Rio Grande do Sul

Entrevista Especial

Juventude Sem Terra do RS se organiza ainda em meio à pandemia e prepara encontro regional

Leandro Rybeiro conversou com o Brasil de Fato RS para falar sobre como é ser um jovem do meio rural no Brasil de hoje

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Leandro Rybeiro, com 21 anos, participa da organização da Juventude Sem Terra - Reprodução

A cidade de Nova Santa Rita (RS) fica na Região Metropolitana de Porto Alegre e abriga alguns assentamentos rurais. Os lotes de terra onde hoje vivem as famílias foram conquistados através da ocupação de terras improdutivas, uma luta organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). É lá onde vive Leandro Rybeiro. Com apenas 21 anos ele já se coloca junto com outros jovens na organização da Juventude Sem Terra da região.

Segundo relata, iniciou sua trajetória na luta pela terra ainda na infância, em 2006. Sua família vivia na cidade de Soledade (RS). Sem terra para morar e com dificuldades, decidiram ir para um acampamento em uma terra ocupada. Queriam conquistar um pedaço de terra onde pudessem produzir os alimentos e ter "um cantinho pra viver". A conquista só viria anos mais tarde, na Região Metropolitana da Capital.

Para Leandro, crescer nesse meio trouxe consigo alguns preconceitos, pois considera que a opinião da sociedade é de que os sem terra só querem pegar terras que são dos outros, para fazer nada.

"Não é isso que mostramos com o nosso legado, o sem terra quer ocupar espaços improdutivos para produzir alimentos saudáveis e lutar pelos seus direitos", afirma Leandro. Afirma também que sua formação veio de toda essa trajetória. Participou de encontros de "Sem Terrinha" (as crianças que são filhos dos acampados e assentados), cursos de formação e a partir dai vem contribuindo em lutas e mobilizações.

Hoje Leandro trabalha na produção dos cultivos agroecológicos dos assentamentos da região. Além disso, atua politicamente na coordenação da Juventude Sem Terra da Região Metropolitana de Porto Alegre. Junto de seus companheiros, estão organizando nesse final de semana (dias 22, 23 e 24) o 1º Encontro da Juventude Sem Terra de Nova Santa Rita, reunindo os jovens dos assentamentos da região, bem como outras juventudes de movimentos parceiros que são da cidade e se somam na luta por Reforma Agrária.

Nesta entrevista, Leandro fala sobre o que significa para ele ser um jovem rural no Brasil de hoje. Também contou um pouco de seus desejos pro Brasil e pro futuro. 

"O lugar do jovem, é onde ele quiser. Lugar de jovem, é dentro das universidades, dos mercados. Ser jovem é levantar o punho e dizer: companheiro, não paramos e não descansamos, nós somos nós e eles são eles. Seguiremos adiante, pois mais um dia vai brilhar, devagar seguiremos em frente, conquistando nossos objetivos e lutando por uma Reforma Agrária Popular."

Brasil de Fato RS - Fale um pouco sobre ser um jovem do campo. O que deseja a juventude rural hoje?

Leandro Rybeiro - Ser um jovem do campo, pra mim, significa ser um guerreiro, ser um jovem animado e que luta por soberania, por um Brasil melhor, por uma sociedade onde todos devem ser tratados da mesma forma.

Ser um jovem do campo no tempo que o capitalismo bate de frente todo dia significa também ter um anseio de viver em um espaço que é nosso. Viver no campo é uma das melhores coisas que eu descobri na minha trajetória e eu carrego comigo o espírito de sacrifício para poder sobreviver nessa sociedade.

Eu carrego uma alegria muito grande de poder ir até a cidade e falar com as pessoas que eu nasci sem terra e, hoje, lá no meu pedacinho de terra, posso produzir um alimento saudável. [Para mim] viver em um assentamento, desde a minha formação, é carregar princípios e valores de luta por uma Reforma Agrária Popular.

É um caminho que a gente segue, desde que a gente aprende a engatinhar até começar a andar por conta própria. Cada um de nós, jovem sem terra, carrega os próprios desafios, tem seus anseios e suas angústias, mas nunca esquece os princípios e valores.

