Rio Grande do Sul

Coluna

26.11.2021: O luxo e a fome

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"O Brasil votou ao Mapa da Fome. E não há políticas públicas para seu enfrentamento. Só a sociedade se mobiliza com os Comitês Populares contra a Fome, as Cozinhas Solidárias e Comunitárias, os sopões, as cestas básicas, o Natal Sem Fome" - Agência Brasil/ Arquivo
Nenhuma mudança profunda virá das elites. Virá, sim, como sempre, do povo consciente e organizado

Há uma semana, 26 de novembro de 2021, sexta-feira, aconteceu uma Plenária nacional de Combate à Fome sob a coordenação do SEFFRAS, Serviço Franciscano de Solidariedade: construção de uma Frente Nacional contra a Fome. Houve mais de 100 participantes de diferentes Movimentos sociais, organizações, Ação da Cidadania, OXFAM Brasil, Movimento Fé e Política, MST, Coalizão Negra pelos Direitos, Banquetaço, Periferia Viva, CAMP, para enfrentar a urgência da fome no Brasil.

Na tarde de 26 de novembro de 2021, mesma sexta-feira, fui, como sempre, na Banca de jornais do Largo Glênio Peres, Porto Alegre: comprar o jornal Valor Econômico, com seu Caderno EU & Fim de Semana. Manchete principal do Valor: “Superendividado terá limite de renda para pagar dívidas. O endividamento exacerbado atinge cerca de 30 milhões de brasileiros, segundo estimativa do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC).”

Na mesma edição, 26.11.2021, há o Caderno ‘Imóveis de Valor´. Manchete principal do Caderno: “Condomínios no Interior têm gama de serviços sofisticados. Lojas, offices, salão de beleza, teatro e até escola passam a fazer parte de empreendimentos de alto luxo em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.” No Complexo Terravista Brasil, no topo das falésias de Trancoso, Bahia, “atualmente, estão em construção casas em terrenos de quase cinco mil metros quadrados, com até oito suítes, a R$ 14 milhões. O complexo abriga um teatro, restaurante, piscinas, hangar, lojas e um campo de golfe de 70 hectares. O empreendimento está em plena expansão e tem como principal diferencial uma pista de pouso homologada para jatos executivos e turboélices.”

Fui recuperar outro Caderno ´Imóveis de Valor´, de 19.11.2021. Manchete principal: “Brasileiros retomam o interesse por imóveis no exterior.” Na matéria, segundo o CEO Marcello Romero, “cerca de 8% do total de imóveis vendidos em Miami é para brasileiros. Nos últimos 12 meses, saímos de uma média de 15 negócios por ano para 25”. Segundo a corretora Cristina Hungria, “meu telefone não para de tocar. São mais de 20 contatos por semana de brasileiros que estão vindo à cidade de Nova York e querem ver apartamentos. Em geral, a busca por imóveis de dois quartos, próximos ao Central Park e com ticket médio de U$ 2 milhões”.

Enquanto isso acontece com os ricos brasileiros, que enriqueceram muito em plena pandemia, as manchetes do UOL em 29.11.2021 eram: “Moradores de SP desmaiam de fome em filas de postos de saúde”. “Os brasileiros que sobrevivem com comida de porco e água suja: ‘um balde para 6 pessoas’.” E o Blog da Cidadania estampa, em 29.11.2021: “Paulistanos dependem de doações, xepa e lixo para comer.”

Esta é a elite brasileira, conservadora, escravocrata, e que sempre só pensou no seu bolso e umbigo ao longo da história. Não há solidariedade, nenhum olhar para o seu povo, para os pobres, ou para seu país e Nação, para a soberania e a democracia. Esta elite não deixa fazer qualquer reforma tributária, com taxação de grandes fortunas, e outras reformas estruturais. Para que quem compra casa ou mansão de milhões de reais ou dólares em Trancoso e Miami pague impostos, como qualquer trabalhadora e trabalhador paga diariamente.

Diz Thomas Piketty (Carta Maior, 01.12.2021): “Estamos em uma situação semelhante à que levou à Revolução Francesa. Os privilégios concedidos às grandes fortunas levarão a uma crise política.” Piketty recorda a insurreição do final do século XVIII, quando a nobreza resistia a pagar impostos.

Para ver a fome, basta ir para as ruas. Não há sinaleira em Porto Alegre em que não tenha alguém pedindo uns trocados, além de todas e todos que sobrevivem morando nas ruas, praças e avenidas.

A fome voltou. O Brasil votou ao Mapa da Fome. E não há políticas públicas para seu enfrentamento. Só a sociedade se mobiliza com os Comitês Populares contra a Fome, as Cozinhas Solidárias e Comunitárias, os sopões, as cestas básicas, o Natal Sem Fome. A sociedade realiza uma Conferência Popular nacional de SSAN, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, já que o CONSEA, Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, foi extinto, junto com suas políticas e programas. Os CONSEAs estaduais, onde ainda existem, como no Rio Grande do Sul, estão na luta para manter políticas de segurança alimentar e nutricional e de agroecologia e produção orgânica.

Por isso, é fundamental a construção de uma Frente nacional de Combate à Fome, com unidade e solidariedade, bem como é urgente uma reforma tributária pra valer.

Sem ilusões, portanto. Nenhuma mudança profunda virá das elites. Virá, sim, como sempre, do povo consciente e organizado e de sua capacidade de luta. A resistência ativa e o esperançar freireano são a possibilidade de futuro, com direitos e democracia, na construção de uma sociedade do Bem Viver.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko