberania Alimentar.

Além de ser o maior produtor de arroz orgânico da região, o MST avança no diálogo dessas pautas com as áreas urbanas por meio dos espaços de Armazéns do Campo. Nessa mesma toada, a MMM (Marcha Mundial das Mulheres) vem apostando e gerando acúmulo na articulação entre as lutas e a auto-organização das mulheres do campo e da cidade.

“Nossa forma de organização e nossas alianças estratégicas com a MMM e a Via Campesina nos permitem fortalecer a resistência e a luta contra as crises sistêmicas e opressões, assim como avançar na convergência de agendas políticas e na construção de iniciativas populares emancipatórias", afirma a presidenta da ATI.

"Junto às comunidades e aos movimentos sociais aliados, nossos grupos vêm construindo as verdadeiras soluções dos povos. Eles mostram que é possível enfrentar as crises sistêmicas e socioecológicas a partir da justiça ambiental, social, econômica e de gênero”.

Elaborações populares

Os avanços das últimas décadas têm a ver com as lutas nos territórios, mas também com as elaborações que construímos.

É sempre importante lembrar que foi a Via Campesina quem desenvolveu e estabeleceu o conceito fundamental de Soberania Alimentar, que hoje serve de guia e bandeira para tantos processos de construção de Reforma Agrária e Soberania Alimentar em países do mundo inteiro.

Entre a polinização das lutas, a aliança com a MMM para ATI tem sido fundamental, como explica Karin: “Graças à audaciosa e histórica luta dos movimentos feministas em todo o mundo, há um maior entendimento de que o trabalho do cuidado é fundamental para a sustentabilidade da vida e que, portanto, é necessário reverter a divisão sexual do trabalho e a dicotomia entre trabalho produtivo e reprodutivo, bem como conquistar autonomia das mulheres”.

A evolução das compreensões políticas partem das alianças que se forjam em lutas concretas. Um exemplo tem a ver com a construção do eixo de justiça econômica e resistência ao neoliberalismo na Amigos da Terra Internacional.

Como explica Karin, “foi a luta contra a OMC [Organização Mundial do Comércio] que permitiu que o conjunto da federação desenvolvesse uma análise político-econômica aprofundada sobre os impactos e ameaças da globalização neoliberal para a justiça ambiental e a realização dos direitos de nossos povos; bem como compreender as estratégias dos países centrais para , em aliança com as empresas transnacionais, impor regras aos países do Sul que violem sua soberania na definição de políticas públicas em benefício de seus povos, meio ambiente, soberania alimentar, saúde pública, serviços e empresas públicas”.

Em diversos desses aspectos mencionados, os retrocessos nos últimos anos vem sendo enormes e muito perigosos. Essa realidade é particularmente mais intensa no Brasil.

Por isso, o momento é de fortalecer a aposta na unidade popular das nossas lutas, com o objetivo de nos solidarizar com as populações mais atingidas pela crise atual, mas também com a urgência de barrar desmontes que têm o potencial de colocar os territórios e as populações que os defendem em riscos irreversíveis.

Confira também vídeo do Ato do Dia Mundial do Meio Ambiente em Brasília em 5 de junho de 2021.

*No dia 5 de Junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, e que também marcou os 50 anos da Amigos da Terra Internacional, a Amigos da Terra Brasil (ATBr) lançou a publicação Do campo à cidade: histórias de luta pelo direito dos povos à terra e à vida . Confira!

***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko