Rio Grande do Sul

Opinião

Artigo | As medalhas olímpicas como conquistas coletivas

"O investimento no esporte deve vir como política pública, fruto de decisão da sociedade e de aplicação dos governantes"

Porto Alegre | BdF RS |
"O presidente Lula criou o Bolsa Atleta em 2005. Desde lá, em 16 anos, o Brasil ganhou 74 medalhas olímpicas. Nos 84 anos anteriores, de 1920 a 2004, foram 76 medalhas" - Foto: Ricardo Bufolin/CBG

Acabaram nesse domingo (8) os Jogos Olímpicos de Tóquio, com o Brasil tendo uma de suas melhores performances históricas, embora ainda muito abaixo do que deveria um país com o nosso potencial para o esporte - e, mais especificamente, para o esporte de alto rendimento. Tanto a parte boa (melhor resultado) como a ruim (resultado insuficiente) são questões muito mais profundas do que a performance, o talento e o esforço pessoal de um atleta ou de outro. São conquistas e derrotas coletivas que mostram um pouco do que somos enquanto nação.

Para se chegar a uma medalha olímpica, colaboram diversos fatores. Em cada caso, alguns desses fatores pesam mais. Um bom número de praticantes de determinado esporte, por exemplo, amplia as chances de que, nesses praticantes, se encontre algum potencial futuro medalhista. Depois dessa primeira clivagem, há que se dar condições de treinamento para esse potencial futuro medalhista. Assim, trata-se, primeiro, de quantidade, de estímulo geral ao esporte; depois, de qualidade, de clivagem, de sintonia fina para fazer de um grande atleta um campeão. Dessa forma são oferecidas condições, aí sim, para a conquista individual, mas a partir de um grande mérito coletivo.

Bom, como vocês podem imaginar, nenhuma dessas etapas acontece por geração espontânea. Em ambas é preciso investimento, estímulo coletivo. E esse investimento e estímulo deve vir como política pública, fruto de decisão da sociedade e de aplicação dos governantes. É daí que vêm nossas glórias e derrotas.

Alguns números recentes ajudam a elucidar esse quadro: 16 anos atrás, em 2005, o presidente Lula criou o Bolsa Atleta, um dos maiores programas de patrocínio individual de atletas no mundo. Desde lá, em 16 anos, o Brasil ganhou 74 medalhas olímpicas. Nos 84 anos anteriores, de 1920 a 2004, foram 76 medalhas. Agora, em 2021, quando tivemos nosso recorde de medalhas, 242 dos 302 competidores brasileiros (80%) recebem o Bolsa Atleta. Em 2016, quando as Olimpíadas foram realizadas no Rio de Janeiro, 77% dos atletas receberam o benefício. Em 2012, Dilma criou o Plano Brasil Medalhas 2016, que incluía o Bolsa Pódio, com valores maiores destinados para atletas que estavam entre os melhores do mundo. Em 2014, o Bolsa Atleta também foi ampliado, contemplando quase 8 mil atletas dos mais diversos níveis e diferentes valores.

Lula também criou, em 2008, o Programa Atletas de Alto Rendimento (PAAR). Dos 302 atletas brasileiros em Tóquio, 89 fazem parte do programa, no qual ingressam a partir de alistamento militar voluntário, por edital. Eles têm direito a um salário (equiparado ao de terceiro sargento), 13º, plano de saúde, férias, assistência médica, nutricionista e fisioterapeuta, além de treinos em instalações esportivas militares. É por isso que muito se vê atletas brasileiros prestando continência, porque se tornaram militares temporários graças ao programa do governo Lula e, com esses recursos, sustentam suas famílias e conseguem se dedicar ao esporte.

Há, ainda, outras medidas fundamentais, como a Lei de Incentivo ao Esporte, de 2006. A lei permite a dedução de impostos para destinação de recursos a projetos esportivos, tanto por pessoas físicas quanto por empresas. Entre 2007 e 2016, foram quase R$ 2 bilhões aplicados no esporte. Há, ainda, os investimentos em equipamentos e estruturas esportivas que tanto estimulam a prática cotidiana do esporte quanto permitem o treinamento de atletas de alto nível. É o caso dos Centros de Iniciação ao Esporte (CIEs), criados em 2013, pelo governo Dilma, para enviar recursos do governo federal às prefeituras que construíssem ginásios e espaços esportivos para crianças e jovens que quisessem iniciar a prática de diversas modalidades. Para isso, foi destinado quase R$ 1 bilhão do Orçamento da União. Quase 300 propostas foram selecionadas na época para receberem os recursos.

O atual governo, por sua vez, acabou com o Ministério do Esporte e desmonta os investimentos e programas vinculados à área. Deixou, inclusive, de lançar o edital do Bolsa Atleta em 2020, fazendo com que muitos beneficiários ficassem meses sem receber nada, prejudicando diretamente a preparação na reta final do ciclo olímpico e, obviamente, prejudicando até mesmo a sobrevivência das famílias de alguns atletas. Em 2020, Bolsonaro cortou 94% das verbas do PAAR, deixando apenas R$ 600 mil para as Forças Armadas gerirem todos os seus equipamentos esportivos no país. Em 2019 o governo já havia cortado 96 atletas da lista de beneficiados pelo programa.

Tudo isso é a ponta do iceberg, que aparece quando tratamos de esportes de alto rendimento. Mas há muito mais, como os exemplos da China e do Japão de estímulo ao esporte como construção de qualidade de vida, como princípio coletivo de bem-viver, de convivência saudável consigo mesmo e com os outros. O investimento em esporte passa pelo financiamento dos grandes atletas e também pela construção, a partir de políticas públicas, de uma cultura esportiva e de estruturas que permitam a prática de esportes. Passa também, é claro, pela promoção da saúde, pela alimentação saudável, pela redução das jornadas de trabalho, etc. Mas isso é assunto para outro artigo.

Tratamos, aqui, especialmente do investimento direto em esporte. Nossas vitórias olímpicas são frutos de nossas escolhas coletivas, assim como nossas derrotas e nosso desempenho pífio se considerarmos o tamanho de nossa população e os potenciais esportivos do nosso país são resultados do pouco que temos a comemorar.

Assim como o “viva o SUS” ao tomar a vacina não pode ser vazio de política, precisa estar vinculado à defesa de quem de fato valoriza e investe em um sistema público de saúde, também o “viva Rebeca, viva Hebert, viva Isaquias e viva o esporte brasileiro” não pode se furtar da compreensão de que as consequências podem parecer individuais, mas as causas são coletivas: “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”.

* Jornalista e cientista social

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko