Rio Grande do Sul

Artes Visuais

Uma exposição da Terra: Museu Baldio 

Mostra visual na Casa de Cultura Mario Quintana transforma as chagas e as esperanças das “badlands” de Alvorada em arte

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Exposição Museu Baldio, na Casa de Cultura Mario Quintana, projeta um museu vivo no Parque da Solidariedade em Alvorada - Foto: Suzana Pires

“Fazendo analogia do solo com a visão que as pessoas têm de nossa cidade, foi meio natural que chamássemos tudo isso de badlands, um Museu Baldio, para uma terra baldia, que nunca teve um teatro, nem cinema e nem museu.” Marcelo Chardosim 

Uma exposição na Casa de Cultura Mario Quintana transforma as chagas e as esperanças das “badlands” da cidade de Alvorada no RS em arte. É uma exposição que existe, “graças” a um crime, um crime que começou há mais de 30 anos e segue em andamento.

Mais do que apropriado para o momento do planeta Terra, este movimento de mais de 50 artistas, propõe refletir e expressar-se a partir da destruição ambiental causada por um sistema que visa o lucro sem limites.


Movimento reúne mais de 50 artistas e propõe refletir e expressar-se a partir da destruição ambiental / Foto: Suzana Pires

Alvorada era um lugar como outro qualquer no planeta, águas limpas, vegetação vasta e caminho de carreteiros quando, nos anos 1960, passou a ser alternativa de moradia por conta do crescimento da população de cidades ao seu redor. A industrialização crescente consolidou-a como cidade dormitório (nos últimos dados do IBGE - 55.760 moradores de Alvorada percorrem aproximadamente 21 km para trabalhar e/ou estudar em Porto Alegre numa população de cerca 200 mil habitantes), lugar onde a maioria dos trabalhadores voltam apenas para dormir mesmo, depois de mais de 8 horas de trabalho e uma verdadeira “viagem” num transporte público de qualidade questionável. É uma das cidades com os piores índices sociais do Brasil. 

Não bastasse os problemas que a cidade já tem em infraestrutura, se junta a isso um crime ambiental num vasto terreno de aproximadamente 200 hectares. Para construir um loteamento, a empresa Habitasul devastou nos anos 1980, o lugar onde havia (há) pelo menos 12 nascentes. 

A erosão crescente gerou enormes voçorocas, e para proteger esta área, recuperar o que pode ser recuperado, que nasce a proposta Parque da Solidariedade. Uma ação comunitária onde pessoas do entorno recolhem lixo, fiscalizam o desmatamento, plantam árvores e lutam para que aquela terra se transforme num ecogeo parque (ecológico + geossítio + parque comunitário). Ali também nasceu o Museu Baldio, para uma cidade que não tem museu, nem cinema nem teatro.

Em 2015, um artista, Marcelo Chardosim, propôs através da arte que a comunidade gerisse aquela terra abandonada pela empresa e pelo poder público, onde eram depositadas grandes quantidades de lixo, e um local aberto a crimes contra humanos e natureza.  

Este é um resumo breve do cenário onde artistas, na sua maioria jovens, se recusam a compactuar com um mundo onde não tenham o direito de sonhar, de ser feliz ou pelo menos estar vivo em 2030, quando a temperatura da Terra irá aumentar perto de perigosos 2°C, por emissões de carbono que eles não participaram.


"A exposição é um manifesto do canto onde nasceram por obra do acaso, que contém gritos de dor, ânimos de alegria e resiliência" / Foto: Suzana Pires

Recomeçar (de novo). Olhar para o chão que se pisa é o método que escolheram. 

A partir das terras improdutivas (badlands) de Alvorada, no sentido mais objetivo e subjetivo que o termo tem, eles “fazem arte”, contrariando os conselhos da família. 

Fosse apenas um jovem carregando uma árvore (espécie invasora) de Alvorada até Porto Alegre, num dia de ciclone e frio extremo nestas terras do Sul, talvez passasse batido. Mas os sonhadores são muitos, lá daquelas terras esquecidas eles vão para a Capital e se juntam a outros artistas com o mesmo princípio. 

Alguns chamam de vida, outros chamam de protesto e há muitos que se referem à “sonho”. Utopia talvez seja um bom termo para resumir esta audácia delicada. Em vez de portar armas como os revolucionários da história, eles portam frases, torrões de terra colorida das feridas da voçoroca, paredes de barro, mudas de plantas, muitas mudas de plantas de esperança. Alimentam pássaros com bananas, sim em plena exposição, que por este conceito, se transforma todos os dias, se renova com novos artistas estreando suas obras, são mais de 50 numa ação coletiva raramente vista. 

É um manifesto do canto onde nasceram por obra do acaso, que contém gritos de dor, ânimos de alegria e resiliência. Pode ser também uma declaração de novos tempos, onde a propriedade da terra, da vida e da arte esteja sendo questionada.

E assim, carregando suas histórias, plantas, fotos e a alegria de mostrar que dá para transformar o mundo (acreditem, eles acreditam nisso) seguem limpando ruas, becos e terrenos baldios para exibir arte, fazendo hortas orgânicas para livrar a terra do veneno do lucro e plantando árvores nativas no terreno da insanidade da devastação. 

Para maiores informações sobre o Parque da Solidariedade e o Museu Baldio acesse aqui.


:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato RS no seu Whatsapp ::

SEJA UM AMIGO DO BRASIL DE FATO RS

Você já percebeu que o Brasil de Fato RS disponibiliza todas as notícias gratuitamente? Não cobramos nenhum tipo de assinatura de nossos leitores, pois compreendemos que a democratização dos meios de comunicação é fundamental para uma sociedade mais justa.

Precisamos do seu apoio para seguir adiante com o debate de ideias, clique aqui e contribua.

Edição: Katia Marko