Rio Grande do Sul

Privatização

Câmara aprova fim da função de cobradores de ônibus em Porto Alegre

Aprovado por 21 votos a 12, o projeto prevê a extinção definitiva da função de cobrador até 10 de janeiro de 2026

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Frota opera com apenas 65% dos carros em protesto ao projeto de privatização da Carris e à retirada dos cobradores - Foto: Leonardo Contursi

Em uma sessão marcada por tumulto e denúncia de assédio, após aprovar a desestatização da Companhia Carris Porto-Alegrense, a Câmara de Vereadores de Porto Alegre aprovou também, nesta quarta-feira (1) o projeto de lei de autoria do Executivo municipal que institui o Programa de Extinção Gradativa da Função de Cobrador de Transporte Coletivo por Ônibus da Capital. Não previsto para entrar na ordem do dia, o projeto acabou indo a plenário e foi aprovado por por 21 votos a 12. A pauta foi incluída por requerimento da vice-líder do governo, vereadora Comandante Nádia (DEM), e prevê a extinção definitiva da função de cobrador em 2026. A sessão extraordinária, que teve início às 14h, foi encerrada, às 23h31min.

Conforme destacaram os vereadores da oposição, em suas manifestações no plenário, um acordo entre os líderes tinha sido feito para que o projeto não entrasse em votação. Durante a sessão, vereadores do PCdoB, PT e PSOL pediram mais tempo para discutir a questão. Líder de oposição na Câmara, o vereador Pedro Ruas (PSOL) chegou a encaminhar um requerimento para que fosse dado mais tempo, contudo foi rejeitado por 22 votos a 11.

Segundo afirmou o prefeito Sebastião Melo (MDB), a proposta contribuirá para a redução gradual dos custos da operação, o que resultará na redução da tarifa. O programa será executado ao longo de quatro anos, findando em 10 de janeiro de 2026. A medida resultará, conforme o Executivo, na diminuição da tarifa técnica (base para determinação da tarifa do usuário) correspondente a R$ 0,70, uma redução de 15,36% na tarifa vigente, que passaria dos atuais R$ 4,55 para R$ 3,85.

"Em plena pandemia, extinguir postos de trabalho é crueldade e não traz nenhum benefício à sociedade, pelo contrário. Quando ele tira o cobrador dos ônibus ele tira o segundo condutor, aquela pessoa que auxilia o cadeirante ou outra pessoa que tenha necessidades especiais", ressaltou Pedro Ruas. Segundo ele, o governo quer para criar um caos no sistema de transporte e para justificar a privatização, "para fazer todas as maldades que quer fazer, agradando sempre o empresariado, a quem detém o capital".  Durante sua manifestação no plenário, ressaltou que impacto tarifário se dá pela frota reserva fictícia e pela taxa de lucro dos empresários. "Isso é o que impacta a tarifa de ônibus, e não salário de cobrador”, afirmou.

"A decisão do governo Melo e sua base aliada foi acabar com os cobradores e promover o desemprego de três mil famílias em Porto Alegre. Uma atitude cruel e desumana de quem não quer abrir a caixa preta das concessionárias privadas do transporte que lucram milhões e por isso colocam os trabalhadores no olho da rua. Porém, a luta não acaba hoje. Ela continuará e nós sempre estaremos ao lado dos trabalhadores e da população que mais precisa", afirmou o vereador Aldacir Oliboni (PT), em sua rede social. 

Também através de sua rede social a vereadora Daiana Santos (PCdoB) comentou o resultado da votação. "Onze e meia da noite a gente acaba de sofrer um golpe do governo. O desespero dos trabalhadores é porque neste exato momento foi aprovado o projeto que retira os cobradores do ônibus, isso é uma covardia. Isso é um absurdo."

O vereador Jonas Reis (PT), também pela sua rede social registrou a reação dos trabalhadores após a votação

Sessão tumultuada 

Representantes do Sindicato dos Rodoviários, assim como trabalhadores da Carris, foram impedidos de entrar no plenário. Devido a isso houve conflito com seguranças da Casa e integrantes da Guarda Municipal. Após muita pressão, os trabalhadores conseguiram entrar no plenário para acompanhar a votação.

“A truculência virou rotina nessa casa, a truculência que se justifica na retirada de direitos dos trabalhadores. Penso eu que a reunião das 11 horas, das quartas-feiras do colégio de líderes já não faz mais sentido, se toda semana nós teremos reunião de pauta dessa casa e depois virá a esse parlamento um requerimento para atropelar os debates da cidade. Infelizmente essa é a prática semanal. Estamos falando de mais de três mil famílias que perderam seus postos de trabalho. A única coisa que sensibiliza aqui é o choro dos empresários do ônibus”, destacou a vereadora Laura Sito (PT).


Confronto entre rodoviários e agentes da Guarda Municipal / Ederson Nunes / CMPA

Ainda durante a sessão, a vereadora Bruna Rodrigues (PCdoB) denunciou ter sofrido assédio. Segundo ela, o vereador Alexandre Bobadra (PSL) teria dito que ela sentiria tesão por ele. “Esse parlamento devera ter uma comissão de ética, ensinar a esses vereadores que acham que podem tudo que não é exatamente dessa forma. Eu sempre respeitei e tenho respeito pelos meus colegas inclusive com os que não compõe a base de oposição. Não vou aceitar em nenhum momento tamanho desrespeito. Vereador eleito como eu deve se portar. Não é só pedir desculpa, vai precisar ter medidas eficientes nessa casa. Por que sou mulher preciso ser desrespeitada o tempo todo?”, indagou. 

Segundo estimativa do Sindicato dos Trabalhadores de Transporte Rodoviário de Porto Alegre (Stetpoa), a capital gaúcha tem atualmente cerca de 2,6 mil cobradores de ônibus, que ganham, em média, um salário de R$ 1,6 mil. 

Sobre o projeto 

Além do projeto, foram aprovadas as emenda nº 5, que prevê a realização de estudos técnicos para a necessidade da inclusão de um auxiliar para dar suporte aos passageiros idosos, deficientes físicos, gestantes e crianças; a emenda nº 6, que delega ao Executivo decidir pela manutenção de profissional responsável no atendimento e auxílio de pessoas com deficiência para ingresso nos veículos adaptados; a emenda nº 10, que possibilita a instituição do Sistema Colaborativo de Recarga do Cartão do Sistema de Transporte Integrado (TRI); e a Emenda nº 11, que prevê a elaboração de um Plano de Demissão Voluntária (PDV) para os cobradores de empresa pública.

De acordo com o projeto, não será feita a reposição de vaga para a função de cobrador nas hipóteses de rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do cobrador, despedida por justa causa, aposentadoria, falecimento, interrupção ou suspensão do contrato de trabalho.

A proposta prevê ainda que as empresas concessionárias do serviço de transporte coletivo promoverão as ações de viabilização da transposição dos cobradores para outros mercados de trabalho mediante a disponibilização de curso de qualificação ou capacitação profissional em quantidade de vagas suficiente para o atendimento de todos seus cobradores. As empresas podem fazer as ações por meios próprios ou mediante a celebração de contratos, parcerias e convênios com pessoas físicas ou jurídicas, bem como mediante a avaliação da possibilidade de aproveitamento dos cobradores capacitados para outras atividades e funções existentes, inclusive na função de motorista.

Conforme o projeto, a execução de viagens sem a utilização de cobrador é permitida nos seguintes casos: na prestação do serviço de transporte coletivo por ônibus cuja viagem tenha iniciado entre as 22h e 4h; na prestação do serviço nos domingos, feriados e dias de Passe Livre; e em datas, linhas, períodos ou horários específicos, mediante prévia regulamentação da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (SMMU), por intermédio da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC). A realização dessas viagens sem a utilização de cobrador não poderá implicar na dispensa dos cobradores.

O pagamento da tarifa no horário compreendido entre 22h e 4h, visando à segurança dos usuários e da tripulação, deverá ser efetuado exclusivamente por meio de cartão do Sistema de Bilhetagem Eletrônica, cartão de débito, cartão de crédito ou outras formas eletrônicas de pagamento, a serem estabelecidas por decreto.

