Rio Grande do Sul

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Ato político do Fórum Social Justiça e Democracia reúne personalidades mundiais

Plenária analisou o uso político e segregador da justiça e quais saídas possíveis para um sistema mais democrático

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Nomes de peso do cenário nacional e internacional participaram do debate "Por uma Revolução Democrática na Justiça" - Reprodução

O Fórum Social Mundial Justiça e Democracia (FSMJD) promoveu seu ato político, intitulado “Por uma Revolução Democrática na Justiça", na manhã deste sábado (29), em formato virtual, no canal do FSMJD e no Facebook do BdF RS. Participaram da mesa nomes de peso do cenário nacional e internacional, que debateram temas relacionados à democracia, justiça, política e Estado, apontando para a transformação do sistema de justiça em uma ferramenta que coloque as pessoas em primeiro lugar.

A mediação da atividade foi feita pela procuradora do Trabalho e coordenadora nacional do Coletivo Por um Ministério Público Transformador (Transforma MP), Vanessa Patriota da Fonseca. Ela explicou que os encontros presenciais do Fórum foram adiados para o período entre 26 e 30 de abril, por conta do aumento de infecções de covid-19 decorridas da variante ômicrom.

:: Confira a cobertura completa do Fórum Social das Resistências ::

A procuradora de Justiça do Ministério Público de Pernambuco aposentada, membra do Coletivo Transforma MP e integrante do FSMJD, Maria Betânia Silva, explicou sobre o processo da construção do Fórum, idealizado por Boaventura de Souza Santos. “Este Fórum decorre do Fórum Social Mundial, mas difere dele, por ser um Fórum temático focando na justiça e democracia, não exatamente como valores abstratos, mas a partir de uma ótica das vivências da justiça e democracia.”

Citando a carta de princípios do Fórum, Maria afirmou que o FSMJD é um movimento contínuo de resistência, denúncia, criação, luta, transformação dos sistemas de justiça. Ressaltou que os sistemas de justiça “mantêm uma herança patriarcal, cis-heteronormartiva, brancocêntrica e masculina” que projetam opressão nos povos originários e nas populações constituídas ao longo do tempo, minorizando direitos de grupos majoritários. “Isso é algo que não se adequa aos contornos de um Estado democrático, que é por definição um Estado acolhedor de diversidades.”

Assista na íntegra:

