Rio Grande do Sul

RECONHECIMENTO

UFRGS concede Título de Doutor Honoris Causa a Oliveira Silveira

Proposta foi encaminhada pelo Instituto de Letras e aprovada durante sessão do Conselho Universitário nesta sexta (26)

O poeta Oliveira Silveira, junto com o grupo Palmares, idealizou o Dia da Consciência Negra - Foto: Tânia Meinerz/Divulgação

O Conselho Universitário da UFRGS (Consun) aprovou na manhã desta sexta-feira, 26 de novembro, o Parecer 171/2021, que concede o Título de Doutor Honoris Causa ao poeta Oliveira Silveira. É a primeira vez que a UFRGS concede um Honoris Causa póstumo (veja todos os títulos honoríficos aqui).

A proposta foi encaminhada pelo Instituto de Letras da UFRGS após indicação aprovada pelo Conselho da Unidade em 22 de julho deste ano. Em 24 de setembro, o Consun instituiu a Comissão Especial que avaliou e deferiu o pedido, tendo como base o legado literário e social do poeta e escritor Oliveira Silveira: ele “é merecedor da distinção acadêmica prevista no Art. 81, II do Regimento desta Universidade, por meio da concessão do título de Doutor Honoris Causa”.

Oliveira Ferreira da Silveira nasceu em Touro Passo, distrito de Rosário do Sul (RS) e diplomou-se no Instituto de Letras da UFRGS, atuando no exercício do magistério em Porto Alegre. Mantém-se vivo nas universidades brasileiras, em especial no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFRGS, por meio de teses, dissertações, TCCs e artigos que abordam a sua poesia. Socialmente, Oliveira Silveira é lembrado pelo dia 20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra, conforme a Lei Federal 10.639/2003.

Para a Comissão Especial, “o poeta trouxe uma dupla e significativa contribuição: à produção literária e aos movimentos coletivos de nosso país. No primeiro caso, tem-se uma obra de grande relevância social, visto a sua produção poética constituir uma espécie de radiografia da sociedade brasileira do século XX e da situação do negro nessa sociedade. No segundo caso, agregou contextos e ideias para projetar melhores condições de diálogo entre os meios popular e acadêmico. Buscou, nas suas origens, o resgate de uma história de luta contra as injustiças, o preconceito e o racismo. Seu legado envolve, desse modo, ações literárias, com expressividade do ponto de vista cultural, e ações coletivas, com viés agregador para o combate das injustiças e do preconceito na luta por maior inclusão social".

Maria Conceição Lopes Fontoura, militante do Movimento Negro, coordenadora de Maria Mulher: Organização de Mulheres Negras, servidora técnico-administrativa da UFRGS e doutora em Educação, diz, na sua contribuição ao Parecer 171/2021, que a leitura do Manifesto do Grupo Palmares, publicado no jornal Zero Hora do dia 19 de novembro de 1972, foi determinante em sua vida. “Conheci, convivi e desfrutei do repertório de sua sapiência, ensinamentos e escritos. Constituíram-se em aprendizados definidores para minha vida. Ainda, Oliveira apresentou-me a poesia negra. Aprendi que mulher negra é musa de inspiração. Com seu olhar mandingueiro, cantou as belezas negras”.

Com essa indicação, a Universidade busca promover uma reflexão em torno da consciência negra ou da negritude na obra do poeta. O parecer da Comissão Especial reforça o desejo de que o título de Doutor Honoris Causa a Oliveira Silveira promova, cada vez mais, ao divulgar a vida e obra do ‘Poeta da Consciência Negra’, “atividades que nos levem a pensar o lugar da população afro-brasileira na sociedade atual em seus fazeres e saberes. Nesse sentido, a concessão do título honoris causa ao poeta será uma ação com significado simbólico para fortalecer a luta por uma sociedade mais plural, na qual todas as vozes sejam lidas e ouvidas”, relatam Carmem Luci da Costa Silva, Patricia Helena Xavier dos Santos e Patrick Veiga da Silva.

Para a UFRGS, a concessão desse título representa o gesto de reconhecimento público do valor de uma obra extensa e diversificada que inspirou e inspira gerações, além de contribuir para a valorização do sentido social do conhecimento produzido por negras e negros dentro e fora da Universidade e destacar a importância das lutas coletivas para uma sociedade mais inclusiva.

Sobre Oliveira Silveira

Oliveira Ferreira da Silveira nasceu em Touro Passo, distrito de Rosário do Sul (RS), em 16 de agosto de 1941. Diplomou-se no Instituto de Letras da UFRGS e atuou no exercício do magistério em Porto Alegre. Foi um dos intelectuais negros de maior destaque no Estado e no país, participando ativamente de debates, encontros e mobilizações do Movimento Negro.

No período de 1971 a 1978, participou do Grupo Palmares, sendo também o mentor do estabelecimento do dia 20 de novembro – data da morte de Zumbi dos Palmares em 1695 – como o “Dia Nacional da Consciência Negra”. Foi um dos idealizadores do primeiro ato evocativo do dia 20 de novembro, em homenagem a Zumbi, na celebração realizada pelo Grupo Palmares em 1971, em Porto Alegre.

Como escritor, publicou, até 2005, dez títulos individuais de poesia; participou de antologias e coletâneas no país e no exterior. Na imprensa, publicou artigos, reportagens e alguns contos e crônicas. Participou de artigos e/ou ensaios em obras coletivas, teve poemas musicados. Entre algumas das distinções recebidas por seu trabalho, constam: menção honrosa da União Brasileira de Escritores, do Rio de Janeiro, pelo livro Banzo Saudade Negra em 1969; medalha Cidade de Porto Alegre, concedida pelo Executivo Municipal em 1988; medalha Mérito Cruz e Sousa, da Comissão Estadual para Celebração do Centenário de Morte de Cruz e Sousa – Florianópolis-SC, 1998; Troféu Zumbi, obra de Américo Souza, concedido pela Associação Satélite-Prontidão, da comunidade negra de Porto Alegre, 1999; Comenda Resistência Civil Escrava Anastácia, da Rua do Perdão, evento cultural negro, Porto Alegre, 1999; e Tesouro Vivo Afro-Brasileiro, homenagem do II Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros, realizado entre 25 e 29 de agosto de 2002 na Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), em 27 de agosto.

O poeta, crítico, professor de Filosofia e mestrando em Teoria, Crítica e Comparatismo (PPGLetras/UFRGS) Ronald Augusto diz em seu relato à Comissão Especial que há dois tipos de poetas/poemas: “um que, quando o lemos, geralmente, dizemos ‘é exatamente o que eu sinto’; e outro cuja leitura nos faz balbuciar ‘nunca senti/pensei tal coisa desse modo’; e graças ao (seu) escrito começamos, a partir desse ponto, a sentir e pensar de modo diferente essa coisa. Oliveira é poeta do segundo caso. E não é por outra razão que o acompanhamos, como poeta intrinsecamente atento ao fine excess da poesia, também nesse aplicar-se em torneios de linguagem que provocam precipitações, movimento e seu compromisso com as questões da população negra.

Como exemplo de sua sutil complexidade, registramos esta estrofe do poema ‘Silogismos’ (Praça da palavra, 1976)”:

A vida é ar, é terra e morte.

Os vivos estão separados

dos mortos

pela sola do sapato.

Pisar é a maior prova de estar sobre.

Logo, viva a vida enquanto há couro!

Edição: UFRGS Notícias