Ceará

Consciência Negra

Quilombos: resistência da cultura negra e luta pelo território

Apesar de reconhecimento, quilombolas do Ceará estão longe de conquistar reparação e a titularidade de suas terras

Apesar de reconhecimento, quilombolas do Ceará estão longe de conquistar reparação e a titularidade de suas terras |
Quilombola
Comunidade Terreiro das Pretas no Crato, Cariri - Mapa Cultural - Secult

De sorriso largo, roupas coloridas e cabeça adornada por uma coroa de lenço, a descendente do povo Quilombola, Verônica Neuma das Neves Carvalho, do Terreiro das Pretas, no Crato, transmite orgulho do seu povo e da sua ancestralidade. “Nosso terreiro é conhecido como reino encantado, e eu acho que é realmente um reino encantado, cheio de rainhas e princesas”, afirma com um contentamento contagiante. “Viver nessas comunidades é muito bom, muito bom porque você pode contar com o seu povo, pode contar uns com os outros, você tem uma história, tem um pertencimento, você pertence a terra e a terra é sua, eu sou da terra e a terra é minha por isso a gente diz que a terra foge a identidade das pessoas”, complementa Verônica.

Mas para além do orgulho, viver nos Quilombos é também sinônimo de luta e de resistência: “É extremamente desafiante, porque as comunidades geralmente ficam distante das sedes dos municípios, então existe uma dificuldade muito grande de acesso. As estradas não são boas, não são seguras. Existe a dificuldade de acessar as políticas públicas, de acessar o bem mais precioso que é a água, a gente ainda tem comunidades que tem dificuldade muito grande de acesso à água pra consumo humano”, lamenta.

Apesar de estarem presentes em boa parte do território cearense, até hoje as comunidades quilombolas do Estado não tem um pedaço de chão com titularidade garantida. São 86 comunidades, dessas 56 certificadas pela Fundação Palmares, que há décadas resistem e lutam por reconhecimento, reparação e pelo direito à terra.

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João Luís Nascimento, professor e liderança do Quilombo do Cumbe, localizado em Acarati, conta que apesar dos avanços no reconhecimento de seu povo, faltam políticas consistentes para a regularização fundiária: “no Ceará, nós não temos nenhuma comunidade com o título da sua terra, é um Estado que nos reconhece e tem orgulho porque 4 anos antes da princesa Isabel abolir a escravidão, aqui no Ceará já existia todo um movimento liderado pelo Dragão do Mar, lá do Aracati, que fez todo esse movimento e o Ceará passar a ser primeira província do Brasil a abolir a escravidão, porém não avançamos na questão da regularização fundiária”.


João do Cumbe em seu território no município de Aracati. / Galba Sandras

Renato Baiano, da comunidade quilombola de Encantados de Bom Jardim, no município de Tamboril, fala da importância de contar e recontar sua história para que todas as futuras gerações reconheçam a força de seu povo e sua importância histórica na constituição da nação chamada Brasil, e assim possamos todos nos reconhecer como povo: “Primeiro é importante resgatar a história, conhecer de onde foi que nós viemos, quem somos nós, para que a gente possa se fortalecer. Você sabe que a questão de ser descendente de escravos traz um preconceito, mas a gente não pode se deixar levar por isso, a gente tem que se fortalecer cada vez mais, conhecer nossa identidade, conhecer nossa origem”, afirma. 
Em 2019, o estado realizou um mapeamento das comunidades quilombolas do Ceará. Como toda radiografia, o documento precisa ainda ser ampliado, mas já aponta importantes indicadores, como por exemplo o tamanho da presença quilombola na ‘Terra da Luz’: “isso, inclusive, refuta aquela falsa ideia de que o Ceará não tinha escravos. Teve escravos, o Ceará foi um grande porto do comércio escravagista e isso justifica o fato de nós termos hoje 86 comunidades quilombolas mapeadas”, salienta, Martír Silva, Coordenadora Especial de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial, do Governo do Estado. 

Segundo o documento, hoje, em todo o território cearense, a presença de quilombolas é importante somando-se cerca 30 mil quilombolas acima de 18 anos. Mas a coordenadora afirma que o número é muito maior. É história e é gente demais para ser apagada da memória.

Edição: Camila Garcia