Rio Grande do Sul

Opinião

Artigo | Transparência

O que está acontecendo no Brasil e é revelado pela CPI é simplesmente criminoso

Sul 21 |
CPI da Covid, no Senado Federal - Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

A falta de transparência no trato da coisa pública é um dos temas mais recorrentes na história política do Brasil. Atualmente, por conta da pandemia de Covid, da CPI correspondente e do covil de misteriosos militares em que se transformou o Palácio do Planalto, o tema se tornou crucial. Infelizmente, o que acontece ali, não se trata de uma comédia pastelão, mas de um desgoverno responsável por mais de 500 mil brasileiros mortos. Os personagens que parecem oferecer vacinas e foram recebidos pelo General da ativa, então Ministro Eduardo Pazuello, e seus coronéis de preferência, são dignos de comédias da década de 1950, de Oscarito e Grande Otelo, ou dos inesquecíveis Gordo e Magro (com o perdão destes grandes comediantes).

O que está acontecendo no Brasil e é revelado pela CPI é simplesmente criminoso. Estamos sendo vítimas de um bando de pessoas muito pouco críveis como cidadãos que cumprem leis, para dizer o mínimo. Apesar de tudo, este governo é transparente e a transparência se estende às classes economicamente poderosas que o sustentam. Também alguns setores populares de classe média ainda o defendem, mas nesse caso a transparência não chega até eles.  

Vamos aos fatos.  O Presidente da República tem um problema de saúde e necessita de internação. Não interessa se o problema é falso ou verdadeiro, nem se é grave ou não, mas foi construído como grave, exigindo inclusive a remoção para São Paulo. E aí começa a transparência.

Não há dúvida de que a cidade de São Paulo tem os melhores hospitais e médicos do país. O complexo do Hospital das Clínicas, entre os públicos, o Albert Einstein e o Sírio Libanês, entre os privados, se destacam pela qualidade de seu corpo médico e científico. Mas o Presidente da República se internou em algo chamado Vila Nova Star.  Isto é nome de hospital? Que cientista colocaria em um hospital um nome que lembra cassino em Vegas ou hotel do subúrbio de Miami?

Ora, isto é transparente, a burguesia, a classe média alta e as celebridades no Brasil dividem, em sua grande maioria, duas características: a breguice e a ignorância. Por exemplo, na cidade em que moro, há uma clínica especializada em exames de imagem que se chama Dior. Pensei, ingenuamente, ser uma abreviatura de Diagnóstico alguma coisa, mas não, é Dior em referência ao costureiro francês. Diversos profissionais da área para os quais mencionei o estranho fato me responderam alegremente: chique, não? Bem, aqui está uma transparência: os eleitores do capitão acham chique estarem em um hospital chamado Star ou fazerem exames de imagem em uma clínica chamada Dior. 

Dai não ser difícil entender por que Bolsonaro é presidente: entre outras coisas, porque a burguesia e a alta classe média brasileira têm um gosto, um entendimento das coisas que chega, no máximo, ao requinte dos condomínios com cascatas coloridas na Flórida. A ignorância no Brasil não está nas camadas populares, que são criativas em suas duras formas de sobrevivência, na organização de suas comunidades, em suas expressões culturais e até no modo como, no desespero, pedem dinheiro na rua.  Não lhes deram chance de educação formal, mas há uma sabedoria para sobreviver neste descalabro injusto chamado Brasil que precisa ser canalizado para acabar com a esbórnia.

As classes altas, no entanto, carecem de sabedoria. O escândalo não para por aí, o Presidente da República passeia pelos corredores do Vila Nova Star sem máscara. Vejam bem, é um hospital da elite econômica, o capitão não se vacinou e sofre de uma doença (verdadeira, fictícia ou metafórica) que tem relação direta com fezes. Ora, dirão os apoiadores, esvaziaram todo o corredor, todos os apartamentos para o presidente caminhar. Pior a emenda que o soneto:  seu passeio pelos corredores está muito além do desrespeito. O fato de o capitão andar  sem  máscara pelo hospital é uma cusparada na cara de todos que lutam para sobreviver mesmo na pobreza,  sem dinheiro para comprar o pão de cada dia; é deboche de um ser sem qualidades  às famílias que viram seus entes queridos morrerem nas portas de hospitais lotados; é um  delírio de poder só visto em experiências totalitárias, onde o todo poderoso ameaça a vida de seus concidadãos. Mas não estamos em um regime totalitário (ainda). No hospital com nome de cassino deve haver um bom corpo médico, por que permitem que tal cena estúpida aconteça? Será que a Globonews deu a resposta certa desta vez (o que raramente faz), ao dizer que é um hospital novo e quer disputar com os anteriormente citados as classes abastadas da paulicéia desvairada? Aparecer na TV o tempo todo é o que importa?  Nada mais transparente. 

Para não dizer que não falei de política, outra transparência: quem está governando o Brasil hoje não é nem o Capitão presidente, nem o General vice. Um trata o intestino no All Star (ficaria melhor assim) e o outro viajou para Angola. Alguém se deu conta de que não temos governo, legalmente falando? O legislativo se manifestou sobre isto? O STF se manifestou? Elementar, o Brasil continua desgovernado pelos militares de plantão no Planalto, os que assinam manifestos e os que compram vacinas de meliantes nos gabinetes ministeriais. 

Onde isso vai dar? Quem viver verá.

*Professora Emérita da UFRGS; Cientista Política; Professora convidada do PPG de História da UFRGS

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Sul 21