Ceará

Covid-19

Artigo | O marco de 100 mil mortes foi nosso atestado de óbito

Cada uma das milhares de mortes brasileiras foram mortes evitáveis.

Brasil de Fato | Juazeiro do Norte (CE) |
"Contamos com um sistema de saúde público e universal, unidades de saúde da família espalhadas por todo o Brasil e um verdadeiro exército de agentes de saúde para acompanhar as pessoas" - Foto: Divulgação Rio da Paz

No dia oito de agosto de 2020 o Brasil atingiu a horrorosa marca de 100 mil mortes pelo novo coronavírus. Se nós fizéssemos um minuto de silencio por cada uma das 100 mil mortes, seriam 70 dias sem falar. Nesse mesmo dia, Cuba ficaria pouco mais de uma hora, já o Vietnã ficaria apenas 10 minutos em silêncio. Esse pequeno exemplo serve para nos mostrar que cada uma das milhares de mortes brasileiras foram mortes evitáveis, pessoas que poderiam estar conosco agora, nossos pais, mães, irmãs, amigos, poderiam estar vivos. 

Nós nos resignamos, nos demos por vencido, achamos que o comércio não devia fechar, achamos que seria apenas uma gripezinha, nós dissemos que apenas os países ricos poderiam conter o vírus. O mundo revelou o contrário, os Estados Unidos e o Reino Unido, dois dos países mais ricos do mundo, também são os países com mais mortes pela covid-19. Não foram os recursos e o dinheiro que venceram o vírus, o que venceu foi o compromisso dos governos e do povo com a ciência e com a solidariedade. 

Os casos de Cuba e do Vietnã, países com renda bem menor que a nossa e estruturas de saúde limitadas, mostram que nós poderíamos ter vencido. O Vietnã fez seu dever de casa, aprendeu com os erros e acertos da vizinha China e investiu massivamente na tríade de sucesso: testagem, rastreio e isolamento. Chegou a fechar e testar cidades inteiras para conter o vírus. As regras de isolamento rígidas e a comunicação eficiente do governo com a população, permitiram o país com quase 100 milhões de habitantes ter a ínfima marca de 10 mortes pelo novo coronavírus, quando nós tínhamos 100 mil.  

A frase “Vá pra Cuba!” tanto dita pelos grupos bolsonaristas nunca pareceu tanto um elogio como nessa pandemia. A Ilha colocou à prova sua medicina mundialmente famosa, cada bairro com uma equipe de saúde da família que trabalhou na busca de porta em porta e no acompanhamento dos casos suspeitos. Uma saúde próxima à população permitiu Cuba ter um combate eficiente e barato, e assim, sair do confinamento ainda no início de julho e hoje contar com um dos menores números de mortes das Américas. 

Esses exemplos provam que nós tínhamos as ferramentas necessárias para barrar essa pandemia e evitar as centenas de milhares de mortes, o SUS seria nossa grande carta na manga. Contamos com um sistema de saúde público e universal, unidades de saúde da família espalhadas por todo o Brasil e um verdadeiro exército de agentes de saúde para acompanhar as pessoas.

No entanto, como um corpo sem cabeça não funciona, todo esse aparato de guerra sem uma coordenação nacional não foi usado como deveria. E não apenas as questões de saúde, mas não foram dadas as condições para as pessoas ficarem em casa, nada aconteceu. O auxílio emergencial não chegou a tempo da fome, e às vezes nem chegou, não chegou crédito para as empresas, não chegou respiradores para os hospitais. Só chegou o vírus, onde ele nunca deveria ter chegado. 

As 100 mil mortes não é uma fatalidade, é o resultado direto de uma política contra a ciência e contra o povo. Parece que o Bolsonaro torce pelas mortes e joga no time do vírus. Dar ouvidos à ciência e às necessidades do seu povo era o único caminho a se percorrer. Não há mais chances de vencer o coronavírus no Brasil, nós perdemos, e todas os pais que choram por seus filhos não nos deixam negar isso, o que nos resta é tentar seguir esses exemplos de sucesso para evitar uma tragédia ainda maior. 

* Integrante da Rede de Médicos e Médicas Populares no Ceará

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Monyse Ravena