Rio Grande do Sul

Coluna

Os preconceitos, a ignorância, a beleza e o chamado da natureza

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"A lógica instrumental que cria os biocidas e as reações que a ela se opõem serviriam como analogia para explicar o que observamos neste Brasil de Bolsonaro? Penso que sim." - Foto: Ivan dos Anjos
Ela [Rebeca] é um ser luminoso, assemelhado a tantos que este governo considera descartáveis

Na margem de áreas queimadas por herbicidas, encontramos plantas que resistem ao veneno. Elas indicam reações contra a morte e revelam a importância do aprendizado e da evolução adaptativa, em favor da vida. Elas apontam o caminho da existência.

A agroecologia recomenda que observemos com atenção a estes recados da Natureza. E vai além. A agroecologia afirma que devemos assimilar, incorporar e aplicar estes ensinamentos, como parte estruturante dos deveres que acompanham nossa razão de ser.

No exemplo da “planta roxa” se oculta um encadeamento que explica não apenas porque os herbicidas queimam os vegetais, como também as reações biológicas que determinam o surgimento de espécies imunes àqueles venenos.

Aliás, a lógica instrumental que cria os biocidas e as reações que a ela se opõem serviriam como analogia para explicar o que observamos neste Brasil de Bolsonaro?

Penso que sim.

Vejam que o agronegócio interpreta o surgimento de plantas que resistem a seus venenos, como um processo de “seleção negativa”, posto que contraria a seus interesses. Ao mesmo tempo, e deixando de observar que é o uso dos agrotóxicos que provoca aquela reação natural, os defensores do agronegócio tratam de aprovar novos venenos, com a pretensão de assim controlar os problemas por eles criados. Mas a natureza não se submete, e faz emergir novas espécies improváveis, mais e mais poderosas em sua energia vital.

E desta forma, apenas no governo governo Bolsonaro, já temos 1.257 “novos agrotóxicos”, de uso autorizado no Brasil.

Boa parte deles, são verdadeiros “lixos tóxicos”, proibidos em outros locais do planeta. Mas isto não vem ao caso, para os donos dos poderes constitucionais, que se deliciam com as exportações do agro que é pop. O que importa, para eles, é a fantasia de que neste ano de safra recorde, “o Brasil, além de alimentar adequadamente sua população de 212.235 milhões de pessoas”, estaria garantindo o abastecimento de mais aproximadamente meio bilhão de humanos.

Naturalmente, desconsideram o fato de que no coração do agronegócio brasileiro, algumas pessoas na fila para doação de ossos, semana passada, comiam cru, ali mesmo, os restos que recebiam do açougueiro. Também não vem ao caso, para eles, o fato de que este modelo, ao mesmo tempo em que produziu 20 novos bilionários, criou uma multidão de miseráveis, onde perambulam 19 milhões de famintos, e onde pelo menos 116 milhões de brasileiros vivenciam a tal de insegurança alimentar.

Há uma orientação programática nesta contraposição de discursos opostos, aplicados a um mesmo fato?

Sim, há. E esta contradição se mostra tão respeitosa à postura presidencial, que deve ser entendida como por ela capitaneada.

Basta lembrar que apenas em 2020 o presidente Bolsonaro “mentiu 1.682 vezes”, para que se compreenda a regra seguida por seus coadjuvantes e as ações dali decorrentes. São claros, os descaminhos por onde tropeça o Brasil.

Como exemplo, considere-se que nesta semana tivemos o “apagão” no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Comentando de forma sintética e cautelosa as intencionalidades ali pressentidas, Rivânia Moura, presidenta do ANDES-SN, afirmou: “O CNPq tem sofrido vários ataques e vem funcionando com recursos bastante reduzidos, especialmente em 2021. Isso também é mais um resultado do desmonte do órgão e tem grande impacto para a pesquisa pública brasileira. Esse apagão traz uma preocupação imensa”.

Vamos admitir que a inexistência de cópia de reserva da memória da pesquisa científica nacional, dentro do CNPq, resulte de algum tipo de descuido. Mas o que pensar, então, da semelhança entre este desastre e aquele outro, ocorrido na Cinemateca Nacional? Neste outro caso não faltaram avisos e o incêndio não pode ser visto como acidental. Ademais, as repetições sugerem rotinas que se assemelham a empreendimentos, algo como o “resultado de um projeto de pais”, como bem postulado por Leonardo Sakamoto.

Aliás, em texto memorável de 2018 (O Brasil queimou – e não tinha água para apagar o fogo), Eliane Brum descreveu a perplexidade nacional diante do incêndio do Museu Nacional.

No ano seguinte, tivemos o Dia do Fogo. Em 10 de agosto de 2019, boa parte da maior floresta tropical do mundo queimou, por ações e omissões deste governo e seus apaniguados.

Estimulados por aquele sucesso, em setembro de 2020 o pantanal ardeu.

Seriam “queimadas criminosas, produto de atividades ilegais”, dizia o professor Paulo Artaxo, já bem antes da Secretaria de Comunicação da Presidência da República escancarar seus compromissos comemorando o dia do agricultor com foto de jagunço armado.

Felizmente, em meio a tantas tristezas, nesta semana tivemos a dança, no skate, da fadinha Rayssa Leal, os sorrisos de Rebeca Andrade e a medalha de ouro do Ítalo, no surfe.

Neste pais onde o presidente é denunciado por genocídio, na corte internacional de Haia, nada pode ser mais impressionante do que a história de vida da Rebeca, e seu feito magnífico, em Tóquio.

Ver a ginasta russa cochichando com a americana, passos atrás de Rebeca, que avançava com olhos brilhantes, ao descer do pódio, nos encheu de amor e orgulho. Ela é um ser luminoso, assemelhado a tantos que este governo considera descartáveis.

Negra, pobre criada por família lutadora, Rebeca é como a flor roxa, que emerge digna e vitoriosa em terras esterilizadas por agrotóxicos.

Ela nos mostra o quanto pode fazer, por todos, quem confia em si mesmo/a e sabe o valor que tem. Rebeca nos representa. Ela é a Natureza, que nos chama à vida e à luta.

Sua existência grita, por nós todos: Fora Bolsonaro!!

Para quem prefere escutar a ler, acesse aqui esta coluna em áudio.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira