Rio Grande do Sul

DIREITOS HUMANOS

Deputadas pedem audiência para debater impactos da fala discriminatória do ministro da Educação

Quase 70% das pessoas com deficiência não concluíram o ensino fundamental, aponta nova pesquisa do IBGE

Brasil de Fato | Porto Alegre |
A fala de Milton Ribeiro reforça um problema estrutural brasileiro: a dificuldade do acesso à educação por pessoas com deficiência. - Foto: Governo do Mato Grosso/SETASC

A afirmação do ministro da Educação, Milton Ribeiro, de que estudantes, crianças e adolescentes com deficiência "atrapalham" os demais alunos quando colocados na mesma sala de aula, gerou manifestações de repúdio por especialistas e parlamentares. Atendendo à indignação de inúmeras organizações da sociedade civil, as deputadas federais Maria do Rosário (PT-RS) e Erika Kokay (PT-DF) solicitaram a realização de uma audiência pública à Comissão de Direitos da Pessoa com Deficiência da Câmara dos Deputados.

Feita em entrevista ao programa 'Sem Censura', da TV Brasil, no dia 9 de agosto, a declaração foi considerada discriminatória pelas parlamentares. "O que é inclusivismo? A criança com deficiência é colocada dentro de uma sala de alunos sem deficiência. Ela não aprendia, ela ‘atrapalhava’”, afirmou o ministro na ocasião.

A fala de Milton Ribeiro reforça um problema estrutural brasileiro: a dificuldade do acesso à educação por pessoas com deficiência.

Conforme nova Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada nesta quinta-feira (26), 67,6% das pessoas com deficiência de 18 anos ou mais de idade não tinham instrução ou tinham o fundamental incompleto. Entre pessoas sem nenhuma das deficiências investigadas, esse percentual foi de 30,9%.

A pesquisa traz dados referentes a 2019 e revela que o país tem 17,3 milhões de pessoas com dois anos ou mais que possuem alguma das deficiências investigadas. Quase metade dessas pessoas (49,4%) é idosa, ou seja, tem 60 anos ou mais de idade. O percentual da população com deficiência em idade de trabalhar é de 25,4%.

O estudo aponta ainda que apenas 5% das pessoas com deficiência com mais de 18 anos haviam concluído o ensino superior naquele ano. Já entre as pessoas sem deficiência, esse percentual foi de 17,0%.

No caso da população com deficiência mental, o desnível é ainda maior. Esse grupo teve o menor percentual de pessoas com pelo menos o ensino médio completo (10,5%) e o maior percentual sem instrução ou ensino fundamental incompleto (78,4%).


Resumo dos dados da PNS / Fonte: IBGE

É preciso inclusão e acessibilidade

Analista da pesquisa, Maíra Lenzi, que é deficiente auditiva, afirma que existem estudos que mostram a dificuldade que essas pessoas têm no acesso à educação desde o início de seu percurso acadêmico. Os principais motivos são a falta de acessibilidade ou de tecnologias assistivas e a falta de preparo das escolas para lidar com a diversidade em salas de aula.

“É importante ter conhecimento e condições que permitam que essas pessoas tenham condições de participar na escola, ser incluída, e ter acesso à informação. A educação é um direito da pessoa com deficiência. Daí a importância desses dados para contribuir para formação de políticas públicas adequadas para as pessoas com deficiência.”, disse a analista do IBGE.

Em entrevista ao jornal O Globo, ela cita que os estudos sobre o tema também apontam para a importância de haver a inclusão das pessoas com deficiência em salas regulares, “o que permite que essas pessoas participem em pé de igualdade e oportunidade e que tenham acesso à mesma informação”. Ela reforça ainda que não basta apenas a inclusão se não houver recurso de acessibilidade.

Audiência contra a segregação

O pedido da audiência pública foi feito durante a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla, comemorada entre os dias 21 e 27 de agosto. Ocorre ainda em meio às Paralimpíadas de Tóquio, que no seu quarto dia já rendeu 17 medalhas a brasileiras e brasileiros portadores de deficiência.

Na justificativa para o pedido, as parlamentares destacam que o Brasil, além de signatário da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, é regido pelo Estatuto das Pessoas com Deficiência, o que seria suficiente para impedir tal declaração.

No entanto, Milton Ribeiro assinou, junto ao presidente da República e a ministra de Estado da Mulher, Família e Direitos Humanos, o Decreto nº 10.502, de 2020. Atualmente suspenso por força liminar do Supremo Tribunal Federal, o decreto visa segregar crianças e adolescentes com deficiência, incentivando a criação de escolas e classes especializadas.

Cinco especialistas de instituições reconhecidas foram convidadas para a audiência que será aberta à participação da sociedade, afirmam as deputadas.

Pedido de impeachment do ministro

A declaração do ministro gerou um pedido de impeachment protocolado no dia 17 de agosto pela deputada federal Maria do Rosário na Procuradoria Geral da República (PGR). Para ela, que repudiou a afirmação, considerando-a “inaceitável”, o ministro cometeu crime de responsabilidade. Na representação, a deputada pede que Milton Ribeiro fique inabilitado para ocupar cargos públicos pelos próximos 8 anos.

“O ministro do Estado ao demonstrar todo o seu preconceito em considerar que crianças com deficiências ‘atrapalham’ o ensino das demais e que o ensino superior deveria ser para poucos, viola diretamente a proteção constitucional ao direito social à educação, assim como os fundamentos do Estado Democrático de Direito, da cidadania e dignidade da pessoa humana”. Também o Sr. Ministro vai de encontro aos objetivos fundamentais da República, baseados na construção de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária, bem como fere a promoção do bem de todos, sem quais discriminações”, afirma o documento enviado à PGR

Outro trecho da representação afirma que as palavras do ministro “ganham repercussão social e são capazes de influenciar não apenas os gestores públicos das mais diversas alçadas responsáveis pela governança, sejam oriundos da esfera pública ou privada, as palavras de um excelentíssimo ministro ecoam e reverberam em toda a sociedade, influenciado desde o mais alto escalão da administração, até o mais simples cidadão na privacidade de sua residência”.


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Edição: Marcelo Ferreira