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Corpos menstruantes

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"Em um mês em que a saúde da mulher é o foco, temos o veto presidencial impedindo o acesso de absorventes para pessoas em vulnerabilidade social" - Foto: Projeto Menstruantes - Era uma vez e não era uma vez
Corpos menstruantes necessitam de acolhimento, compreensão e conhecimento deste ciclo natural

Primeiramente propomos uma reflexão: pense em como seria sair de casa sem proteção menstrual... Ir trabalhar, ir à escola, cumprir suas atividades/obrigações do dia, imaginando-se em um lugar de não acesso a proteção menstrual (absorvente, coletor…)

Sim, este é um exercício necessário para iniciar nossas reflexões e sensibilização sobre o que é a Pobreza Menstrual.

A partir dela, muitas outras questões são possíveis: higiene, autocuidado, saneamento, água, infecções, saúde física, saúde emocional, acesso a rede de saúde, educação…

Agora volte para sua realidade, pense no seu processo menstrual. Lembra como foi sua primeira menstruação? Havia alguém para lhe acolher? Você contou para alguém que havia menstruado?

Vamos mais adiante. O seu período menstrual está pautado em invisibilizar a sua menstruação? O quanto se preocupa em demonstrar que não estás menstruada no trabalho e nos espaços que circula? O quanto se preocupa em não haver vazamentos, não manchar sua roupa, dependendo de como é o seu ciclo?

Com poucas palavras nos direcionamos para as preocupações que hoje estão relacionadas ao ciclo menstrual. Situações de estresse, deficiências emocionais, de aprendizado são resultados dos tabus criados para um processo que é biológico e natural do nosso corpo.

Uma pesquisa do aplicativo Clue, em parceria com o International Wxomen’s Health Coalition, apresenta que pelo mundo há mais de 5 mil eufemismos para o período menstrual.

Agora, vamos lançar essas questões para o cotidiano de pessoas em estado de vulnerabilidade social.

O relatório “Pobreza Menstrual no Brasil, desigualdades e violações de direitos” publicado em maio de 2021 pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) conclui que: "O fenômeno da pobreza menstrual demonstra que negligenciamos as condições mínimas para a garantia da dignidade da pessoa humana ignorando as necessidades fisiológicas de cerca de metade da humanidade, as meninas e mulheres. A partir dessa negligência, pode surgir a urgência de remediar os problemas, evitáveis, decorrentes da falta de manejo adequado da menstruação. Problemas esses que seriam facilmente prevenidos com os devidos investimentos em infraestrutura e acesso aos produtos menstruais. Além disso, quando vivenciada desde a infância, a pobreza menstrual pode resultar ainda em sofrimentos emocionais que dificultam o desenvolvimento de uma mulher adulta com seus potenciais plenamente explorados.”

Corpos menstruantes necessitam de acolhimento, compreensão e conhecimento. Falar deste processo natural, resulta em aprendizado, em criar outros signos para a menstruação. Essa caminhada inicia pelas necessidades pessoais. Não para dizer que agora amamos menstruar, mas sim para compreender que a menstruação é um meio de comunicação com o corpo, que ela pode nos dizer como anda nossa saúde e autocuidado. 

Em um mês em que a saúde da mulher é o foco, temos o veto presidencial impedindo o acesso de absorventes para pessoas em vulnerabilidade social. Retrocessos!

Compreendemos que o acesso aos absorventes é apenas um passo para o movimento que requer ouvidos, acolhimento e voltar seus sentidos para o seu corpo. Que requer apoio dos espaços de ensino, sensíveis a criar um ambiente seguro para a menstruação, apoio da sociedade e de políticas públicas.

Precisamos reafirmar que a vulva não é só um órgão genital e que a reprodução não é uma experiência que somos obrigadas a viver.

Precisamos de dignidade para o processo menstrual e que, juntas com a sociedade, possamos lutar por garantias de acesso a itens de higiene e proteção menstrual, assim como acesso a água, saneamento e atendimento de saúde sensível ao corpo que menstrua. Que possamos usar de nossos privilégios para lutar por nossa saúde mental, pela capacidade de estarmos ocupando espaços sociais, de educação e de mercado. E que deste lugar sejamos espelho e projeção de novas realidades.

Precisamos naturalizar a menstruação!

Texto: Agda Santo e Elisângela Alfonso

* Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko