Rio Grande do Sul

EDUCAÇÃO NA PANDEMIA

Retomada das aulas por decreto no RS gera divergências

Acompanhe os relatos divergentes de pais e profissionais em duas escolas de Sapucaia do Sul

Sexto ano da Escola Maria Medianeira recebendo a aula de português da professora Andreza Schimitt - Foto: Bábiton Leão

Com Matheus Ramos

Em 29 de outubro, o governo do estado do Rio Grande do Sul publicou um decreto que determinou a volta obrigatória das aulas presenciais na educação básica. As aulas foram retomadas presencialmente no dia 8 de novembro. Com o decreto em vigor, uma nova discussão tomou conta do estado, pois a posição dos pais dos alunos está dividida quanto à decisão do governo. Opiniões de responsáveis, professores, diretores e autoridades demonstram divergência sobre o assunto.

Depois da primeira semana da volta às aulas presenciais obrigatórias, a Beta Redação procurou duas escolas da cidade de Sapucaia do Sul para entender como foi o regresso dos alunos e ouvir o posicionamento dos núcleos escolares. A Escola Estadual de Ensino Fundamental Maria Medianeira (EEEF Maria Medianeira) relata resultados benéficos com o retorno, especialmente pelo ganho em relação ao processo de aprendizagem. Já o Instituto de Educação Estadual Rubén Darío (IEE Rúben Darío) questiona a decisão, tendo em vista o curto espaço de tempo até a chegada do período de férias.

Processos de aprendizagem como prioridade

A diretora, Maria Ivone, 56 anos, relata que a EEEF Maria Medianeira se preparou muito bem para uma volta total dos alunos no período em que esteve sem receber ninguém. Ela conta que já esperava uma mudança de postura do governo a qualquer momento, portanto, sempre esteve um passo à frente, para que assim pudesse receber os estudantes na escola. A verba destinada à Escola pelo Governo, inclusive, foi utilizada para fazer uma melhoria na rede elétrica, pois os fios haviam sido roubados durante o tempo sem aula. A instituição também ganhou nova pintura em toda área.

A EEEF tem capacidade para 2.200 alunos, mas tem hoje matriculado apenas 10% desse número, recebendo em média apenas 80% dos alunos após o retorno por decreto. Isso fez com que a volta dos colegiais também fosse mais tranquilo, de acordo com a Diretora.


Diretora Maria Ivone acompanhada das lembranças que ganhou em comemoração ao 12 de novembro, Dia da Diretora escolar / Foto: Bábiton Leão

Devido ao número baixo de alunos, a escola não precisou fazer adaptações nas salas de aula, necessitando apenas manter os protocolos sanitários, com um metro de distância entre as classes, uso de máscara e álcool gel, e medição da temperatura na entrada da instituição. Questionada sobre como monitorar o uso das máscaras entre as crianças, a diretora acredita que “o próprio fato deles saberem que tem que usar já é suficiente para esse controle, pois se não usarem eles vão ter de voltar pra casa. Isso faz com que eles não tirem, pois não querem ficar sem vir para a escola”, opina.

De acordo com a direção, a EEEF Maria Medianeira está também atenta aos sintomas relatados pelos alunos. "Todos prestam muita atenção nos comportamentos. Qualquer sintoma de gripe é avisado aos responsáveis e o aluno volta para casa até sua melhora. O numero é baixo, mas existem casos de avós que deixaram de levar seus netos à escola por medo de contrair a covid-19", conta Maria Ivone.

Por causa da pandemia, muitas famílias mudaram de endereço. Estes fazem parte dos outros 20% que não voltaram às aulas presenciais. "Alguns alunos tiveram que começar a trabalhar para ajudar em suas residências, pois o consumo de tudo dentro das casas aumentou no período. Outro fato é que a violência doméstica cresceu na fase de isolamento, então alguns alunos fizeram de tudo pra fugir daquela realidade. Estes estudantes agora alegam não poderem largar o emprego e nem se matricularem em outro turno ou escola, todavia ficarão sem ensino básico", lamenta a diretora.

Em outros casos, alguns alunos pediram para continuar estudando no modelo híbrido, pois trocar de instituição neste momento do ano atrasaria ainda mais o aprendizado. No caso de três alunos, em que dois mudaram para o interior e um para o estado de Santa Catarina, a escola aceitou o pedido. Os demais que estavam em ensino híbrido precisam comparecer nas aulas presenciais.

Mas um dos fatos que contribuíram para a visão da diretora de que o retorno presencial era necessário foi justamente a dificuldade apresentada pelos alunos quanto ao ensino híbrido. Com os estudantes em casa, sem a explicação diária do professor, os obstáculos eram maiores. “Os pais também não conseguiam dar todo o suporte possível e isso estava deixando as crianças com o ensino muito atrasado”, relata Maria Ivone.

Maria Ivone ressalta que seus professores estão satisfeitos com a volta dos estudantes. Ela também relata que a vida dos profissionais da escola estava muito bagunçada, pois o trabalho era maior. “Eu mesma, desde que começou a pandemia, não parei nunca. Continuei vindo todos os dias pra cá. Graças a Deus tive todo o cuidado e não peguei covid”, concluiu.

A professora de português do sexto ano, Andreza Schimitt, 39 anos, concorda com a diretora. “O ensino estava sendo muito prejudicado. Mesmo que seja por pouco tempo, pois o final do ano letivo está próximo, era necessário que eles voltassem”, afirma. Andreza também fala que os próprios estudantes queriam essa volta e que estão muito felizes. Segundo ela, agora os alunos vão poder fazer as provas finais mais tranquilos com os conteúdos de aula.


