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A ausência de Dilma no jantar... por que Dilma foi barrada?

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Jantar que reuniu diversos políticos, entre eles Lula (PT) e Geraldo Alckmin (ex-PSDB), não teve presença da única mulher eleita presidenta desse país por duas vezes - Foto: Roberto Stuckert Filho
Exclusão de Dilma desse jantar é também um ato misógino

Foi com certo entusiasmo que parcela da mídia e setores do campo progressista receberam os registros do jantar promovido pelo Grupo Prerrogativas, em 19/12, que reuniu diversos políticos, entre eles, Lula (PT) e Geraldo Alckmin (ex-PSDB). Também chamou positivamente a atenção a presença das mulheres negras que representavam o movimento Coalização Negra por Direitos. Está na hora de mais mulheres negras ocuparem espaços de poder e cargos eletivos, todos quantos quiserem disputar. Vê-las nesse cenário foi um importante gesto político e simbolicamente muito relevante. Mas nesse artigo gostaria de destacar a ausência feminina que saltou aos olhos: da ex-presidenta Dilma Rousseff.

No blog de Malu Gaspar (Globo online, de 21/12/21), a autora Mariana Carneiro chama a atenção para o fato de que fontes em off próximas à Dilma informaram que ela efetivamente não foi convidada, bem como, também teria estranhado sua exclusão. Ao tolherem Dilma de participar desse momento político, é como se promovessem contra ela um novo impedimento político; uma espécie de proscrição política. Por que ela não foi convidada? Por que precisa ser escondida, se não cometeu crime algum? Como é possível que seu partido ou os organizadores do evento tenham “esquecido” de convidar a única mulher eleita presidenta desse país por duas vezes, com uma ativa e histórica participação na política brasileira e no campo progressista?

É como se o impeachment injusto e covarde se repetisse. Creio que poucos ainda têm dúvidas a respeito da violência política praticada por aqueles homens brancos que a derrubaram clamando seus votos "em nome de Deus e da família" para abrir o caminho do poder a golpistas e neofascistas.

Dilma foi impedida de concluir seu segundo mandato por um impeachment farsesco. Tamanha foi a farsa que sequer seus direitos políticos ela perdeu.

Muitos estudos já documentaram a violência política de gênero que foi perpetrada contra ela naquele e em outros episódios de sua trajetória política. Dilma foi vítima de um brutal ataque misógino e machista contra sua imagem e reputação. Ela não é a única mulher a sofrer tais violências, infelizmente. Por ter atingido o cargo máximo de poder no Brasil, Dilma Rousseff é uma agente política relevante. E uma referência importante na luta das mulheres pelo direito de atuar de forma autônoma na política.

Mesmo que muitos não concordem com seu pensamento, ela não poderia ser simplesmente retirada desse cenário. Em sendo, seu “banimento” reforça toda a carga misógina que responsabiliza ela (somente ela) pela crise política que se abateu sobre o PT, culminando com o golpe de 2016 para derrubá-la. Sabemos hoje com razoável nível de minúcias sobre as tramas arquitetadas contra ela pelas elites econômicas, midiáticas, estamentos políticos, judiciais em linha com generais e conspiradores que a traíram, mesmo tendo sido designados por ela para cargos de comando. Hoje esses relatos vêm ocupando cada vez mais espaços públicos de denúncia.

Os possíveis motivos que levaram à ausência de Dilma nesse evento político nos levam a pensar sobre os estereótipos machistas que naturalizam a “inadequação” das mulheres na esfera política.

Não é à toa que mesmo após 24 anos da Lei de Cotas de Gênero para vagas no legislativo (Lei 9.504/1997) tenhamos somente 15% de parlamentares mulheres na Câmara dos Deputados.

Por isso, a exclusão de Dilma desse jantar é também um ato misógino, uma vez que, simbolicamente, significa uma segunda e ilegítima condenação dela. E carrega o símbolo da exclusão de mulheres que ousam desafiar a política tradicional. Enquanto Dilma foi distanciada desse cenário político, alguns de seus algozes estavam presentes e se fizeram visíveis em diversas fotos e selfies.

Aceita-se o algoz e culpabiliza-se a vítima: algo muito comum em justificativas para livrar o agressor em casos de violência racial e de gênero.,

É evidente que não se pretende aqui impugnar a presença no convescote daqueles senhores que votaram a favor da fraude que foi o seu impeachment. Afinal, foi uma prerrogativa dos anfitriões - o Grupo Prerrô. Independente do juízo que se tenha sobre a presença dos algozes da Dilma no jantar, a ausência dela, contudo, é muito mais indigesta.

Por que Dilma não poderia estar no jantar? Quem conhece os meandros da organização de tal evento sabe que a versão pueril “falha de comunicação” não cola. A ausência da Dilma mostra que temos ainda um longo percurso para enfrentar a misoginia, o machismo, o racismo e a homofobia estruturais na esfera pública e no ambiente da atividade política. É preciso refletir sobre esse episódio para efetivamente colocar no primeiro plano o problema da desigualdade de gênero e raça que são estruturais no sistema político brasileiro. A ausência dela decerto foi decidida por pensantes pragmáticos e ultrarrealistas. É sinônimo não só de desrespeito e violência política, mas de culpabilização, apagamento e silenciamento. Não por acaso, novamente é uma mulher.

* Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira