Rio Grande do Sul

Opinião

Artigo | Talibã – a volta da nova/velha ordem no Afeganistão

"Palavras de inclusão, normalidade e liberdade figuraram no discurso de posse, mas as palavras são comodidades fáceis"

Londres | BdF RS |
"O Talibã está mais uma vez no comando, e já mostra que continua sendo o que sempre foi" - Foto: Noorullah Shirzada / AFP

Uma nova ordem se estabelece no Afeganistão a partir de agora, enquanto o mundo observa com desconfiança o desenrolar do inicio do novo governo do grupo islâmico fundamentalista Talibã que retorna ao poder depois de ter sido expurgado há mais de 20 anos.

Na discreta cerimônia de posse e anúncio da composição do novo comando, o porta-voz Zabihullah Mujahid usou mais uma vez o tom moderado para passar a ideia de um governo de inclusão, com vistas a estabelecer o relacionamento pacífico interno e internacionalmente. Palavras de inclusão, normalidade e liberdade figuraram no discurso de posse.

Mas, as palavras são comodidades fáceis, enquanto o que importa de fato são as ações. E estas, vê-se logo de cara que não traduzem exatamente a palavra inclusão, uma vez que as mulheres foram deixadas de fora do novo comando, e nomes de extremistas que fizeram parte da antiga cúpula voltam a figurar no alto escalão do governo.

Reportagens frescas dão conta de pelo menos 20 civis mortos no vale de Panjshir, onde apesar do corte nas comunicações, dificultando a reportagem dos fatos, há fortes evidências de retaliações, controle nas ruas e execuções, apesar das promessas de contenção por parte do Talibã.

A resistência contra o grupo havia jurado não desistir da luta, e esta região era um de seus redutos. Embora o Talibã tenha encorajado a comunidade a seguir em seu dia-a-dia normal, desde que tomou posse do vale, o que se vê de fato são comércios desertos, e longas filas de carros onde pessoas tentam fugir do lugar.

Longe de se mostrar abrangente, a arquitetura do novo regime mostra-se exclusivamente Talibã, com comissões, deputados e o todo-poderoso Emir Hibatullah Akhundzada representando um gabinete com um único formato político se estendendo por todo o continente. O tão temido Ministério para a Propagação da Virtude e Prevenção do Vício foi ressuscitado, ao mesmo tempo em que o Ministério de Assuntos Feminino sai de cena.

Desde a tomada de Cabul, a intenção do grupo é muito clara ao tentar mostrar-se moderado aos olhos do mundo. Eles sabem que precisam mostrar moderação se quiserem manter relações comerciais com o mundo exterior, em especial com o Ocidente, assim como finalmente ser reconhecido como um partido político pelas potências mundiais.

Entretanto, os próprios afegãos mostram-se desconfiados e amedrontados sobre tais intenções. E eles possuem toda a razão para tal, uma vez que já experimentaram na própria pele o que significa viver sob o dedo implacável das leis islâmicas impostas pelo Talibã.

O que se vê neste primeiro instante é a volta da velha guarda – embora digam que haverão ainda anúncios de outros nomes para compor o governo. Com uma nova geração de mulás e militares, quem toma os altos cargos são homens que estavam no comando quando o Talibã governou nos anos 90, e que agora retornam com suas bardas mais claras e compridas.

Veem-se também ex-prisioneiros de Guantano Bay, procurados na lista dos EUA e da EU e soldados endurecidos pelas batalhas recentes dos últimos meses, além dos autoproclamados pacificadores que se sentaram ao redor das mesas de negociações e desfilaram pelo país com promessas de um novo Talibã 2.0.

Foram-se os dias em que um Talibã com ares apaziguadores afirmou no Qatar, que não haveria mais a possibilidade de um Emirado Islâmico, que eles entendiam a sensibilidade dos tempos e a necessidade da mudança.

Foram-se os dias em que durante negociações com as representantes das mulheres, eles afirmaram que elas iriam figurar em cargos do governo, com exceção apenas da presidência, incluindo até cargos em ministérios. Foram os dias em que tentaram passar a noção de que elas poderiam continuar disputando cargos, ocupando vagas nas universidades, com a possiblidade de uma carreira profissional, e com o simples direito de ir e vir como qualquer ser humano normal.

Isso foi antes. Agora o que se vê é outra história. O Talibã está mais uma vez no comando, e já mostra que continua sendo o que sempre foi. Palavras não significam nada, são somente palavras quando não são transformadas em ação.

* Jornalista/tradutora freelance, residindo em Londres

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko