Rio Grande do Sul

Polêmica

Colégio barra apresentação teatral por uso da linguagem neutra e abre debate sobre censura

Espetáculo Puli-Pulá já foi apresentado na mesma escola, além de centenas de colégios, praças, parques e festivais

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Peça infantil teve apresentação cancelada no Colégio Farroupilha, em Porto Alegre - Foto: Gustavo Muller

O cancelamento de um espetáculo de teatro em uma escola de Porto Alegre devido ao uso da linguagem neutra abriu um novo debate sobre censura. No centro da discussão está um tradicional colégio da Capital, o Farroupilha, fundado no século 19, e o grupo teatral Cerco. A direção da escola suspendeu Puli-Pulá, uma peça infantil que, a partir da brincadeira de pular corda, trata também da ocupação dos espaços públicos, da aceitação das diferenças e da inclusão, além de lembrar que toda brincadeira é para todos, independentemente de gênero.

Puli-Pulá, que estreou em 2015, foi representada centenas de vezes em escolas, praças, parques, ginásios e festivais no Brasil e mesmo em Portugal, segundo consta em nota distribuída pelo Cerco.

“Desacordo com a gramática normativa”

O recuo do colégio aconteceu no final de outubro mas a informação somente veio à tona agora. No dia 29, haveria três apresentações de Puli-Pulá. Após a primeira, às 8h30, o grupo foi informado de que as demais estavam canceladas, o que valeria também para a quarta, programada para o dia 3 deste mês.

A alegação do Colégio Farroupilha exposta em nota aos pais explica que adota “a norma-padrão da língua portuguesa e, por essa razão, não compactua com iniciativas que estejam em desacordo com a gramática normativa”.

“Mergulhar em universo lúdico”

A decisão causou surpresa já que Puli-Pulá fora apresentada antes no Farroupilha, em 2018, com repercussão “extremamente positiva”, conforme o Cerco.

O site da escola ainda mantém o texto daquele ano, informando que “o Grupo Cerco traz o espetáculo interativo 'Puli Pulá', para o Palco Farroupilha”. E ressalta que “ele (o espetáculo) retoma uma das mais antigas tradições populares que move gerações de diversas culturas: o pular corda, convidando o espectador a mergulhar em um universo lúdico e a brincar com o elenco em cena”.

Suspeita-se que a atitude estaria relacionada à reação de alguns pais. A carta de um deles encaminhada ao Farroupilha circula nas redes sociais. Nela, ele critica a “ideologia de gênero”, questiona a peça e reclama da escola.

“Tempos difíceis de intolerância”

“Desde 2015, esta é a primeira vez que o espetáculo recebe esse tipo de tratamento”, acentua o grupo. “Recebemos, no ano de estreia, quatro prêmios Tibicuera de Teatro Infantil pela Secretaria de Cultura de Porto Alegre, incluindo o de Melhor Dramaturgia e Melhor Espetáculo pelo Júri Popular”, reforça. Porém, registra que, nos últimos anos, “passamos a viver em tempos difíceis de perdas de direitos, de desinformação, de intolerância e de desvalorização da vida”.

Privado, o Farroupilha foi fundado em 1886 por uma associação beneficente criada para atender a imigração alemã. Possui duas unidades, uma delas abrigada no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva. O Cerco surgiu em 2008 por iniciativa de alunos do Departamento de Arte Dramática da UFRGS.

Paulo Freire sob ataque em Gravataí

A linguagem neutra e o teatro também estão sob pressão em Gravataí, cidade da Região Metropolitana, após postagens do vereador Evandro Coruja (PP) contra aluna do curso de licenciatura em Teatro da UFRGS. Coruja usou imagens da atriz Eduarda Ouriques, autora e apresentadora do projeto artístico-pedagógico “Paulo Freire para Crianças”, para criticar o fato dela abrir seu vídeo falando em meninos, meninas e menines.

Em seu perfil, o vereador, que é policial federal,  ataca Eduarda dizendo tentar impedir que “a língua portuguesa seja vilipendiada em nome da 'ideologia de gênero'”. Bolsonarista, designa-se como “conservador de direita”, tendo como bandeiras a fé em Deus, o patriotismo e a família. Fã do senador Luiz Carlos Heinze (PP) com quem posa no Instagram fazendo arminha, Coruja queixa-se da prefeitura, sob o comando do MDB por, através da secretaria de cultura local, ter cedido verba de R$ 3 mil para o projeto.  

“O português de hoje não é o que se falava no século 19”

O Departamento de Arte Dramática (DAD), da UFRGS, rebateu o discurso do vereador, acusando-o de promover discurso de ódio e de distorcer informações. Acrescenta que o projeto foi “analisado e contemplado” com recursos do Fundo Municipal de Cultura. “Repudiamos todo e qualquer ato de intolerância, de incitação à violência e de censura a obras artísticas e projetos pedagógicos devidamente fundamentados”, diz a nota.

Sobre a questão da linguagem neutra, sustenta que “a língua portuguesa, como todo idioma, é entidade viva e dinâmica, transformando-se e adaptando-se aos contextos históricos, sociais e educacionais”. Lembra que “o português que falamos hoje não é o mesmo português que se falava no século 19, nem é o mesmo que será falado no século 22”.


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Edição: Marcelo Ferreira