Rio Grande do Sul

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Passeio por uma Poética Negra

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Isabete Fagundes Almeida se descobriu poetisa a partir da sua participação no Sopapo Poético - Ponto Negro da Poesia, em 2013 - Arquivo pessoal
A poesia nos fornece um despertar para o conhecimento da verdadeira história

Quantas referências de mulheres negras na literatura, ciências, comandando guerras, tomando decisões estudamos na escola? Como percebemos suas participações na construção dessa sociedade que insiste em mantê-las na base dessa pirâmide social, sem políticas públicas adequadas?

Eu cresci só lendo e vendo a figura negra nos livros em situações de servil. Isto teve um impacto muito forte na minha autoestima como acredito que tenha na maioria da população negra. A escrita muitas vezes serviu como uma forma de alento e aconchego para minhas inquietações e foi através dela que muitas vezes superei esses momentos traumatizantes. Vivendo na comunidade e sem muitos estímulos precisei aprender a lutar contra os estigmas e, até hoje, depois de publicar dois livros, ainda tenho dificuldades de me enxergar como uma escritora.

Quando comecei a participar do Sopapo Poético - Ponto Negro da Poesia, em 2013, um encontro mensal onde todos os participantes negros e não negros declamam poesias escritas por poetas negros, enxerguei um outro mundo. Levava meus poemas autorais e pedia para outros colegas declamarem. Em 2016, com o lançamento da Coletânea "Pretessência" do Sopapo, vi meus primeiros poemas publicados. Nesse momento dei o primeiro passo para acreditar que eu tinha capacidade de ser uma poetisa.

A partir dessa coletânea comecei a participar de outras, como “Negras palavras Gaúchas II”, em 2018 e, nesse mesmo ano, do "Nos Kintais do Mundo", e do "O Livro das Marias" e várias outras até meu primeiro Livro solo em 2020, Passeio Poético.

Em 2021, participei das coletâneas "Escrituras Negras a Mulher que Reluz em Mim", "Toca a Escrever", "Antologia das Mulheres Pretas", "Mulherio das Letras Portugal" entre outros, e agora no mês de setembro, lancei meu segundo livro solo, "Abrindo o Baú".

Quando escrevi "Passeio Poético"  estava me questionando sobre várias coisas e resolvi fazer um passeio através da poesia, resgatando algumas figuras negras que tiveram seu protagonismo negado na história. Foram invisibilizadas, pois não eram elas que escreviam suas trajetórias, motivos pelo qual até hoje, século XXI, seus feitos não estão nos livros escolares.

A ideia é provocar no leitor a curiosidade de saber mais sobre as personagens nos versos e a representatividade que elas têm nas lutas sociais, para a reconstrução do sentimento de pertencimento.

Mulheres nada subservientes com a força e garra de suas antepassadas africanas e afro-brasileiras: como Esperança Garcia, escravizada e alfabetizada; Maria Firmina, que em 1859 escreveu o primeiro romance "Úrsula" e fundou a primeira escola mista; Anastácia de escravizada a santa; e a vereadora que foi brutalmente assassinada, Marielle Franco.

É a poesia nos fornecendo um despertar para o conhecimento da verdadeira história.

* Isabete Fagundes Almeida, poetisa

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko