Paraná

Desmonte

“Não há mais recursos para manter laboratórios nas universidades”, diz pesquisador

Corte de mais de R$ 600 milhões compromete futuro de pesquisas importantes

Curitiba (PR) |
"A ciência é o maior motor de desenvolvimento de um país", defende pesquisador da UFPR - Foto: Ed Reed/Mayoral Photography Office/Fotos Públicas

Mais de R$ 1 bilhão foi retirado do orçamento voltado às instituições de ensino superior no Brasil em 2021. A redução na Lei Orçamentária Anual, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, começa ter efeitos, principalmente, na dificuldade de manter a infraestrutura das universidades.

Recentemente, a área de pesquisas científicas sofreu mais um golpe com a supressão, a pedido do Ministro da Economia, Paulo Guedes, de mais de R$ 600 milhões em bolsas e projetos do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPQ), que seriam repassados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação (MCTI).

Pesquisadores que enfrentam o sucateamento das universidades desde 2016, com sucessivos cortes, lamentam que pesquisas importantes para o país terão de ser interrompidas devido à falta de recursos para manutenção de laboratórios e pagamento de bolsas para estudantes pesquisadores.

De acordo com o pró-reitor de planejamento, orçamento e finanças da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Fernando Marinho Mezzadri, o bloqueio dessa verba prejudicará todas as atividades, sem exceção. “Impacta em todas as áreas: bolsas, contratos, insumos. Com esses 23 milhões a menos (valor que a universidade receberia), não conseguiremos manter todas as nossas ações até o final do ano”, conta.

Laboratórios

“Não há mais recursos para manter laboratórios nas universidades", desabafa o pesquisador e professor do departamento de Química da UFPR, Aldo Zarbin. Eleito em 2019 membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), uma das instituições científicas mais importantes do Brasil, o professor lamenta a desvalorização da ciência que, para ele, é o motor de desenvolvimento do país.

“Temos que lembrar que os cortes na área de ciência e tecnologia acontecem desde 2015. Estávamos, até lá, passando por um crescente investimento e chegamos em 2021 com o orçamento mais baixo da década. O Sistema de Ciência e Tecnologia no Brasil e no mundo é financiado por recursos públicos, a ciência é o maior motor de desenvolvimento de um país. Com esse investimento diminuindo, o sistema que é formado por laboratórios, por exemplo, que 95% está dentro das universidades, vai parar”, diz.

Uma das linhas em que Aldo Zarbin atua é a de produção de grafeno, viabilizando a produção, por exemplo, de baterias, sensores e sistemas solares mais econômicos e sustentáveis. O grupo de pesquisa que ele lidera já foi capa da revista inglesa “Royal Society of Chemistry”, em 2018, devido ao desenvolvimento de nanomateriais que permitem fabricar baterias alcalinas mais duráveis e ecológicas.

“Estamos desenvolvendo novos protótipos desses dispositivos que levem em conta fatores de sustentabilidade, economia e rendimento. Para isso, são necessários insumos, alunos de pós-graduação, que são cientistas e devem ser pagos, além da infraestrutura. Mas, hoje, não existe recurso para consertar equipamentos nem fazer sua manutenção. Isso vale para toda a ciência brasileira, desde os que estudam variedade de plantas até quem está desenvolvendo vacinas”, explica.

Em uma carta aberta divulgada no sábado (6), 21 cientistas brasileiros renunciaram à Ordem Nacional do Mérito Científico, com a qual haviam sido condecorados nesta semana pelo governo federal. Zarbin estava nessa lista de mais de 100 cientistas e renunciou à homenagem em repúdio à desvalorização da ciência.

Sem vacina

Além de inúmeras pesquisas das mais diferentes áreas que poderão ser interrompidas, a produção de uma vacina nacional contra a covid-16, que vem sendo desenvolvida por cientistas da UFPR, também está com seu futuro comprometido.

No momento, a pesquisa encontra-se em estudo pré-clínico. A intenção era que a etapa fosse finalizada no final deste ano, mas, por conta de atrasos de orçamento, a perspectiva atual é que fique para o primeiro semestre de 2022.

UFPR pode fechar as portas

Recentemente, o reitor da UFPR, Ricardo Marcelo, em um pronunciamento à imprensa, disse que a instituição pode fechar as portas até o fim do ano. “Estamos mantendo o que conseguimos, como água, luz e limpeza. Mas a previsão é que muitas universidades, entre elas a UFPR, precise fechar as portas devido à falta de recursos para mantê-la”, disse.

No final de outubro, Marcelo integrou uma comitiva de reitores que foram até Brasília dialogar com parlamentares e com o Ministro da Educação, Milton Ribeiro, sobre a necessidade urgente do aumento do orçamento de 2022.

Edição: Frédi Vasconcelos e Lia Bianchini