Paraíba

VIOLAÇÃO DE DIREITOS

Artigo | Qual o significado do despejo em Dubai?

O despejo de Dubai revela como os aparelhos de estado estão alinhados com os setores da construção civil

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |

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Despejo na comunidade Dubai, em Mangabeira 8. - Reprodução

É o local onde o setor imobiliário, junto com a estrutura do Estado, tem investido, é o palco das disputas por áreas novas para o mercado. Mas, sobretudo, é revelador da imensa desigualdade de duas cidades distintas, de dois mundos em constante antagonismo de classes. Não é à toa que Mangabeira 8 é repleta de ocupações urbanas. O despejo de Dubai revela como os aparelhos de estado estão alinhados com os setores da construção civil, em especial, a Prefeitura Municipal de João Pessoa, que vem realizando um conjunto de despejos ilegais e imorais. 

O despejo de hoje não foi comunicado à Defensoria Pública, como prevê o novo Código Civil Processual, afrontando a decisão do Supremo Tribunal Federal, no que diz respeito à ADPF 828, que determinou a suspensão dos despejos durante o período da pandemia da Covid-19. Também desrespeita a recomendação da Corregedoria do Tribunal de Justiça da Paraíba, que prevê a comunicação prévia para a Defensoria Pública antes que reintegrações de posse sejam cumpridas quando dizem respeito a pessoas e famílias em situação de vulnerabilidade, como foi o caso da Dubai, em que famílias foram despejadas com muitas crianças, sem a presença, inclusive, do Conselho Tutelar.

O conjunto de abusos não para, pois, o fato de estarmos em plena pandemia é revelador que o Ministério Público Estadual, junto com a Prefeitura Municipal de João Pessoa, se tornam o polo ativo do despejo, mas ignoram o fato de ter uma lei de autoria da deputada Natalia Bonavides (PT/RN) que impede despejos nesse momento, somado a decisão do Supremo Tribunal Federal, que garante que as famílias que ocuparam áreas antes de 20 de Março de 2020 não sejam despejadas, além de um conjunto de recomendações do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional de Direitos Humanos, inclusive naquilo que se chama de Despejo Administrativo. 

As famílias não foram notificadas, não se tornou público sob qual processo legal se deu o despejo. O que assistimos são famílias se somando a milhares de sem tetos que não têm outra opção: precisam escolher entre comer ou pagar o aluguel. Pessoas que precisam fazer essa escolha, nesse momento, foram removidas por um contingente de 600 policiais militares, pela Defesa Civil e pelos órgãos da Prefeitura Municipal de João Pessoa, que demonstrou colocar todo o seu aparato de força e violência para demonstrar de que lado está. Estamos falando de áreas urbanas que reúnem um grande contingente de ocupações em situação irregular, no maior bairro da capital paraibana, em um local onde o serviço de saúde é publicamente conhecido como o mais precário do nosso município, que leva os profissionais à exaustão e as famílias e moradores a um serviço extremamente precário. Estamos falando de uma região onde o aparato do Estado não chega de outra forma, que não seja através da força policial e da violência. Estamos falando de um local que resiste, apesar de toda a sombra de dúvidas que pesa sobre o seu destino. 

Pudemos presenciar os meios de comunicação da mídia empresarial noticiando com frenesi a presença do tráfico de drogas nesse local, colocando luz a um debate permeado de tabus e preconceitos. O mesmo Estado que não cumpre o seu papel e que protege a propriedade privada desses territórios, por parte dos grandes grileiros de terras no estado da Paraíba, é o Estado que acusa locais de extrema vulnerabilidade por buscarem saídas nas redes de organização do tráfico de drogas, sendo estas, na maioria das vezes, as únicas alternativas de acolhimento acessadas por uma juventude que não possui  perspectiva nenhuma a não ser a da violência. 

Esse mesmo Estado também utilizou como motivo para a reintegração de posse da comunidade Dubai, a questão de se tratar de área de preservação ambiental, acusando os moradores de crime, ao passo que vê na construção de grandes empreendimentos e de resorts na região, a consolidação de um projeto de Desenvolvimento Econômico, Social e Político. Para os pobres, acusação de crime e despejo... para os ricos, o Desenvolvimento. Estamos falando de um processo de despejo e de uma política que mede a população da cidade de João Pessoa com dois pesos e duas medidas, desumanizando as pessoas que vivem em nossa cidade, que produzem a nossa cidade e que sustentam, em grande medida, com seu suor e trabalho o tão falado Desenvolvimento. 

Hoje, 23 de novembro, mangabeira está em chamas e a sua população clama por atenção e por humanidade. A nossa posição, enquanto Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos na Paraíba é de repúdio à criminalização da pobreza em nosso município e em nosso estado.

MTD - Movimento dos Trabalhadores/as por Direitos - Paraíba

Edição: Heloisa de Sousa