Através deste tempo de pandemia, a juventude de Nova Santa Rita está num processo de novas inserções dentro dos seus assentamentos. Todo dia, nós, como coordenadores e representantes da juventude organizada, procuramos nossos companheiros para ver como estão, chamando para participar das atividades, isso faz valer a pena [ter esse contato]. Temos bastante jovens que estão trabalhando na cidade, enquanto outros estão trabalhando dentro dos assentamentos, sendo nas lavouras e hortas, junto das famílias ou mesmo nas cooperativas.

Nesse momento, nós, jovens sem terra, moradores de assentamentos e acampamentos, ansiamos poder sair na rua, nas cidades, sem olhares como se fôssemos criminosos. O que queremos é produzir e termos direito à educação melhor, seja no espaço urbano ou rural.

BdF RS - Vocês estão organizando o 1° Encontro da Juventude Sem-Terra de Nova Santa Rita, fale um pouco sobre o que isso representa para vocês.

Leandro - Estamos organizando para os dias 22, 23 e 24 [de outubro] o nosso 1° Encontro. Vai acontecer em um tempo de lutas, anseios e angústia, mas um momento que a gente utiliza para continuar inserindo nossos jovens dentro dos nossos acampamentos, cooperativas e da nossa agricultura familiar.

Este Encontro tem como tarefa a inserção da nossa juventude no campo. Queremos conseguir transmitir um pouco para nossos jovens quais são as lutas que estão acontecendo, [por exemplo] contra esse governo genocida que vem nos atacando. Esperamos poder alcançar esses objetivos e reacender a chama que tem dentro de cada jovem.

A juventude em si, sabemos que passa por um momento de grande opressão. Contra nós, jovens do campo, mas entendemos que também os jovens da cidade passam pelo mesmo momento, principalmente se pensarmos no governo Bolsonaro.

Então, a juventude ainda tem uma chama de esperança acesa no peito. Mas sim, houve grandes mudanças na militância, principalmente com a pandemia. Acreditamos que poderemos continuar nossa luta quando esse momento passar, não paramos em momento nenhum, mas também precisamos respeitar o tempo de pandemia que estamos tendo ainda.

BdF RS - Recentemente, os assentamentos de Nova Santa Rita sofreram com pulverizações aéreas que intoxicaram os moradores e os cultivos agroecológicos da região. Pergunto como está a luta pelo modelo de produção sem venenos e como a juventude se insere nisso.

Leandro - Tivemos novamente, este ano, mais um ataque com a pulverização de venenos sobre nosso assentamento. É triste ver que nossos companheiros, amigos e parentes tiveram muitas perdas dos alimentos que levantaram todos os dias para produzir. Em algumas horas, todo nosso esforço foi perdido, pois uma única pessoa teve a ousadia de passar um avião e jogar veneno por toda nossa área.

:: MPF confirmou prática ilegal em pulverização aérea de agrotóxicos em Nova Santa Rita (RS) ::

É triste, mas sempre tem uma esperança, estamos na luta para conseguir justiça. Todo trabalho pesado que cada companheiro teve foi perdido, mas vamos conseguir nos estruturar novamente. A juventude está trabalhando nessas lavouras, junto das cooperativas. Muitos trabalham nas lavouras de arroz ou em hortas e isso é motivo de alegria, ver os jovens se somando nas atividades da Reforma agrária. 

BdF RS - Atualmente, é percebido em diversas parte do mundo o surgimento dos chamados "neorurais", que são jovens e adultos que fazem o movimento de migrar do meio urbano para o rural. Apesar de ainda pequeno, já é uma movimentação relevante, pode comentar?

Leandro - Sim, é uma movimentação relevante. A gente tem percebido que jovens e adultos do meio urbano têm se inserido em lutas do campo, querendo aprender mais sobre a terra, como se inicia o ciclo de uma plantação, qual o processo que tomamos para poder colocar na mesa um alimento saudável, sem agrotóxicos.

Para nós, é uma movimentação que nos deixa feliz, saber que jovens da cidade têm essa vontade de querer aprender um pouco mais sobre a terra. É um processo importante, de construção de pautas [conjuntas].


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Edição: Katia Marko