Professora Andreza Schimitt explicando o conteúdo escolar para o sexto ano / Foto: Bábiton Leão

Mãe relata outra realidade

Rosiane de Paula Sena, 31 anos, mãe de Thayllor de Sena Pantoja, 7 anos, estudante do primeira série na EEEF Maria Medianeira, demonstra insatisfação com a volta às aulas. Ela acha desnecessário o retorno já no final do ano letivo. “Por mais que a escola se prepare, ela não vai conseguir impedir que a criança tire a máscara. Não tem como ter esse controle, mas como fomos obrigados, tudo bem, estou levando para a escola”, afirma Rosiane. A mãe conta que estava preparada para a volta às aulas apenas em 2022. “Tanto que meu filho já tinha usado todo o material em casa, então tive que comprar mais material escolar”, conta.

No período de aulas em modelos híbridos, Rosiane conta que mudou de bairro e agora está mais longe da EEEF. Thayllor tem uma irmã de 5 anos, Thallya de Sena Pantoja, que frequenta outra instituição, em turnos diferentes. Com a mudança no decreto para a volta às aulas obrigatórias, a mãe está tendo que levar seus filhos para a escola de bicicleta. “Ficou bem ruim, tenho que deixar um na casa da vizinha para levar o outro na escola. Então, ter sido pega de surpresa assim, sendo obrigada a levar, está sendo bem difícil”, afirma. “Não estou satisfeita. Deveríamos estar mais preparados. Eu realmente esperava que pudéssemos voltar no ano que vem, quando poderíamos ter quase toda a população vacinada. As crianças ainda têm um risco maior por não terem se vacinado. E ainda tem a questão do transporte, não temos como pagar, mas temos que levar, então tivemos que dar um jeito. Não vejo a hora de terminar esse ano letivo para matricular o Thayllor em uma escolinha mais perto”, completa.

Problemas estruturais e de mobilidade

Susana Bressani Rodrigues, diretora do Instituto de Educação Estadual Rubén Darío, localizado no bairro Santa Catarina, também compartilha a sua perspectiva de como a educação está se adaptando durante o período pandêmico. A profissional de 67 anos conta que os funcionários tentaram preparar a escola para o retorno das aulas presenciais dentro da disponibilidade de recursos. Contudo, a internet da instituição não possuía a qualidade necessária para suprir a demanda desse contexto pouco convencional.


Instituto de Educação Estadual Ruben Dario está realizando aulas presenciais desde maio / Foto: Arquivo pessoal da instituição

Ao retornarem para a instituição, os alunos a encontraram devidamente limpa e sanitizada, com álcool gel disponível e com a limpeza das salas a cada troca de turno. Embora alguns estudantes já estivessem retornando desde maio, a partir do decreto do governador do estado ocorreu o aumento da presencialidade, fazendo com que os protocolos de segurança fossem aplicados com uma intensidade ainda maior para minimizar os possíveis riscos de contaminação.

Durante o começo do período pandêmico, no qual as aulas estavam ocorrendo de forma exclusivamente remota, algumas melhorias específicas foram realizadas na escola, como a substituição de toldos, o conserto de uma área externa e a colocação de novos pontos de acesso à internet, fazendo com que posteriormente os estudantes conseguissem realizar pesquisas nos laboratórios de informática com mais eficiência, otimizando o processo de aprendizagem.

Como a maioria dos alunos da instituição são adolescentes, Susana admite que está sendo difícil controlar o distanciamento e a utilização de máscaras durante a entrada e saída. Em decorrência disso e de outros fatores, a diretora acredita que o retorno obrigatório das aulas presenciais neste momento é extremamente questionável. Diversos estudantes coabitam com idosos e pessoas que apresentam comorbidades e nem sempre conseguem atestados médicos para mantê-los no modelo remoto. “Muitas famílias estão dependendo da renda de seus filhos adolescentes e eles estão com dificuldades de manter as passagens para ir e vir para a escola”, aponta a diretora, que também atuou por 45 anos como professora. "Por conta desse contexto atípico que a sociedade está inserida atualmente, as famílias precisam se reorganizar para refazer as rotinas que foram alteradas, mas de forma consciente", complementa Susana.

A diretora revela que o deslocamento dos estudantes até a escola está sendo consideravelmente complicado já que a instituição de ensino recebe alunos de diversos bairros e também de outros municípios. Durante a pandemia foram alterados os itinerários dos ônibus municipais, havendo também uma redução dos que se encontram disponíveis. “Em alguns bairros os horários do transporte coletivo não fecham com o cronograma da escola, com os alunos precisando ir a pé ou de Uber”, conta.

Como as salas de aula da instituição não suportam as turmas completas, foi necessário dividi-las em grupos A e B. Ao precisarem lidar diretamente com as mudanças ocasionadas pela pandemia, desde maio os professores estão trabalhando por um período de tempo ainda mais extenso, pois atendem alguns alunos no presencial e outros no remoto. “Não temos capacidade de internet suficiente para que eles possam ministrar suas aulas de forma concomitante”, salienta Susana, evidenciando que, ao menos por enquanto, não existe a possibilidade de o processo de ensino realizado no espaço físico ser compartilhado em tempo real com os estudantes que não se encontram confortáveis para retomar às aulas tradicionais.

 

Edição: Beta Redação