Pela rede social, o prefeito Sebastião Melo (MDB), comemorou a aprovação. "Os vereadores aprovaram nesta noite o primeiro projeto do conjunto de medidas que propusemos para modernizar o sistema e enfrentar a crise do transporte coletivo. O programa de extinção gradativa da função de cobrador ocorrerá ao longo de mais de 4 anos, até o final de 2025", escreveu.

De acordo com o prefeito, a mudança ocorrerá com a não reposição na rescisão do contrato por iniciativa do trabalhador, despedida por justa causa, aposentadoria, falecimento e interrupção ou suspensão do contrato. 

Em manifestação mais recente, Melo afirmou que uma das razões pelas quais está desestatizando a Carris é por conta da paralisação dos funcionários. "A greve de hoje não aconteceria em uma empresa privada. Aliás, greve de quem recebe bem - e em dia - no meio de uma pandemia é lamentável. Quem perde é o povo", afirmou.

 


Manifestação do prefeito sobre privatização da empresa / Reprodução

Paralisação parcial dos Trabalhadores

Desde às 4h da manhã desta quinta-feira (2), trabalhadores da empresa Carris estão em greve contra a privatização da empresa. Conforme acordo feito no Tribunal Regional do Trabalho (TRT), apenas 65% da frota seguirá operando enquanto continuar o protesto. Além disso, os ônibus estão circulando com uma tarja preta em sinal de repúdio contra as propostas encaminhadas pela prefeitura à Câmara de Vereadores.

"Engraçado que quando as empresas privadas deixaram de atender 23 linhas o prefeito não cobrou nada, e era época de pandemia. E a gente ganha o mesmo salário que as empresas privadas pagam porque acompanhamos o mesmo acordo coletivo. Se ele retirasse o projeto da desestatização da Carris não estaria tendo paralisação. A gente não está paralisado, estamos rodando 65% pensando na população, porque a população merece um transporte de qualidade", afirmou a cobradora e uma representantes dos funcionários da Carris, Rosangela Pires Machado, sobre a manifestação do prefeito. 

Indagada sobre que ações os trabalhadores vão tomar em relação à aprovação do projeto, Rosangela disse que serão realizadas assembleias para analisar o que pode ser feito. "Essa votação pegou a todo mundo de surpresa. Nos sentimos traídos. Vamos ver o que iremos fazer", concluiu.

Abaixo como votou cada vereador 

Votaram contra a extinção da profissão

Airto Ferronato (PSB) 
Aldacir Oliboni (PT) 
Bruna Rodrigues (PCdoB) 
Daiana Santos (PCdoB) 
Jonas Reis (PT) 
Karen Santos (PSOL) 
Laura Sito (PT) 
Matheus Gomes (PSOL) 
Mauro Zacher (PDT) 
Monica Leal (PP) 
Pedro Ruas (PSOL) 
Roberto Robaina (PSOL)

Leonel Radde (PT)

Votaram a favor da extinção

Alexandre Bobadra (PSL) Sim
Alvoni Medina (REP) Sim
Cassiá Carpes (PP) Sim
Cláudia Araújo (PSD) Sim
Claudio Janta (SD) Sim
Conselheiro Marcelo (PSDB) Sim
Felipe Camozzato (NOVO) Sim
Fernanda Barth (PRTB) Sim
Giovane Byl (PTB) Sim
Hamilton Sossmeier (PTB) Sim
Idenir Cecchim(MDB) Sim
Jesse Sangalli (Cidadania) Sim
José Freitas (REP) Sim
Lourdes Sprenger (MDB) Sim
Mari Pimentel (NOVO) Sim
Mauro Pinheiro (PL) Sim
Moises Barboza (PSDB) Sim
Pablo Melo (MDB) Sim
Professor Franzen (PSDB) Sim
Psicóloga Tanise Sabino (PTB) Sim
Ramiro Rosário (PSDB) Sim

* Com informações da Câmara Municipal de Porto Alegre. 


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Edição: Marcelo Ferreira