Cultura Nacional

Artigo | Exibição de Marighella nos cinemas é uma vitória contra a censura e deve ser celebrada

Lançamento do filme de Wagner Moura sobre o guerrilheiro é um ato de coragem, sobretudo na atual conjuntura brasileira

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
O filme “Marighella” é inspirado no Livro “Marighella – O Guerreiro que incendiou o mundo”, do jornalista e escritor Mario Magalhães. - Foto: Felipe Abud

Passados dois anos de impedimentos – ou melhor, de censura – a estreia do filme Marighella aconteceu no dia 4 de novembro de 2021, no dia do aniversário de morte do guerrilheiro. O encontro do longa-metragem com o público é um acontecimento histórico e político que deve ser celebrado enquanto uma vitória contra as tentativas de censurar à exibição do filme no Brasil.

Após rodar festivais de cinema mundo afora, Marighella chega ao seu país de origem no mês da Consciência Negra, e vem para contribuir na reconstrução da memória do “guerrilheiro que incendiou o mundo” e popularizar a história da luta da Ação Libertadora Nacional.

O processo de censura que a película sofreu parece ter incitado no público que aguardava o seu lançamento ainda mais entusiasmo em prestigiar a história. Por onde passou, em pré-estreias, o filme foi recebido em teatros lotados e com vívidas intervenções contra a censura, contra a ditadura e pelo Fora Bolsonaro, palavras de ordem que ecoaram nos espaços por onde Marighella passou e que traduzem a relevância que o filme tomou.

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A adesão do público geral, mas também dos movimentos populares ao circuito de mobilização em torno da estreia do filme e da denúncia ao processo de censura a que ele foi submetido, dá a Marighella um caráter político a mais no seu lançamento, envolvendo ativamente os militantes de hoje no processo de reivindicação da memória de um lutador que tanto inspira os que hoje resistem no Brasil.

O lançamento de Marighella, um filme que resgata a memória daqueles que resistiram aos horrores da ditadura militar, é um ato ousado de coragem, sobretudo na atual conjuntura brasileira, onde nos últimos anos temos vivenciado uma escalada neofascista, um governo militarizado e declarações exaltando o período ditatorial por parte do próprio presidente da República.

A produção de arte e cultura engajadas socialmente contribui para a disputa de narrativa em um país, e Marighella é um marco nesse sentido. Uma ferramenta dos que defendem a ditadura é distorcer a história e tentar recontar os fatos em seus termos, e na contramão, os que defendem a democracia devem reivindicar a verdadeira história do nosso país.

A decisão de disseminar o legado de Marighella através do filme assegura a democratização da memória, servindo como uma espécie de escracho ao que foi a ditadura militar brasileira.

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A sensibilidade do filme em humanizar Marighella e os demais militantes da ALN gera na audiência a sensação de identificação com a história apresenta. O retrato histórico de homens e mulheres reais que combateram o regime militar convoca o espectador a uma experiência que atravessa profundamente os subjetivos de quem o contempla.

A escolha por retratar sujeitos humanos com suas complexidades e contradições gera no público um sentimento de reconhecimento com os personagens que são verdadeiramente reais.

Marighella é, afinal, um filme brasileiro, sobre o Brasil, e que impacta os brasileiros. Retrata um momento histórico, mas se entrelaça necessariamente também com o momento histórico atual de sua estreia, e por isso é potente, porque atravessa o íntimo de quem assiste, porque – infelizmente – não é um filme de época tão somente, é um filme que retrata o Brasil, o de lá, mas também o de cá.

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É um filme que convoca a reflexão sobre os resquícios da ditadura que ainda impactam no Brasil hoje. Como o próprio diretor Wagner Moura aponta, o filme se trata não só dos que resistiram nos anos de chumbo, mas dos que resistem também hoje.

Marighella é um filme visceral. Os paralelos que são apresentados entre o Brasil que enfrentava uma ditadura militar e o Brasil que vive hoje uma democracia ameaçada por um governo neofascita são propositalmente elucidados para gerar desconforto, para despertar no público um repúdio à ditadura e manter viva a convicção de Marighella na construção de um Brasil justo, igualitário e livre.

O longa é em síntese um convite. Ele coloca em voga o debate sobre o processo de resistência e de luta armada contra a ditadura militar, mas não consegue aprofundar nos debates políticos mais densos da própria estratégia e organização da ALN. É um convite a um mergulho profundo e íntimo, como o de Carlinhos e Marighella no mar.

Aos que estão dispostos à imersão, a biografia de Marighella, escrita por Mário Magalhães, obra em que se baseou o longa-metragem, permite esse mergulho mais profundo na história do guerrilheiro, bem como toda a produção escrita e o legado político que o próprio Marighella deixou de contribuição para o processo de resistência.

O filme expressa que é preciso ter a coragem de dizer e aos espectadores resta tomar a decisão de ser apenas um entre os milhões de brasileiros que resistem, assim como Marighella.

*Membro da Coordenação Nacional do Levante Popular da Juventude e Diretora da UNE

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Fonte: BdF Ceará

Edição: Francisco Barbosa