 
AO VIVO | Por uma Revolução Democrática na Justiça

Neste sábado, 29, o Fórum Social Mundial Justiça e Democracia (FSMJD) realiza o ato virtual: Por uma Revolução Democrática na Justiça, das 10 às 13h. O FSMJD acontece presencialmente de 26 a 30 de abril de 2022, em Porto Alegre. Nomes de diversas áreas estarão conosco debatendo sobre o cotidiano da justiça e como podemos lutar para ter uma justiça capaz de visar a pessoa em primeiro lugar. Falar de resistência, de denúncia, de criação e de luta para a transformação de sistemas de justiça. Participe! Apresentando o FSMJD, teremos: Maria Betânia - Procuradora de Justiça MPPE - Aposentada. Membra do Coletivo Transforma - MP e do Comitê Facilitador do FSMJD Na mediação: Vanessa Patriota da Fonseca. Coordenadora nacional do Transforma MP e integrante do Comitê Facilitador do FSMJD Nossas convidadas e convidados super especiais para falar um pouco desse processo são: Boaventura de Sousa Santos: doutorado pela Universidade de Yale, é Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Distinguished Legal Scholar da Universidade de Wisconsin-Madison (EUA) e Director Emérito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Jones Manoel da Silva: é um historiador, marxista, youtuber, professor de história, comunicador popular, escritor, e militante do Partido Comunista Brasileiro, conhecido pelo seu canal no YouTube denominado Jones Manoel. Vilma Reis: é Socióloga, Mestra em Ciências Sociais, doutoranda em Estudos Étnicos Africanos no PosAfro-FFCH-UFBA, feminista, defensora de Direitos Humanos, Ativista do Movimento de Mulheres Negras, Abolicionista Penal, Co-fundadora da Coletiva Mahin Organização de Mulheres Negras para os Direitos Humanos, e, através da Coletiva Mahin constrói a Coalizão Negra por Direitos. Joziléia Kaingang: faz parte da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) e é uma das fundadoras da Articulação Brasileira dos Indígenas Antropologes (Abia) e do Comitê de Assuntos Indígenas da ABA. Luís Nassif: é um jornalista brasileiro. Foi colunista e membro do conselho editorial da Folha de S. Paulo. Nas composições que faz dos possíveis cenários econômicos, não deixa de analisar áreas correlatas que também são relevantes na economia, como o sistema de Ciência & Tecnologia. João Cézar de Castro Rocha: é professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Autor de 13 livros e organizador de 30 títulos. Lançou em 2021 “Guerra cultural e retórica do ódio”. Seu trabalho foi traduzido para o mandarim, alemão, inglês, espanhol, francês e italiano. Jules Falquet: é professora do Departamento de Filosofia da Universidade de Paris 8, depois de ter ensinado sociologia na Universidade Diderot de Paris, desde 2003. Atualmente o foco de suas pesquisas consiste em analisar a reorganização do trabalho e a resistência coletiva à globalização neoliberal de diferentes movimentos sociais do continente americano. Guilherme Castro Boulos: é professor, bacharel em filosofia, psicanalista, ativista, político e escritor brasileiro. Filiado ao Partido Socialismo e Liberdade, Boulos é membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. Tarso Genro: é advogado, autor de livros de direito e teoria política, ex-presidente do PT, foi Ministro da Justiça, de Relações Internacionais e da Educação do Brasil, ex-governador do RS, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e do Instituto dos Advogados Brasileiros. José Geraldo de Souza Jr: é professor titular e ex-reitor da Universidade de Brasília, coordenador do projeto Direito Achado na Rua.

Posted by Brasil de Fato RS on Saturday, January 29, 2022

 

“Espelho da esperança”

Para o sociólogo e jurista português Boaventura de Souza Santos, é histórico que o Fórum Social Mundial realize um fórum sobre o tema justiça e democracia. Ele destacou que, nos últimos 10 anos, um projeto das elites conservadoras tomou o poder em diversos países, usando o sistema judiciário para travar o progresso social, a conquista dos direitos, a conquista e o aprofundamento da democracia e da normalidade democrática.

“Talvez habituados ao privilégio e não aos direitos, direitos são para os outros, eles têm privilégio. E quando viram que os direitos estavam realmente a proliferar e ser efetivamente parte da vida de mais e mais gente, como esses milhões de brasileiros que saíram da fome, tudo isso era uma revolução que ameaçava os privilégios”, apontou. Além do uso do sistema Judiciário pelas elites, destacou o papel da mídia, prática vista em muitos países, especialmente na América Latina e no Brasil.

Sobre o Fórum, o professor destacou que ele é um sinal de esperança em meio a esse contexto. “Somos o espelho da esperança contra o espelho do medo que quis se impor aos brasileiros nesses cinco, seis anos. O Fórum é um movimento, um processo, uma continuidade, é dar voz”, finalizou.

Frear o aparato repressivo do Estado

Jones Manoel da Silva, professor de História, escritor, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e youtuber, fez uma análise do tema justiça e democracia a partir de um balanço do que foi a Nova República que mantém mais de três décadas de democracia no país. “Nesse período constitucional tivemos um crescimento constante da população carcerária, que tem em suas vítimas principais as pessoas negras e pobres das periferias. Aumento constante da violência policial, aumento dos sistemas de tortura oficiosos e um processo sistemático de descumprimento da legislação nos direitos mais básicos deixados na Constituição. Para a população trabalhadora, para os povos que vivem na periferia, democracia se parece muito com a ditadura”, expôs.

Em sua avaliação, o atual momento histórico do país impõe o compromisso de negociar com aqueles que se dizem comprometidos com a classe trabalhadora e com a democracia popular para as maiorias. Para ele, é preciso que se estabeleça um novo paradigma de ação política. “Que deixe de ser comum, por exemplo, o crescimento da violência policial a despeito de qualquer projeto governativo que estiver no momento. Não dá para a gente apoiar politicas que fortalecem essa parafernália repressiva do Estado burguês.”

