Pernambuco

Coluna

O Marco da Morte

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De acordo com o movimento, a Constituição Federal reconhece o direito dos povos sobre sua terra como originário, ou seja, anterior ao próprio Estado - Fábio Nascimento /MNI
Marco Temporal será o responsável pela expulsão de diversos indígenas dos seus atuais territórios

O Projeto de Lei 490, ultimamente em discussão na Câmara dos Deputados, altera o procedimento de demarcação das terras indígenas e institui o Marco Temporal, que será responsável pela expulsão de diversos indígenas dos seus atuais territórios. O PL tem por objetivo impedir a legitimidade da reivindicação de territórios indígenas pelos povos originários, pois exige a comprovação de que eles residiam no território na época da Constituição. Em outras palavras, o Projeto de Lei despreza o fato de que nos últimos 520 anos os povos indígenas foram expulsos das suas terras pelo genocídio, pelo garimpo e pelo Estado brasileiro. 

Além disso, o projeto prevê a expulsão dos indígenas do território, caso haja relevante interesse público da União ou interesse de garimpagem, bem como autoriza que as reservas sejam tomadas pelo Estado, caso se considere que os indígenas que ali habitam “perderam seus traços culturais”. Ainda, o projeto autoriza que a União mantenha contato forçado com os povos isolados, caso exista “interesse público”. Todas essas modificações não são previstas e nem autorizadas pela Constituição Federal. O texto-base do Projeto de Lei foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara por 40 votos a 21.

No final de junho deste ano, o Supremo Tribunal Federal iria realizar o julgamento da ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra a demarcação da TI Ibirama-Laklãnõ, onde vivem comunidades Xokleng, Guarani e Kaingang. A ação trata justamente sobre a inconstitucionalidade da tese do Marco Temporal que é atualmente defendida pelos ruralistas e pelo Governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados. O julgamento, no entanto, foi adiado para agosto. 

Caso o Supremo Tribunal Federal mantenha o entendimento de que a Constituição não pode servir como marco temporal, levando-se em conta a legitimidade de reivindicação dos povos originários pelos seus territórios, o PL 490 perde força entre os parlamentares, sendo, por isso, uma votação fundamental para garantir a preservação da cultura e o direito à vida dos povos originários. Com a votação no Supremo, vários casos que hoje em dia estão estagnados administrativamente e juridicamente serão levados a diante, permitindo a demarcação de diversos territórios. Caso o STF entenda pela aplicação do Marco Temporal, no entanto, poderá ocorrer diversas anulações de demarcações já existentes.

Os povos indígenas estão, desde o início de junho, mobilizados nacionalmente para lutar contra o Marco Temporal. Unem-se a eles diversas personalidades públicas e entidades internacionais. De acordo com o movimento, a Constituição Federal reconhece o direito dos povos sobre sua terra como originário, ou seja, anterior ao próprio Estado. Constitucionalmente falando, realmente não há dúvidas. O Marco Temporal é uma teoria que só ganhou força por conta do poder aquisitivo e político da garimpagem e do agronegócio, com a intenção de consolidar as invasões nos territórios indígenas e a expulsão de lá do seu povo originário.

Mesmo com todas as perdas que os indígenas sofreram no último ano de pandemia, principalmente diante do descaso do Governo Federal que resultou em morte e em fome de muitos deles, os indígenas permanecem na luta pela preservação das suas histórias, das suas culturas e das suas vidas. 

Infelizmente, o resto da sociedade civil brasileira não parece suficientemente espantada com os absurdos vividos no último período em razão da política de morte de Jair Bolsonaro e, tampouco, parece compreender a perda ambiental que representa a retirada dos povos originários de suas terras. De acordo com diversas pesquisas internacionalmente reconhecidas, são os indígenas quem melhor protegem a floresta e o ecossistema. Tal proteção é essencial para a manutenção da vida na Terra, prevenindo secas que resultam em incêndios florestais, bem como contribuindo com a manutenção climática do planeta.

De 22 a 28 de agosto, período em que ocorrerá a votação no Supremo Tribunal Federal, os povos indígenas voltarão à Brasília no Acampamento Luta pela Vida – Nossa história não começa em 1988. Marcham não apenas por suas terras, mas também pela preservação da saúde e do meio ambiente mundial. São, talvez, os maiores guardiões da dignidade de não desistir da vida, pois há 520 anos sobrevivem ao genocídio. Com luta, nos ensinam que sobreviverão também ao Genocida.

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal

Edição: Vanessa Gonzaga