Minas Gerais

MEIO AMBIENTE

Decreto de Jair Bolsonaro sobre cavernas favorece mineradoras e pode facilitar novas pandemias

Medida do governo federal é contestada por especialistas e tem "impactos incalculáveis" na biodiversidade brasileira

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |
Medida deve ser acompanhada de nova instrução normativa do Ministério do Meio Ambiente; na foto, gruta do Parque Nacional das Cavernas do Peruaçu - Foto: Patrícia Carluccio/Wikimedia Commons

O governo chefiado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) flexibilizou e reduziu a proteção de todas as cavernas do país, incluindo as de máxima relevância, que são as de maior valor ecológico. A mudança foi publicada na edição extra do Diário Oficial da União da última quarta-feira (12).

O decreto presidencial é criticado por pesquisadores, especialistas e entidades ambientalistas por facilitar o licenciamento de obras e atividades potencialmente lesivas às cavernas brasileiras. A medida pode levar à destruição de centenas de grutas em todo o país e de milhares de espécies que vivem nesses ambientes.

De acordo com o presidente da SBEQ, ou Sociedade Brasileira para o Estudo de Quirópteros (morcegos), Enrico Bernard, há também o risco do surgimento de novas epidemias e pandemias como a do coronavírus com o desabrigo de populações desses mamíferos que vivem em ambientes cavernosos isolados.

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"Toda vez que você destrói habitats, você coloca os animais daqueles locais em situações de estresse. A destruição de habitats junto com o estresse pode mexer com o sistema imunológico desses animais. Isso aumenta a possibilidade de que vírus e outros patógenos que estejam no local possam se manifestar de uma maneira mais ressaltada", disse Bernard, em entrevista ao Brasil de Fato.

"Não é diferente quando você destrói cavernas que têm populações de morcegos. Quanto mais cavernas você destrói, mais você está expondo os morcegos que moravam dentro daquela caverna a situações de estresse e eles têm que procurar novos habitats, novos locais para se abrigar. Isso pode, sim, aumentar a possibilidade de transmissão de eventuais patógenos que essas populações possam carregar", explicou.

O texto ainda autoriza intervenções em qualquer tipo de caverna, inclusive as de relevância máxima, para obras e empreendimentos considerados de utilidade pública. Segundo Bernard, que leciona na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a redação do decreto atende aos interesses de grandes empresas de mineração.

"A origem da redação desse decreto presidencial é muito nebulosa porque essa não foi uma discussão que passou pelos órgãos técnicos a relacionados a cavernas, não passou pela sociedade civil. Ela partiu de onde? Essa é uma pergunta tem que ser feita, não é?", questionou.

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"Agora, sem dúvida alguma, a redação, como apresentada no decreto, ela favorece muito as grandes mineradoras, que sempre viram nas cavernas de máxima relevância um empecilho para a expansão das frentes de lavra na mineração. Nesse momento, dada a falta de transparência, surgir uma redação como essa, que atende exatamente aos interesses de grandes mineradoras, é, no mínimo, estranho", concluiu.

Em nota, a Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) manifestou-se contrária ao novo decreto e destacou que não foi ouvida sobre a mudança.

"O Decreto Federal nº 10.935/2022 foi produzido a portas fechadas, sem diálogo com a comunidade espeleológica e, claramente, mostra a interferência direta dos Ministérios de Estado de Minas e Energia e de Infraestrutura em uma matéria que é de interesse ambiental", afirmou a entidade.

“Esta interferência visa à facilitação de licenciamento de obras e atividades potencialmente lesivas ao patrimônio espeleológico nacional e que, geralmente, estão associadas a atividades de alto impacto social”, diz a nota.

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Outro lado

O Ministério do Meio Ambiente informou em nota que o decreto publicado pelo governo “disciplina a proteção das cavidades naturais subterrâneas e assegura que a exploração só pode ocorrer desde que haja proteção equivalente, chegando a exigir compensação em dobro”. 

Edição: Vinícius Segalla