Tomar a justiça das mãos das “dinastias coloniais”

Cofundadora da Coletiva Mahin Organização de Mulheres Negras para os Direitos Humanos, a socióloga e feminista Vilma Reis começou sua fala homenageando Elza Soares. Fez um paralelo com a Conferência Mundial das Nações Unidas contra o Racismo, realizada na África do Sul para que o mundo inteiro olhasse para a situação do apartheid, e a realização do Fórum, com a construção de possibilidades junto das lutas feminista e antirracista.

Para ela, o Brasil precisa de uma mudança no sistema de justiça, tomando-o das mãos das “dinastias coloniais”. “Enquanto sociedade civil nós estamos aqui para dizer que um outro sistema de justiça é possível. Precisamos mudar a fotografia de poder no sistema de justiça, precisamos falar em paridade racial e de gênero para além da eleição de OAB, em cada tribunal. Precisamos enegrecer o serviço público no Brasil, nos lugares de decisão garantir presença negra, periférica, das mulheres e não tem lugar mais emblemático que o sistema de justiça”, afirmou.

Justiça precisa ouvir as vozes silenciadas

“Nós vivemos em um Estado de exceção, aonde a democracia não é uma democracia que nos acolhe, que nos coloca enquanto iguais”, afirmou Joziléia Kaingang, uma das fundadoras da Articulação Brasileira dos Indígenas Antropologes (Abia) e do Comitê de Assuntos Indígenas da ABA. Ela destacou o papel das mulheres indígenas. “Estamos em muitas lutas, somos sementes plantadas através dos nossos cantos por justiça social, por demarcação dos nossos territórios, pela floresta em pé, pela saúde, para educação, para conter as mudanças climáticas.”

Joziléia criticou a exploração e arrendamento do território indígena praticado no governo de Jair Bolsonaro, cuja bandeira principal tem sido abrir as terras indígenas. Também destacou o assassinato de pessoas indígenas no estado gaúcho, na disputa pelo arrendamento. “Precisamos lutar contra isso, que infelizmente não é só uma disputa interna da comunidade. O próprio sistema de justiça precisa compreender a história dos povos indígenas, de cada região, para que ele possa ser um sistema de justiça que acolha a justiça a ser feita, seja realmente democrático”, disse, defendendo que o sistema de justiça tenha tradutores e interpretes indígenas, para além de advogados indígenas, a fim de ouvir essas vozes silenciadas.

Em sua fala, o jornalista Luís Nassif abordou a questão das redes sociais e o embate na política em época de individualismo exacerbado. Disse que já existe bibliografia importante mostrando as manipulações feitas com redes sociais e algoritmos. “No GGN nós levantamos, quando deu o caso dos supostos hackers russos nas eleições americanas. Trouxemos informações que foram possíveis levantar junto a site americanos, que aquilo foi uma armação visando subordinar o Facebook ao Atlantic Council”, disse.

Na sua avaliação, uma das possibilidades a serem levantadas mais adiante - e o Brasil pode ser pioneiro - são formas de enquadramento das redes sociais e o fim dos algoritmos, das maneiras de tratar e induzir a opinião pública tanto para bens de consumo como para posições políticas. Em relação ao Judiciário, afirma que vai ter que haver um amplo trabalho de convencimento. “Você tem uma parte do Judiciário que é intrinsecamente conservadora, e você tem ondas de opinião que vem e que vão”, analisou.

“Estamos em um momento de amadurecimento coletivo muito relevante. Estou sentindo aquele cheiro de constituinte no ar”, disse Nassif. “Então que a provável eleição de Lula não seja o objetivo final, mas o início de uma grande transformação, de nova constituinte ou não, que integre todos os brasileiros nesse grande trabalho de reconstrução nacional”, finalizou.

Guerra cultural

João Cézar de Castro Rocha, escritor e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, autor de “Guerra cultural e retórica do ódio”, explicitou as estratégias que levaram a extrema direita ao poder em diversos países através do voto. Segundo ele, “guerra cultural é uma máquina discursiva que, partindo de notícias falsas e teorias conspiratórias, produz sem cessar narrativas polarizadoras cuja finalidade é gerar inimigos imaginários em série que mantém as massas digitais permanentemente mobilizadas por meio da retórica do ódio”.

Ele traça um paralelo entre a afinidade da extrema direita com a dinâmica binária, algorítmica e monetizadora e afirma que o projeto desta guerra cultural é, no Brasil, obter um bolsonarismo sem Bolsonaro, e no mundo, implantar o modelo do pinochetismo, impondo o neoliberalismo selvagem pelo voto. “O que fazer? Ninguém tem a resposta. Uma ideia é nos apropriarmos do universo digital como a extrema direita faz há pelo menos 15 anos, que nos apropriemos de todos os espaços públicos novos criados pelo universo digital”, avaliou.

Democratização do Poder Judiciário

Político brasileiro pelo PSOL e membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos trouxe, a partir de sua experiência na luta por moradia, a constatação da criminalização dos movimentos sociais e de suas lideranças como uma manifestação da hegemonia neoliberal dos últimos 40 anos. “Estado mínimo em relação a direitos sociais, mas, ao mesmo tempo, Estado máximo no aparato repressivo e de segurança pública”, assinalou.

Prisões e processos de lutadores sociais por parte do Estado, perseguições e assassinatos que encontram salvo conduto nas ações do governo federal e despejos violentos demonstram a cristalização dessa violência, entende Boulos. “O caminho de solução não é possível sem um debate amplo sobre a democratização do Poder Judiciário”, avaliou. “A forma de seu funcionamento precisa ser debatida, é o único poder que não passa por nenhum crivo da sociedade”, completou.

Reorganização neoliberal da violência mundial

Jules Falquet, militante feminista francesa e professora do Departamento de Filosofia da Universidade de Paris 8, tratou da exploração capitalista que gera violências para além da exploração econômica, com destaque para as violências racista, xenófoba, islamofóbica, antissemita, anticigana, bem como a violência contra animais não humanos. Em especial, a violência “heteropatriarcal, com mulheres, lésbicas e população LGBTQia+”.

Na sua avaliação, é preciso compreender que há uma reorganização neoliberal da violência mundial, com uma dupla privatização da violência que permite cada vez mais a impunidade. Em uma esfera mais ampla, a violência de milícias e exércitos privados em guerras internacionais. Em uma esfera privada, a violência doméstica. “Até o feminicídio, a violência contra as mulheres, especialmente as negras e proletarizadas, não é casual, é dispositivo central da privatização da violência e da reorganização neoliberal da violência”, afirmou.

Compreender as duas ordens jurídicas para derrotar o fascismo

Ex-ministro dos governos do PT e ex-governador gaúcho, o advogado Tarso Genro falou sobre democracia e direito, apontando a existência de duas ordens jurídicas: uma ordem normativa, escrita na Constituição de 1988, e uma de ordem concreta, que deriva da normativa, mas se expressa com normas de poder dentro do senso comum, a partir da voz de um líder. Tarso avaliou que a eleição de Bolsonaro deu legitimidade progressiva para deformar a ordem normativa da Constituição e instalar outra ordem, facilitando ações violentas.

“Bolsonaro disse publicamente que é preciso permitir que policiais matem. Muitos de nós pensávamos que isso não ia frutificar, que essas palavras seriam chocantes para o senso comum. Ficou demonstrado que não só não era chocante para grande parte do senso comum como obteve aderência nas diversas classes sociais”, exemplificou. Para Tarso, a compreensão desse cenário é decisiva para se pensar em um reforma do sistema de justiça e para derrotar o fascismo no Brasil.

Após as manifestações iniciais dos convidados, o debate foi aberto para uma rodada de perguntas e manifestações dos participantes. Ao final, o ato prestou uma homenagem a Elza Soares e Vovó Bernaldina Macuxi, ativista indígena que morreu vítima da covid-19.


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Edição: Katia Marko