Rio Grande do Sul

Ensino Domiciliar

Artigo | Lugar de criança é na escola: Não à educação domiciliar!

Modalidade não é permitida no Brasil, conforme Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente e outras leis

Sul 21 |
"É a negação de um direito da criança" afirma parlamentar - Imagem de Steven Weirather por Pixabay

É grave a ofensiva do “Homeschooling” ou Ensino Domiciliar que foi aprovado na CCJ da Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (10), e também na Assembleia Legislativa do RS na última terça. Seja em âmbito estadual ou nacional, a educação domiciliar pode prejudicar gravemente as crianças e adolescentes do Brasil.

Antes de tudo é preciso lembrar que no Brasil esta modalidade de educação não é permitida e o entendimento tem resguardo na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (Art. 55) [1], no Artigo 6° da Lei de Diretrizes e Bases Educacionais [2], e ainda no Código Penal brasileiro, em seu artigo 246 [3].

A Constituição Federal, carta magna brasileira, estabelece a educação como direito universal sendo dever do Estado, da família e da sociedade de forma colaborativa. Ou seja, uma responsabilidade compartilhada, que reconhece o papel fundamental do ambiente escolar na formação intelectual.

Por isto é importante ressaltar a inconstitucionalidade do PL 3262/19, aprovado na CCJ da Câmara, e que deverá passar pelo Plenário. Ao descriminalizar a prática exclusiva pela família, o PL acaba regulamentando o Ensino Domiciliar no Brasil. Para além disto, considero uma violência simbólica tratar um tema educacional sob o âmbito do Código Penal, quando na verdade o Brasil tem uma legislação extensa e que deveria respeitar o amplo debate como condição precípua para admitir qualquer alteração na legislação.

Não há educação possível sem o ambiente escolar e todas as dimensões que nele coexistem. É na escola, por exemplo, que crianças e adolescentes constroem o saber, suas personalidades e se entendem como sujeitos de direitos, numa relação de troca de saberes com educadores/as e outros alunos/as. Neste processo, a convivência com vários atores auxiliam crianças e adolescentes, orientando seus processos de aprendizado.

Também é importante ressaltar que privar o direito fundamental das crianças e adolescentes do ambiente escolar pode aliená-las de direitos como, por exemplo, uma alimentação segura, pois, com a volta da fome a escola, para muitos e muitas, também é lugar de refeição garantida. Além disto, poderemos estar acobertando violências físicas, abusos psicológicos e sexuais. Os números mostram que mais de 70% dos casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes são praticados por pais, mães, padrastos ou outros parentes das vítimas. Em mais de 70% dos registros, a violência foi cometida na casa do abusador ou da vítima. Professoras e professores são as mais importantes referências infantis para denunciar situações anômalas vividas em casa.

Então, nada mais conveniente àqueles que cometem crimes gravíssimos como pedofilia, ou violências de todo o tipo, que privar crianças e adolescentes do convívio, para impedir o mundo de ver a violência que sofrem.

O quadro muda na escola. As trabalhadoras(es) em educação, como professoras(es), psicólogas(os) e orientadoras(res) educacionais, que atuam no ambiente escolar, possuem formação profissional que dá conta de identificar possíveis abusos contra crianças e adolescentes e estão inseridos em uma rede que tem contato direto com os Conselhos Tutelares e os órgãos de justiça. Portanto, a possibilidade de um grande número de crianças e adolescentes fora do ambiente escolar tende a potencializar a violência e exploração sexual.

Lugar de criança é na escola e escola é meio de inserção no mundo. Local para conhecer a diversidade cultural e humana e ter compreensão da diversidade de pensamentos existentes no mundo.

Em resumo, o papel da família na educação existe e é extremamente importante, mas não exclusivo. Não é possível confundir educação doméstica com educação escolar. Uma trata do cuidado no momento do nascimento, nos encontros, nas festas, na supervisão cotidiana e nos valores, que são inalienáveis ao ser humano. Mas esse aspecto é totalmente distinto da educação escolar que é papel do Estado e que pode ser compartilhada com a escola privada, desde que parte da rede regular de ensino.

Votamos contra o PL na CCJ e lutamos para que seja vetada pelo governador Eduardo Leite a Lei aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado. Defendemos a escola como o espaço democrático de construção da sociabilidade, do saber, da solidariedade, da diversidade e do respeito.

[1] O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), no Art. 55 diz que os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.

[2] O Art. 6º da LDB ( lei 9394/96) reitera a obrigação que foi estabelecida pelo ECA que diz que é dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos menores, a partir dos sete anos de idade, no ensino fundamental.

[3] O Código Penal, também, assegura que será considerado crime de abandono intelectual: – “Art. 246. Deixar, sem justa causa, de prover a instrução primária de filho em idade escolar”. Pena de detenção de 15 (quinze) dias a 01 mês, ou multa.

(*) Maria do Rosário é professora, mestre em Educação e doutora em Ciência Política pela UFRGS. Foi Ministra de Direitos Humanos durante o Governo da Presidenta Dilma Rousseff. Atualmente é deputada federal.

* Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Sul 21