Entrevista

Dia Internacional dos Direitos Humanos: quem é Dom Angélico bispo que grita junto com o povo?

O bispo-auxiliar é importante figura na luta por moradia em São Paulo e foi voz atuante contra a ditadura militar

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Para Camilo Vannuchi, biógrafo de Dom Angélico, o bispo traz inspirações para a luta contra o governo Bolsonaro - Acervo Pessoal

Neste 10 de dezembro é celebrado o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Para marcar a data, o Brasil de Fato relembra a importância da trajetória do bispo emérito (aposentado) da Igreja Católica, Dom Angélico Sândalo Bernardino, que é reconhecido por sua atuação desde a década de 1970 contra a ditadura militar e em prol das populações em situação de vulnerabilidade social. 

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Segundo o jornalista e escritor Camilo Vannuchi, autor do livro digital Dom Angélico: o bispo que gritava junto com o povo, em parceria com o Instituto Vladimir Herzog, Dom Angélico se envolveu expressivamente com as lutas populares. “Eu acho que isso foi a grande marca da trajetória dele: luta por moradia, creche, emprego.  Ele aparecia nos jornais nos anos de 1980 como esse cara que defendia a ocupação de terra e os loteamentos”, afirma Vannuchi, em entrevista ao Programa Central do Brasil. Nesse sentido, “a Igreja teve uma participação importante nesse nessa luta. e ele foi um grande nome aliado população periférica de São Paulo”. 

Nascido em Saltinho, no interior de São Paulo, em 1933, Dom Angélico foi coordenador pastoral operária de São Paulo em uma época de grandes greves e de assassinato de figuras importantes, como do operário Santos Dias e do jornalista Vladimir Herzog.  

“Talvez o marco mais forte seja em 1979, na morte do Santo Dias, morto a tiros pela polícia fazendo um piquete na frente de uma fábrica na zona sul de São Paulo. Ali tem um cortejo com o caixão que leva o corpo do Santo Dias da Igreja da Consolação até a Catedral da Sé. Naquele momento Dom Angélico faz a homilia, publica artigos e diz que o corpo de Santo Dias foi cravado de bala como o corpo de Jesus foi crucificado”, relembra Vannuchi. 

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Para o escritor, a trajetória de Dom Angélico traz inspirações na luta contra um governo “que não tem nenhum interesse na população”, o governo de Jair Bolsonaro (PL). “Dom Angélico também é inspirador nisso, por sua história no momento da ditadura militar, de repressão. Ele diz como é importante a gente militar, do verbo militar.” 

Confira a entrevista na íntegra: 

Camilo, para começar, quem é Dom Angélico e qual a trajetória dele em defesa da democracia? 

Dom Angélico é um bispo da Igreja Católica, de Saltinho, no interior de São Paulo, que foi bispo-auxiliar de Dom Paulo Evaristo Arns, na Arquidiocese de São Paulo, entre os anos de 19070 e 1990. Ele foi super importante nas atividades nas periferias da cidade: primeiro na região leste, em São Miguel Paulista, e depois na Vila Brasilândia, na zona norte. Ele é um desses bispos da Igreja Católica, dos anos 1970, muito envolvidos com a pastoral operária, da qual ele foi coordenador, e na resistência contra a ditadura militar e defesa da cidadania em São Paulo.  

Dom Angélico passou grande parte da vida na zona leste paulistana, como você mesmo já mencionou, e por lá era conhecido como o Homem Palavra. Além de ter virado devoto de São Jorge, o que é a convivência com o povo periferias, não só na diocese de São Miguel, ensinou pra esse defensor dos direitos humanos? E o que ele ensina sobre a luta por justiça social no país?  

Devoto de São Jorge e corintiano. Ele veio de uma família italiana em que todo mundo era palmeirense, mas não resistiu e virou corintiano na zona leste de São Paulo. Ele acabou se envolvendo muito com as lutas populares. Eu acho que isso foi a grande marca da trajetória dele: luta por moradia, creche, emprego... Mas, sobretudo, por moradia, que foi a luta mais forte dele. Ele aparecia nos jornais nos anos de 1980 como esse cara que defendia a ocupação de terra e os loteamentos. A Igreja teve uma participação importante nessa luta, e ele foi um grande nome aliado população periférica de São Paulo. 

