Pernambuco

LITERATURA

O que tu indica | O mapeador de ausências

Mia Couto descreve o romance como uma homenagem à cidade de sua infância destruída

Brasil de Fato | Recife (PE) |
O romance perpassa o período colonial e o pós independência de Moçambique - Aj Tolissano

O Mapeador de Ausências é um romance que perpassa o período colonial e o pós independência de Moçambique. Nele conhecemos internamente a PIDE – Policia Internacional de Defesa do Estado, a FRELIMO Frente de Libertação de Moçambique, vivenciamos o maior massacre de toda a Guerra Colonial portuguesa em África (1974) em Inhaminga e o ciclone que devastou a cidade de Beira (2019), cidade natal do autor. 

Mia Couto descreve o romance como uma homenagem à cidade de sua infância destruída, recompondo memórias, preenchendo o vazio. Suas palavras nos levam a refletir sobre o presente que se faz ausência de algo ou alguém. Ao decorrer da leitura compreendemos o título em sua plenitude: “O mapeador de ausências”. 

Diogo Santiago é professor universitário, poeta renomado em Maputo e retorna à Beira, sua cidade natal, para receber um prêmio-homenagem, porém, sua ida se faz um mergulho no passado acarretando numa pesquisa sobre a história de seu pai, Adriano Santiago, um jornalista e poeta crítico ao governo colonial. As lembranças de seu pai são quase exclusivamente da viagem que fizeram juntos à Inhaminga à procura de seu primo Sandro, soldado que foi levado pelas tropas do exército para lutar na guerra civil contra sua vontade.

Sandro é um dos personagens mais fascinantes e bem construídos, na realidade, a construção detalhada e imbricada faz da narrativa brilhante. Ermenlinda - ou Almalinda, por exemplo, é uma figura que fica entre o real e o fantástico, o que nos leva às histórias dos pescadores entrelaçando com o real da vivência de tradições, cultura e território. 

Nessa busca, Diogo conhece Liana, que detém arquivos e dossiês da PIDE onde compreende as atividades “subversivas” do pai. O encontro com Liana é além de um simples auxílio. A personagem é o elo com o povo de Beira e a história do local. Ela também busca encontrar e reconstruir sua história que ao longo do texto e das descobertas de ambos, se costura com a trajetória do poeta, como um vestido de capulana: colorido, mas pesado. 

Ao observar a descrição da personagem mãe de Diogo, assim como o da avó, a narrativa nos traz o incômodo do papel das mulheres, mesmo em ambientes ditos revolucionários, ou ao menos subversivos diante de um regime ditatorial. A que cuida do lar enquanto o marido poeta se encontra para confabular com seus companheiros de movimento e aceita as traições do cônjuge, por ser um grande amante das mulheres e suas belezas diversas. Ela é o fio umbilical de Adriano com o povo moçambicano, os negros e à cidade de Beira. 

Adriano é português. Nesse ambiente familiar, também conseguimos visualizar como a classe média vivenciava e o que se falava na vizinhança a respeito do regime. Contradições são postas de forma singular: a sexualidade e o debate saúde mental não são tímidos, se materializam a cada página, por isso, deve-se ler com a humildade de quem aprende. Jamais carregar o olhar anacrônico e viciado eurocêntrico, a independência Moçambicana é carregada de simbologia. “Troquemos esta bandeira portuguesa por uma capulana”, disse um dos personagens.

Mia Couto nos traz a complexidade de sentimentos vividos por pessoas que atravessam guerras internas e externas e “O Mapeador de Ausências” aponta como o passado pode idealizar o presente, alterando nossa percepção de futuro. Recomendo veementemente.

*Louise Xavier é estudante e militante do Levante Popular da Juventude

Edição: Vanessa Gonzaga