Rio Grande do Sul

TRANSPORTE PÚBLICO

Artigo | O ciclo vicioso e fracassado da política pública de ônibus de Porto Alegre

Governo Melo propõe retirada de cobradores, corte de benefícios tarifários, privatização da Carris e extinção do COMTU

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Além de pretender privatizar a Carris, prefeitura quer extinguir o Conselho Municipal de Transportes Urbanos - Foto: Leonardo Contursi

A responsabilidade pela gestão do transporte público urbano é definida na Constituição Federal como sendo dos municípios. Resta ao Poder Público municipal a formulação e o monitoramento da implementação da política de transporte urbano municipal. Em Porto Alegre, até 2015, não havia processo licitatório que regulamentasse o serviço de transporte público de ônibus. Foi a partir do Edital de Licitação de 2015 que o serviço passou a ser regulamentado, com requisitos mínimos, diretrizes futuras, metas, multas, entre outros dispositivos normativos. Atualmente, algumas empresas privadas operam três bacias operacionais (norte/nordeste, sul e leste) e a Carris, pública, opera as linhas transversais que cruzam a cidade.

O governo Melo, além de pretender privatizar a Carris, quer extinguir o COMTU. Previstos também pela Constituição Federal, os Conselhos são influentes espaços da sociedade civil nas decisões sobre as políticas públicas à nível municipal. Na Capital, temos o Conselho Municipal de Transportes Urbanos (COMTU), criado pela Lei Complementar nº 318 de 1994, cuja autoria na Câmara Municipal foi da então vereadora Maria do Rosário, e que tem por objetivo formular os Planos de Circulação de Transportes, as Diretrizes gerais para a formulação de políticas de transportes urbanos e monitorar os estudos tarifários e projetos alternativos de arrecadação e financiamento.

Atualmente, os 23 membros que compõem o Conselho são: os gestores das Secretarias do Poder Executivo; dos órgãos de planejamento, da Empresa prestadora do serviço (Companhia Carris Porto-Alegrense (CARRIS); do Orçamento Municipal; do segmento estudantil, de associações, sindicatos, departamentos de trânsito, outros conselheiros e agentes da segurança pública.

Embora tenha uma estrutura organizacional robusta e objetivos delimitados, o COMTU tem sido tratado pela base governista de Porto Alegre não como um instrumento de garantia da consecução do direito da população ao transporte; mas como um problema.

A necessidade de alteração do modelo falido da política de transporte público de ônibus da cidade não é uma novidade, nem um problema causado pela atual gestão do prefeito Sebastião Melo. Segundo especialistas, existem dois principais desafios na gestão municipal do transporte de ônibus que tem atravessado diferentes governos.

O primeiro é o controle público e a transparência. O desenho licitatório oferece um dos maiores gargalos do sistema, diversas brechas que abrem margem para discricionariedade irrestrita dos agentes e gestores. No ano passado, por exemplo, o governo Marchezan, em seu último ano de gestão e primeiro ano de pandemia, injetou quase 40 milhões de reais dos cofres públicos para amortizar os prejuízos sofridos pelas concessionárias decorrentes da pandemia (leia-se, a diminuição brusca do número de usuários em razão das políticas de distanciamento necessária para contar a circulação do vírus). Conforme é possível depreender, embora estejamos na presença de um processo licitatório, suas brechas oportunizaram essa decisão. Uma pergunta até hoje sem respostas é: como essa verba foi utilizada pelas concessionárias?

O segundo desafio posto é o financiamento do sistema de transporte público de ônibus. A tarifa não pode ser a única fonte de financiamento para o sistema, pois, assim, acaba-se onerando sempre o usuário que precisa e continua utilizando o ônibus mesmo com os sucessivos aumentos da tarifa. A causa desse problema é o desenho da forma de custeio do sistema, que é feito exclusivamente pela tarifa. Por isso, existe um ciclo vicioso fadado ao fracasso: o número total de passageiros diminui anualmente e, para compensar as perdas de arrecadação, as concessionárias repassam o aumento dos custos operacionais diretamente para os usuários do ônibus por meio do aumento do preço da tarifa; que, por consequência, afasta novos usuários de acessarem o sistema.

No entanto, diante dos desafios, a proposta do governo Melo para a reformulação da política na capital inclui a retirada de cobradores, corte de benefícios tarifários, privatização da Carris e a extinção do COMTU. Tais medidas não resolvem os problemas estruturais do sistema. Existe um impasse na atual política, entre o equilíbrio econômico financeiro das Concessionárias (Lei 8.666/1993) e a modicidade tarifária (PNMU e a PEC 90, que torna o transporte um direito social, promulgado no governo da Presidenta Dilma). Desde o início do Edital de licitação do transporte da cidade, o que prevalece é sempre o equilíbrio econômico financeiro das concessionárias, inclusive, com injeção de vastos recursos públicos nas empresas privadas; colocando, dessa forma, o direito social ao transporte público, o direito à livre locomoção e o direito à cidade, em detrimento do lucro dos empresários das concessionárias.

O prefeito Sebastião Melo assumiu um posicionamento de desresponsabilização, dizimando os traços do serviço público, entregando-o para a iniciativa privada, numa típica ação de gestores neoliberais, que diante de problemas estruturais em políticas públicas, transferem as responsabilidades pelas soluções para a própria população. Neste caso, quem tem dinheiro para pagar os aumentos consecutivos da tarifa acessa o ônibus; quem não tem, é excluído.

* Leonel Radde é vereador de Porto Alegre e policial civil do Rio Grande do Sul

* Maria do Rosário é deputada federal e doutora em Educação

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira