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Carestia

Entrevista | “As famílias ou compram o gás de cozinha ou compram alimento”

Diretor da Federação Única dos Petroleiros fala sobre o impacto da alta do preço do gás de cozinha e do combustível

Brasil de Fato | Juazeiro do Norte (CE) |

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Aumento no preço do gás de cozinha e da gasolina aconteceu por conta da modificação da política de preços da Petrobras - Fernando Frazão/Agência Brasil

O Brasil de Fato Ceará entrevistou Fernandes Neto, Diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP) para falar sobre carestia, mais precisamente sobre como o aumento do preço do gás de cozinha e do combustível afeta diretamente a vida do povo brasileiro. De acordo com Neto, em 2016, durante o governo de Michel Temer, houve uma modificação na política de preço da Petrobras e que pode ser visto como o principal vilão de todo esse cenário de aumento. “Com essa modificação, a política de preço passou a levar em consideração o preço do barril de petróleo internacional, de acordo com a cotação do dólar. Isso, somado com os custos de se trazer esses barris de fora para o Brasil faz com que esse preço fique ainda mais alto”.

Neto explica que o aumento do valor do diesel modifica toda a cadeia produtiva e colabora também com a alta nos preços do arroz, do feijão, da carne, pois de acordo com ele, todo o transporte desses insumos depende do transporte rodoviário. “Enquanto o diesel estiver com esses valores absurdos, consequentemente todo os insumos também estarão”. 

Brasil de Fato – Gostaria que você explicasse o que é a Federação Única dos Petroleiros e qual sua atuação?

Fernandes Neto – Na verdade, a FUP foi criada em 1994 com o objetivo de unificar todo o trabalho sindical da categoria petroleira já existente no Brasil. Ao todo, o país possui cerca de dezoito sindicatos que representam alguns estados. Alguns estados possuem até mesmo mais de um sindicato voltado para a categoria. Como já falado, ela foi criada para trabalhar junto da empresa petroleira e para unificar essa força dos trabalhadores petroleiros que posso afirmar ser uma categoria bastante unida e com muita força. Então essa federação vem cumprir esse papel de fortalecer a categoria e, consequentemente, a luta dos petroleiros.

É importante pontuar que ela já não é mais uma federação única. Em 2006 foi criada uma outra federação, onde cinco dos dezoito sindicatos que existem migraram para essa nova federação chamada de Federação Nacional dos Petroleiros (FNP). Agora a FUP representa os treze sindicatos que não fizeram essa migração, enquanto a FNP representa os cinco sindicatos que migraram. Entretanto, estamos sempre realizando ações em conjunto, não só em prol da defesa dos direitos dos petroleiros, pois como a FUP é filiada a Central Única dos Trabalhadores (CUT) isso faz com que desempenhemos atuações em outras centrais sindicais. Ou seja, de uma forma geral, a FUP trabalha em cima dos direitos dos trabalhadores com empatia, em conjunto com correios, professores, sempre apoiando outras lutas e categorias.

Brasil de Fato – Por que a gasolina e o gás de cozinha estão tão caros?

Essa pergunta a gente tem ouvido quase que todo dia, até mesmo dos familiares que acabam achando que esse preço é culpa dos trabalhadores e até mesmo da própria Petrobras, mas vou contextualizar a resposta porque, de fato, não é tão simples a explicação. Em 2016, ainda durante o governo de Michel Temer, houve uma modificação na política de preço da Petrobras e que pode ser visto como o principal vilão de todo esse cenário de aumento. Com essa modificação, a política de preço passou a levar em consideração o preço do barril de petróleo internacional, de acordo com a cotação do dólar. Isso, somado com os custos de se trazer esses barris de fora para o Brasil, faz com que esse preço fique ainda mais alto.

Porém, o governo é o acionista majoritário da Petrobras e a empresa possui estrutura suficiente para abastecer todo o mercado nacional, então por que interessaria ao governo colocar o preço dos barris vinculado ao mercado internacional? Todo esse cenário se agrava durante o governo Bolsonaro, onde está claro quais as intenções do presidente, juntamente com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que é de privatizar a Petrobras, entre outras estatais. E isso, de fato vem acontecendo pouco a pouco com a venda de refinarias e empresas ligadas a Petrobras. Para o governo, algumas questões são pontuadas para que consigam vender e privatizar essa empresa. O primeiro é que para que essa venda aconteça, do ponto de vista do comprador, é importante que o valor do combustível esteja alto, pois em uma necessidade eles importariam combustíveis de fora para comercializar em território nacional, já que a concorrência não estaria trabalhando com o preço mais justo.

O segundo ponto são os acionistas minoritários, pequenos grupos internacionais que fazem pressão em cima da Petrobras e do governo para aumentarem os preços dos combustíveis, tendo um maior lucro em cima desse aumento num curto prazo. E desde o ano passado temos ouvido falar sobre a distribuição de lucros e dividendo a montante, rendendo milhões para esses pequenos acionistas. Ficamos tristes em saber que a Petrobras poderia estar vendendo o combustível com valores abaixo de cinco reais, com um preço justo, e ainda assim continuaria rendendo grande lucro à empresa, mas infelizmente o que temos visto é o contrário.

Brasil de Fato – O preço do gás e da gasolina hoje poderia ser outro? E se sim, como isso seria possível?

Um dos motivos mais importantes que estão na mídia é que os preços estão mais altos por conta do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação). E na verdade, o ICMS não aumentou nos últimos anos e não se tem a pretensão de aumentar, tanto em relação ao preço do gás de cozinha como o preço da gasolina. A própria federação, junto dos sindicatos, promoveu várias campanhas de combustíveis a preço justo para o povo, sendo esse preço justo e que traria ainda grande lucro para a empresa no valor de R$4,50, e o gás de cozinha em um valor que giraria em torno de R$60, podendo variar de acordo com a região do país, mas que ainda permaneceria um preço abaixo que encontramos hoje.

Nesse sentido, trabalhar em cima dos impostos, mesmo sabendo que a carga tributária do Brasil é alta, não podemos atrelar esses preços ao valor do ICMS. O que precisa mudar na verdade é essa política de preço, a qual não deve ser atrelada a cotação do dólar. Isso acontece principalmente em países que são dependentes da importação do petróleo, que não é o caso da Petrobras e do Brasil, já que nós somos produtores de petróleo, e a partir disso poderíamos estar trabalhando com preços mais justos para o nosso povo, e garantindo o lucro da empresa.

Brasil de Fato – E sobre o ICMS, que temos ouvido bastante ultimamente, ele possui de fato alguma relação com o aumento dos preços do gás de cozinha e do combustível?

O ICMS, assim como outros impostos brasileiros, é um percentual do valor que vai sair das casas de refinaria, então quando aumentam o valor de venda das refinarias, sendo o ICMS um percentual com base nesse valor, ele vai ser arrecadado um valor maior e que vai acarretar um valor na bomba. Porém, é preciso pontuar que ele não é o principal motivo desse aumento, na verdade o aumento do valor do combustível quando sai da refinaria é o principal motivo. E sobre o ICMS, está em votação na câmara para modificar a política de cotação do ICMS, passando a ser um valor fixo com o objetivo de reduzir esses valores, o que é errado, pois, por mais que ele se mantenha fixo, a Petrobras pode aumentar o valor do combustível na refinaria, fazendo com que os valores continuem crescendo. Logo, o principal vilão desse aumento no preço do gás de cozinha e da gasolina é na verdade o aumento do combustível quando sai da refinaria, onde é atrelado ao mercado internacional, e não por conta da oscilação do valor do ICMS.

Brasil de Fato – E como esses valores, sobretudo o valor do gás de cozinha impacta a vida das pessoas?

A meta de inflação deste ano já extrapolou. A pontuação que estava em cerca de seis, já conseguiu bater nove, porque quase toda nossa distribuição de produto é rodoviária, ou seja, precisa do diesel para realizar essas atividades. Então o aumento do valor do diesel modifica toda a nossa cadeia produtiva, e por isso os altos preços também do arroz, do feijão, da carne... Pois todo o transporte desses insumos depende do transporte rodoviário, e enquanto o diesel estiver com esses valores absurdos, consequentemente todo os insumos também estarão. Sobre o gás de cozinha, como já dito anteriormente, fazemos campanha sempre nas comunidades e com isso observamos que as famílias ou possuem dinheiro para comprar o alimento ou tem dinheiro para comprar o gás de cozinha. É revoltante ver o trabalhador brasileiro ter que destinar cerca de dez por cento do seu salário para compra do gás de cozinha, então não assistimos somente um impacto econômico, mas também impacto na segurança, passando a recorrer o uso de fogão a lenha, que compromete a segurança das pessoas e, além disso, um impacto social também.

Como representante sindical dessa categoria estamos vendo a fome e o desemprego pelas ruas do Brasil. Tudo está um absurdo e os movimentos populares e sindicais tem desenvolvido um trabalho excepcional. Ultimamente assistimos aquele vídeo de Fortaleza, onde as pessoas procuram por comida em um caminhão de lixo. Estamos acompanhando e observando todo o impacto que essa pandemia e esse governo vêm causando para o país, e esperamos que, se não ainda este ano, mas que no ano que vem possamos estar vivendo em situação melhor, felizes e sorrindo novamente.

Brasil de Fato – Quais são as pautas de luta do SindPetro para reverter essa situação em que o Brasil vive?

Nessa situação, nossa principal bandeira de luta sem dúvidas é reverter as privatizações, não somente da Petrobras, mas também de outras categorias como os correios, mas também junto com outras classes. Continuamos na luta pelo pleno emprego, contra a fome e o desemprego.

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Edição: Francisco Barbosa