Rio Grande do Sul

Disputas

Agricultura familiar marca presença na Expointer, principal feira do agronegócio do Brasil

Confira entrevista com Douglas Cenci, coordenador geral da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do RS

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Douglas Cenci é coordenador da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Rio Grande do Sul (Fetraf RS) e conversou com o BdF RS sobre os desafios para a agricultura no estado - Divulgação: Fetraf RS

A Expointer é a principal feira do agronegócio do Brasil, expondo animais e produtos agrícolas industrializados para o público em geral. Além de possibilitar que agricultores exponham seus produtos, é um espaço onde ocorrem articulações entre entidades representativas, governo e parlamentares, tendo como foco a agricultura.

Segundo o site da Expointer, a origem do que hoje conhecemos teve uma semente no ano de 1901, com a Exposição Estadual, realizada onde hoje é o Parque da Redenção. Aquela exposição recebeu 2200 expositores e público aproximado de 67 mil pessoas.

Cerca de 20 anos depois, em 1937, um convênio entre o Governo do Estado e o Ministério da Agricultura regulariza as exposições estaduais de animais. Portanto, é somente em 1972 que é realizada a 1ª Exposição Internacional de Animais, sendo batizada de Expointer, nome que carrega até hoje.

Apesar do nome, a exposição e comercialização de animais não é mais a maior fatia de faturamento da Exposição. Mesmo representando parcela importante do volume de negócios realizados, outras áreas ganham cada vez mais destaque, como a venda e comercialização de artesanatos, automóveis ou de maquinário e implementos agrícolas. Esta última categoria, inclusive, representa atualmente o ramo de negócios mais lucrativo para a Expointer.

Para se ter uma ideia, na edição de 2019, por exemplo, a comercialização de animais superou os R$ 8 milhões, enquanto o ramo do maquinário e implementos agrícolas bateu impressionantes R$ 2,5 bilhões.

O gigantismo desses números dão a dimensão da importância que o evento tem para o agronegócio e para as famílias detentoras dos grandes latifúndios. Olhando dessa forma, parece não haver espaço para os pequenos e médios agricultores, sejam familiares, organizados em cooperativas ou assentamentos. Mas não é bem assim.

Pavilhão da Agricultura Familiar marca presença em meio ao agronegócio

Desde 1999, a Expointer tem um espaço reservado para a Feira da Agricultura Familiar, onde as agroindústrias, cooperativas e pequenos produtores podem comercializar e apresentar seus produtos. Naquele ano, o Pavilhão da Agricultura Familiar contou com a participação de 30 expositores.

Em 2001, na 24ª edição da Expointer, a Feira da Agricultura Familiar contou com 56 bancas e 150 expositores, comercializando um total de R$ 80 mil. Apenas três anos após, em 2004, esse montante comercializado saltou para mais de R$ 250 mil. Dois anos à frente, em 2006, novamente um grande salto, onde se faturou aproximadamente R$ 450 mil.

Os anos seguinte seguiram a mesma lógica: em 2008 a venda de produtos da agricultura familiar totalizou R$ 800 mil e em 2010 atingiu a marca de R$ 1 milhão.

A última edição presencial na qual temos números consolidados foi a de 2019. Naquele momento, a comercialização de produtos da agroindústria Familiar ultrapassou a marca de R$ 4,5 milhões, sendo que o Pavilhão da Agricultura Familiar recebeu mais de 400 mil visitantes.

Em 2020, em função da pandemia, não houve a edição tradicional da Feira. Foi realizada uma edição restrita, com entrada somente de visitantes nos seus veículos, além da “Expointer Digital”.

Nesse sentido, a edição de 2021 simboliza uma retomada nos negócios para os agricultores menores, aqueles que mais dependem da comercialização direta, diferente do grande agronegócio que comumente é acudido pelo sistema financeiro e pelo governo federal.

Tendo ainda somado o cenário de duas safras consecutivas afetadas pela estiagem (falta de chuva) no estado, os caminhos que se apresentam para a agricultura familiar é bastante desafiador.

Dessa forma, ter uma parte da Expointer reservada para os agricultores familiares e pequenos agricultores com suas cooperativas e agroindústrias não deixa de ser uma forma de marcar presença e disputar espaço.

Ao observar os números relativos ao faturamento dos diferentes ramos de negócios da Expointer de 2019, percebe-se que essa é uma disputa desleal: naquela edição, o total faturado no Pavilhão da Agricultura Familiar representa menos de 1% do que se comercializou no ramo de máquinas e implementos agrícolas.

De fato, muitos pequenos agricultores e cooperativas fazem negócios comprando máquinas e insumos, porém, é inegável que esse ramo é voltado principalmente para o agronegócio e os grandes latifundiários, dando a dimensão da desigualdade de recursos que existe entre essas duas realidades dentro da agricultura.

Mesmo havendo esse abismo, a agricultura familiar emprega mais gente e produz alimentos voltado ao público interno, diferente do modelo de agronegócio que emprega pouca mão de obra e produz voltado ao mercado externo.

Para entender melhor essa realidade, conversamos com Douglas Cenci. Ele é atualmente coordenador geral da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Rio Grande do Sul (Fetraf RS). Confira a entrevista:

Brasil de Fato RS - Qual a importância da agricultura familiar estar presente no maior evento do grande agronegócio do estado?

Douglas Cenci - Primeiro, é uma oportunidade da agricultura familiar mostrar sua diversidade, seus produtos, elaborados pelas famílias agricultoras, com muito cuidado e carinho, envolvendo a mão de obra desde a produção, como é o caso do queijo, por exemplo, que envolve ter as vacas, tirar o leite, ordenhar, fazer todo o processo de industrialização.

Então, além de mostrar o produto final, mostramos também a nossa realidade e a cultura que está colocada no produto, valorizando o fruto do trabalho dos agricultores familiares.

Além disso, há o fato de ser um espaço de disputa com o agronegócio. O Pavilhão da Agricultura Familiar é o mais visitado dentro da Expointer. Tenho certeza que esse é o espaço onde as pessoas mais se sentem bem e ficam felizes, podem comprar nossos produtos e sempre acabam agradecendo e parabenizando os trabalhadores pela participação e dedicação.

Estar aqui é uma forma também de mostrar a nossa importância para o RS, para o Brasil e para o mundo. Já que somos quem mais emprega na agricultura do estado, somos responsáveis por 27% do PIB, num processo que valoriza o trabalho dos agricultores e preserva o meio ambiente e nossa cultura.


Produtos agrícolas industrializados por pequenos agricultores fazem sucesso no Pavilhão da Agricultura Familiar / Divulgação: Fetraf RS

BdFRS - Além de ser uma feira de negócios, a Expointer também é um espaço de articulação entre as entidades. A pauta da agricultura familiar e dos pequenos agricultores é parecida com a do agronegócio? Existe uma pauta de reivindicações para o atual momento?

Douglas - A Expointer é um espaço importante de diálogo para nós, além das agroindústrias e dos produtores, mas também para as entidades que participam da organização do Pavilhão da Agricultura Familiar.

Ao mesmo que a gente organiza as agroindústrias, também aproveitamos o momento em que as atenções estão voltadas para este espaço para pautar as nossas demandas, a partir da nossa realidade.

Não é produzindo soja que a gente vai alimentar o Brasil e o mundo. Precisamos desse reconhecimento do governo que se dá através de políticas públicas

Assim foi na audiência que tivemos entre os movimentos sociais do campo, o Governo do Estado e também um conjunto de deputados. Discutimos a implementação do crédito emergencial para a agricultura familiar do estado.

Nós estávamos ali fazendo esse diálogo, é um momento importante nesse sentido, estamos contando com a possibilidade de entregar, para a ministra da Agricultura [Teresa Cristina] uma pauta relacionada ao tema do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura (Pronaf), que está com recursos limitados nessa edição, com várias linhas de créditos que não apresentam mais recursos para nossa realidade.

Nós temos clareza que o estado é importante para o agricultor familiar: nós, mesmo com pouca terra, produzimos muito. Mas não temos as mesmas condições que os grandes produtores têm, por isso precisamos de amparo. Principalmente para produzirmos alimentos, pois não é produzindo soja que a gente vai alimentar o Brasil e o mundo. Precisamos desse reconhecimento do governo que se dá através de políticas públicas.


A exposição de produtos na Feira da Agricultura Familiar representa uma importante forma de comercialização dos produtos dos agricultores do RS / Divulgação: Fetraf RS

BdFRS - Passada já mais de uma semana de feira, é possível fazer um balanço da presença da Fetraf?

Douglas - Nossa participação na Expointer foi muito importante, pois conseguimos estabelecer esses diálogos e receber bem nossos agricultores aqui. Sem dúvida é muito gratificante acompanhar o pessoal que está expondo seus produtos e se colocando diante das pessoas que muitas vezes não conhecem nossa realidade, representante a agricultura do nosso estado.

Avançamos bastante nas discussões com relação ao crédito emergencial com a audiência que tivemos, ficamos ainda com mais uma reunião marcada com a Secretaria da Agricultura, esperamos que o governo se sensibilize com a nossa pauta, da mesma forma que esperamos que o governo federal receba as nossas demandas em relação ao Pronaf.

BdFRS - Após mais de um ano de pandemia, somado a um ano que foi ruim devido à estiagem, como está o agricultor familiar nesse contexto?

Douglas - O agricultor no ultimo período tem encontrado um período de dificuldades. [Por exemplo] o tema da estiagem nas últimas duas safras e a pandemia que tirou a oportunidade de muitos agricultores comercializarem seus produtos, seja nas feiras, de porta em porta ou até mesmo recebendo os consumidores.

Nós não percebemos nenhum esforço do Governo do Estado nem federal em socorrer esses agricultores. Milhares de agricultores têm desistido de um conjunto de atividades importantes, como a cadeia do leite. A Emater, por exemplo, apresentou o resultado de um estudo socioeconômico da cadeia do leite, onde demonstra que metade dos produtores de leite do RS desistiram da atividade nos últimos 5 anos.

Muitos agricultores desistiram pela falta de incentivo do poder público, foram para as cidades, disputar emprego com o trabalhador urbano

Muitos destes, desistiram para ir para as cidades, disputar emprego com o trabalhador urbano, ou passar a plantar soja, que tem sido mais rentável, por conta das questões do mercado internacional. Muitos desistiram pela falta de incentivo do poder público, que nos vira as costas.

Vivemos um momento de alta nos preços dos insumos que são necessários para produzir, isso tem tirado o sono. Estamos numa feira onde tem um grupo importante de agroindústrias que está feliz em participar, mas ao mesmo tempo temos uma triste realidade onde muitos agricultores, que no passado estiveram aqui [na Expointer], não retornaram, pois não estão mais produzindo.

A situação é bastante complicada, a gente teme que ela possa se agravar se o governo não tomar nenhuma medida nesse sentido.


Diferente do agronegócio e dos latifundiários, os pequenos agricultores familiares produzem alimentos e geram empregos / Divulgação: Fetraf RS


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Edição: Katia Marko