Dom Angélico já chega em São Paulo com uma atividade nas periferias muito intensa. Ele foi padre em Ribeirão Preto, onde tinha ido morar na periferia, na Vila Carvalho. E é isso que faz com que Dom Paulo Evaristo Arns preste atenção nele e o convide para ser bispo-auxiliar para a zona leste de São Paulo.  

E quais são os momentos de resistência que você destaca na biografia de Dom Angélico? 

Ele também teve um papel fundamental de resistência à repressão da ditadura militar. Logo que chega em São Paulo, em janeiro 1975, tem o assassinato do Vladimir Herzog no DOI-CODI, e Dom Angélico vai ao ato ecumênico da Catedral da Sé, ao lado do Dom Paulo Evaristo Arns. 

No ano seguinte, tem a morte do Manoel Fiel Filho, um operário também na zona leste de São Paulo, morto sob tortura no DOI-CODI. Nesse momento, Dom Angélico já era o coordenador da pastoral operária. Então, ele participa, organiza uma missa e faz a divulgação dessa arbitrariedade que a ditadura cometeu naquele momento.  

Mas talvez o marco mais forte seja em 1979, na morte do Santo Dias, outro operário, da Zona Sul de São Paulo. Santo Dias foi morto a tiros pela polícia fazendo um piquete na frente de uma fábrica na Zona Sul de São Paulo. Ali tem um cortejo com o caixão que leva o corpo do Santo Dias da Igreja da Consolação até a Catedral da Sé. Naquele momento Dom Angélico faz a homilia, publica artigos e diz que o corpo de Santo Dias foi cravado de bala como o corpo de Jesus foi crucificado 

Na atuação de Dom Angélico, principalmente nos movimentos por moradia, ele mostra que a educação e a comunicação são instrumentos de organização do povo. O que ele nos ensina sobre a e educação popular? 

Ele comenta, inclusive, que por onde passou ele criou um jornal. Desses jornais que ele criou em Ribeirão Preto, na zona leste e na zona norte de São Paulo talvez o mais importante se chama Grita Povo. Daí que vem o título que a gente escolheu para o filme Dom Angélico e o Grito do Povo e para a biografia Dom Angélico: o bispo que gritava junto com o povo.  

Ele diz que o jornalismo precisa ser feito pela população e para a população, com a linguagem de uma comunidade e tratando dos temas que são importantes para aquela comunidade. A população periférica é geralmente invisibilizada pelos jornais tradicionais. Os grandes jornalões muito dificilmente tratam dessas reivindicações populares, por isso ele tem essa ideia e é muito bem recebida. 

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Esses jornais viravam murais fixados nas paredes das comunidades eclesiais de base e das igrejas, com temas que também eram discutidos nas missas. Então cria-se de fato ali um ambiente para discutir e organizar a população para as reivindicações que fundamentais naquele período.  

Entre tantas mazelas, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei Antiterrorismo, que na prática visa a criminalizar ações de movimento populares. Quais as ameaças que esse governo representa para quem luta pelos direitos humanos?  

É a criminalização dos movimentos sociais e da luta por direitos humanos de maneira ampla. A gente consegue ver isso muito claramente. É um governo que não tem nenhum interesse na população, uma postura inclusive genocida como a gente viu recentemente na pandemia. 

Dom Angélico também é inspirador nisso, por sua história no momento da ditadura militar, de repressão. Ele diz como é importante a gente militar, do verbo militar. Num dia como o Internacional dos Direitos Humanos, criar esse espaço como vocês estão criando é fundamental, assim como escrever livros, publicar biografias, fazer podcasts. Essa luta também é uma luta na comunicação e das narrativas.

Edição: Anelize Moreira